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Pais cogitam não enviar filhos às aulas presenciais

Governo do Estado de São Paulo anuncia hoje cronograma para possível retomada das aulas em meio à pandemia

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
24/06/2020 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


O governo do Estado de São Paulo anuncia hoje, durante coletiva de imprensa, cronograma para retomada gradual das atividades presenciais nas escolas públicas e privadas do Estado, após o período de suspensão das aulas em ambiente escolar por causa da pandemia de Covid-19. Diversas famílias, no entanto, já trabalham com a ideia de não enviar os filhos para as escolas, temendo contaminações. Em abril, o governo anunciou que a retomada seria de forma gradual, a partir de julho, começando pela educação infantil.

A professora Alessandra Viana, 41 anos, é mãe de Daniel, 6, aluno da rede municipal em Santo André. Com a experiência de quem atua na área, ela avalia que é impossível manter distanciamento e a higiene necessários para as crianças na escola. “Pode ser meia dúzia ou 30, é da natureza o contato, o brincar, o carinho e a troca das crianças. As chances de contrair o vírus e levar para casa é gigantesca”, avaliou.

Tanto Alessandra quanto os avós maternos de Daniel têm comorbidades e são integrantes dos grupos de risco da Covid. “Quanto aos conteúdos, acho que é possível recuperar com o ganho das aprendizagens de resiliência, controle de ansiedade e valores familiares que ele está tendo”, completou.

Alessandra não descarta ter que entrar na Justiça para garantir que o filho não precise voltar ao convívio escolar. “Essa dor de cabeça jurídica que pode acontecer ainda é menor do que a dor de perder alguém. Prefiro o risco de um processo do que o risco de perder alguém que amo”, concluiu a professora.
Mãe de quatro estudantes da rede pública em Diadema, a massoterapeuta Ariane Cecília Silva Oliveira, 36, também não pensa em autorizar o retorno dos filhos à aulas presenciais. “Acredito ser muito arriscado, pois as crianças não têm noção de distanciamento, assim como os adultos. Sabemos também que dentro das salas de aula ficam mais de 30 crianças se tornando impossível o distanciamento”, justificou. “Outro fato muito importante é que os números de casos de Covid-19 têm crescido em nosso município”, completou.

Para Ariane, as filhas Júlia, 13, Laura, 8, Lívia, 7, e Manuela, 5, só vão trocar a educação remota pela presencial quando os casos da doença começarem a diminuir. Sobre a possibilidade de perda do ano letivo, a massoterapeuta acredita que o mais importante é preservar a vida e saúde de todos.
“Um ano letivo é recuperado se houver vida, mas uma vida não se recupera . Se houver o apoio dos professores e dos pais a gente consegue ter vida e também um ano letivo proveitoso”, concluiu.

Moradora de São Bernardo, a analista de software Elaine Martins, 50, não pretende que a filha Luísa, 12, retome as aulas presenciais no colégio particular onde estuda. “Não acho que a escola tem condições de manter as crianças em segurança. São muitos os cuidados necessários”, argumentou. “Minha filha tem lidado bem com as aulas virtuais. Tendo disciplina, acho perfeitamente possível manter este modelo de estudo”, concluiu.

A nutricionista Carla Caratin, 43, é mãe de Valentim, 9, e Joaquim, 6, ambos estudantes da rede municipal de Santo André. Carla também é suplente no Conselho Municipal de Educação e acredita que as escolas não têm estrutura para manter as crianças isoladas e sem contato físico.

Carla pondera que sabe da obrigatoriedade dos pais em garantir a educação dos filhos, mas que o momento não é usual. “Estamos vivendo um momento atípico e acho que isso precisa ser considerado. Sem contar que temos problemas muito maiores e relevantes para o Conselho Tutelar neste momento, como crianças que estão expostas a ambientes violentos”, concluiu.

Advogados divergem sobre consequências

Advogados divergem sobre possíveis consequências legais para responsáveis que decidirem não enviar os filhos para escola, no retorno das atividades presenciais, por medo de contaminação pelo novo coronavírus.

Para Fabricio Posocco, do Posocco & Advogados Associados, os pais podem enfrentar problemas legais, pois estariam infringindo dispostos do Código Penal (abandono intelectual), regras relacionadas à omissão de deveres previstos no Código Civil, da Constituição Federal e até do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

“É importante lembrar que o STF (Supremo Tribunal Federal) já se posicionou sobre a situação do homeschooling (ensino domiciliar) ao decidir que esta situação, em especial, no Brasil não possui suporte jurídico”, afirmou. “Salvo melhor juízo, as crianças e adolescentes têm direito à educação escolar, sendo este verdadeiro direito fundamental que a Constituição Federal estabelece”, concluiu.

Professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Eduardo Tomasevicius Filho avalia que a pandemia é uma justificativa para que os pais não enviem as crianças para a escola, mas que para evitar implicações futuras, o ideal seria que a família conseguisse uma autorização judicial para manter a criança em casa. “O MEC (Ministério da Educação) liberou até 2021 ensino remoto para ensino superior, mas para educação básica não saiu nada. Então fica este vazio normativo. O correto é entrar na Justiça para se resguardar de ser acusado de abandono intelectual”, cita.

Especialista em processo civil e sócio do BMDP Advogados Associados, Eduardo Moura destaca que o abandono intelectual se configura quando os pais deixam de prover a educação dos filhos em idade escolar, sem justa causa. “A pandemia pode ser entendida como essa justa causa ”, afirma. Moura entende que neste momento, não há necessidade dos pais buscarem medidas judiciais. “Porque até agora ninguém falou em nenhum tipo de punição”, completa.

Especialista em direitos da criança e do adolescente e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos) Ariel de Castro Alves afirma que pais e mães exercem o poder familiar que consiste em cuidar, educar, proteger e amparar seus filhos e que não envia-los para as aulas, neste contexto de pandemia, seria justificável. “O ECA e a Constituição Federal tratam da proteção integral das crianças e adolescentes. Nenhuma criança ou adolescente pode ser colocada em situações de risco à vida e integridade física”, pontua.

Para que não haja judicializações, Alves defende amplo diálogo dos gestores educacionais com os pais e mães, educadores e toda a comunidade escolar. “Também envolver os conselhos tutelares, promotorias da infância e juventude e defensorias públicas”, completa.

Redes municipais aguardam por cronograma do Estado

As prefeituras do Grande ABC aguardam deliberação do governo estadual sobre o retorno das aulas presenciais. Santo André relata que está preparando questionamento aos pais para poder trabalhar com a informação da quantidade de famílias que se sentem inseguras no retorno dos alunos. Segundo a Secretaria de Educação, o trabalho com um ensino híbrido não está descartado, cada situação deverá ser analisada e as condutas respaldadas no que os documentos oficiais possibilitem.

São Bernardo informa que mantém a orientação conforme as diretrizes do Estado. A Prefeitura ressalta também que o Conselho Estadual de Educação e o Conselho Municipal de Educação, juntos à Undime SP (União dos Dirigentes Municipais de Educação), fazem parte desta reflexão para a posição conclusiva para este normativo.

São Caetano não descarta manter sistema híbrido, com educação presencial e remota, considerando um possível rodizio entre os alunos e também a vontade das famílias em manter seus filhos em casa. Mauá informa que seguirá o Plano SP e, em comum acordo com as cidades da região, por meio do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Diadema e Rio Grande não responderam aos questionamentos.

A Secretaria de Estado da Educação informou que não irá se manifestar antes do anúncio das medidas pelo governador João Doria (PSDB). 




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