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A Copinha e os sonhos de 3.175 jovens
Por Dérek Bittencourt
03/01/2020 | 07:00
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Se cada uma das 127 equipes inscritas na Copa São Paulo de Futebol Júnior trouxer os 25 jogadores permitidos pelo regulamento (cada time indicou 30 peças, mas teve de cortar cinco para a listagem final), a competição deste ano reunirá 3.175 atletas, 3.175 sonhos, 3.175 objetivos de garotos que sonham em se tornar jogadores de futebol, dar uma vida melhor para as famílias, buscar o futebol europeu e a Seleção Brasileira e tantas outras metas. E a Copinha, que é a maior competição da categoria, acaba sendo o último passo antes do profissionalismo. Sendo assim, é alta a porcentagem de jovens que têm no torneio um fim da linha precoce a todos estes planos, sobretudo pela falta de oportunidade nas equipes principais.

Se nos clubes grandes o aproveitamento da base é reduzido – o Palmeiras, por exemplo, utilizou apenas um jogador de suas categorias inferiores durante todo o último Brasileirão, caso de Gabriel Veron, e só depois que o jogador se destacou na conquista do Mundial Sub-17 pela Seleção Brasileira –, o cenário não é muito diferente nos times pequenos. E existe detalhe um tanto quanto ambíguo nisso, afinal, muitas equipes preferem trazer reforços (caso do Verdão, mas em cenário nada muito diferente do vivido em nossa região) do que apostar em um atleta que está no time sub-20, apto, identificado e que sai muito mais barato.

Na reportagem de apresentação da Copinha na edição de ontem deste Diário, apontei alguns dos nomes de jogadores – com relevância ou destaque tanto no passado quanto atualmente – que disputaram a competição, casos de Casagrande, Cafu, Deco, Dener, Dida, Kaká, Fred, Vagner Love, Luís Fabiano, Lucas Moura, Jô e tantos outros. Inclusive, do time que foi à Rússia para a última Copa do Mundo pela Seleção Brasileira, 16 jogaram o torneio de juniores: Alisson, Cássio, Danilo, Filipe Luís, Marcelo, Marquinhos, Miranda, Casemiro, Fernandinho, Fred, Paulinho, Willian, Douglas Costa, Gabriel Jesus, Roberto Firmino e Neymar.

Claro que estes fazem parte apenas da ponta de uma pirâmide de base bastante larga, surgindo nos últimos 30 anos de Copa São Paulo – que em 2020 chega à 51ª edição. Sendo assim, se estes 27 pré-citados foram os que se deram bem na carreira, onde estão os outros milhares que enfrentaram os dribles desconcertantes de Dener e Neymar, pararam nas defesas de Dida e Alisson, se consagraram pelo menos por um minuto por defenderem finalizações de Fred, Love, Jesus ou Firmino, e por aí vai? Generalizar é burrice. Óbvio que outros muitos milhares também seguiram carreira mesmo sem o glamour de receber altas cifras.

Fazendo um exercício que pode parecer lógico – mas que não tem tanta lógica assim –, peguei o time titular do Santo André campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2003, vencendo na final o Palmeiras (justamente de Vagner Love), nos pênaltis, calando – e enervando – o Pacaembu. Naquele jogo a escalação ramalhina foi: Júnior Costa, Ronaldo, Alex Bruno, Gabriel, Richarlyson. Rodrigo Sá, Dodô, Denni, Tássio, Fábio Reis e Nunes. Ainda entraram Ramalho, Regivan e Rafael Cruz. Entre estes, quais alcançaram – ou ficaram próximos de alcançar – o topo? O goleiro Júnior Costa fez carreira na Itália e ainda segue por lá. Alex Bruno foi campeão do Paulista, da Libertadores e do Mundo pelo São Paulo, título este último alcançado em conjunto por Richarlyson. Mas e os demais?

Bem, quase todos foram aproveitados no próprio Ramalhão, que foi campeão no mesmo ano da Copa Estado (atual Copa Paulista, que rendeu ao clube a vaga na Copa do Brasil de 2004, na qual alguns ainda faziam parte do grupo, como Dodô e Tássio) e que obteve o acesso na Série C do Brasileiro. Tal cenário significou não só um alívio no orçamento do clube, que conseguiu utilizar as peças da melhor forma e ainda lucrou com suas vendas, como trouxe uma grande prova de amor à camisa, de jogadores que viveram uma realidade debaixo das arquibancadas do Bruno Daniel – quando o alojamento da base ainda era ali – e puderam curtir outra totalmente oposta depois da profissionalização.

Entretanto, até mesmo este exemplo é atípico. Até o dia 25 de janeiro, data da final da Copinha, muita água vai rolar e os cinco times da região que já estão em atividade para as Séries A-1, A-2 e A-3 do Paulista seguirão treinando. Porém, pelo ritmo de contratações de Santo André, São Bernardo FC, EC São Bernardo, São Caetano e Água Santa, poucos dos jovens valores serão alçados para as equipes principais, em cenário que sem dúvida se repetirá na maioria dos clubes grandes do eixo Sul-Sudeste.

É absolutamente admirável o trabalho feito nas categorias de base pelo Brasil. Do sub-11 ao sub-20, afinal, são centenas de pequenos sonhadores. Poucos recursos, muito material humano e o desafio de tornar tantos garotos em mais do que atletas, mas homens. Sendo assim, se dentre todos os milhares daqueles que apontei como futuros desempregados do futebol a maior parte puder seguir com os ensinamentos vividos no mundo da bola até aqui, sem dúvida os treinadores vão ter a sensação de dever cumprido. Mas ainda acho que seria necessário encontrar fórmula melhor elaborada para aproveitar toda essa garotada dentro do esporte. É querer demais?  




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