Política Titulo 60 anos em 60 entrevistas
‘A prioridade é manter os empregos’
Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
04/05/2018 | 07:00
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Aparecida Alexandrino, 82 anos, é proprietária de metalúrgica na Vila Pires, em Santo André, que completou 50 anos em abril. A empresa foi fundada pelo marido, mas hoje é administrada por ela e dois filhos. A fábrica fornece molas para empresas como Embraer, e atualmente mantém 65 funcionários. A empresária, que lê o Diário todos os dias, nasceu em Tanabi, no Interior de São Paulo, mas se mudou para Santo André com 12 anos. Desde então, construiu toda sua vida na cidade, à qual se declara apaixonada. Ainda não pensa em se aposentar, e tem como prioridade a manutenção de empregos, apesar dos solavancos da economia.

Aparecida Alexandrino e o Diário
A empresária de Santo André é assinante do Diário desde a época em que era nominado News Seller. Ela foi uma das personagens de reportagem especial sobre o Dia da Mulher, em 2011, veiculada no caderno Setecidades, na qual contava sua trajetória à frente da Metalúrgica Guaporé. Tinha então 75 anos. Também foi ouvida em reportagens sobre economia. O Diário tem um lugar no coração de dona Aparecida, que conserva o hábito de ler o jornal diariamente, enquanto toma o café em sua sala, todas as manhãs. Para ela, é a melhor forma para se informar sobre as notícias da região.

Qual a história da fundação da empresa? A senhora participou de todo esse processo de criação da Guaporé?
Quem fez tudo foi o meu marido (o empresário aposentado Osvaldo Alexandrino, atualmente com 84 anos). Ele trabalhava em uma indústria no setor de molas. Lembro que uma vez, depois que ele já tinha montado a empresa, fui até lá pela primeira vez porque quebrou uma máquina. Eu estava grávida de nove meses do meu primeiro filho. Nem imaginava que um dia eu que estaria à frente de tudo aquilo. Então, ele que resolveu fundar uma empresa com o dinheiro das suas economias na área em que tinha conhecimento, porque trabalhou com molas. Eu comecei a fazer a administração mais para frente, mesmo com meus filhos ainda pequenos. Começamos com somente uma máquina.

Na época, eram quantos funcionários?
Era bem menor. Acho que tinha uns 20 empregados, no máximo. Ainda temos a primeira maquininha que comprei, e ela é muito boa e ainda produz molas pequenas. No início, a gente a utilizava para fazer material para embalagens aerossol, utilizadas em um desodorante para a Rhodia.

Quando a senhora começou a se envolver na fábrica?
Mais ou menos em 1970, quando tive meu quinto filho. Eu saí da refinaria União em 1964, onde trabalhava como secretária da diretoria. E aí fui ajudá-lo (o marido), porque ele estava começando e com bastante dificuldade. Na época, entregávamos as peças em um fusquinha, eu tirava um banco na parte de trás e ia dirigindo e fazendo as entregas.

A senhora pediu as contas para ajudá-lo?
Não. Eu já tinha saído. Estava cuidando dos filhos em casa, por isso tinha parado de trabalhar. Ele montou a empresa e quis a minha ajuda e, desde então, não larguei mais. Depois ele que acabou parando. Com 48 anos se aposentou. Desde então, passou o bastão para mim e a empresa ficou na minha mão.

Quantos clientes vocês tinham no começo? Um dos primeiros clientes foi a Rhodia, então?
A Rhodia foi um dos primeiros. Era a Rhodia, a Acripur, que fazia interruptor para tomadas. Então, lembro que a gente fazia cerca de 1 milhão de molas por mês. A primeira foi uma mola para interruptor bem pequenininha. Agora é mais diversificado, mas naquele tempo não tínhamos tantos clientes assim. A gente trabalhava bastante para conquistar mais. Nós fornecemos para a Embraer, hoje, além de Electrolux, Black and Decker, Itatiaia, entre outros. E fornecer para a Embraer é um cartão de visitas. Conseguimos fazer mola para avião, além de fogão e geladeira. Então fica muito mais fácil.

Quantas molas são produzidas atualmente, por mês?
Tem uma variação de modelos e números, que depende de cada cliente. Mas está na casa dos milhões. Hoje temos as máquinas automáticas, que fazem muitas peças por minuto, então fica difícil precisar, até por conta da diversificação, já que produzimos molas, clipes e ganchos, por exemplo.

Quando teve esta mudança para a produção de peças para a aeronáutica?
Na verdade, eles que nos procuraram. Eu vendia para a Ford, GM, até para a Yamaha. A Embraer hoje é o meu carro-chefe, até porque somos o único fornecedor do segmento para eles, desde que começamos, o que faz cerca de 30 anos. Mas quando falam que caiu algum avião, fico com o coração na mão. Porque a gente faz uma mola que chama ‘trem de pouso’. É uma mola vital de um material de oito milímetros, que é crucial para a segurança da aeronave durante a aterrissagem.

Para fornecer para a Embraer foi preciso fazer alguma adequação? Na questão de máquinas, por exemplo?
Precisamos fazer muitos cursos e algumas adequações (como a Norma NBR 15.100, que engloba uma série de requisitos para que a empresa forneça para a indústria aeroespacial). É muita responsabilidade porque envolve muita burocracia. Então é muito papel para preencher. A mola em si não é tão complicada, já que até o material eles fornecem.

Como a senhora enxerga a possibilidade da compra da Embraer, que é o carro-chefe da Guaporé, pela empresa norte-americana Boeing? As duas empresas sinalizaram que conversam sobre um possível acordo.
Para nós, não muda nada. Talvez possa até crescer a demanda porque somos o único fornecedor da Embraer. Na verdade, acredito que se isso chegar a acontecer mesmo, de repente pode até melhorar a nossa produção. Só temos a ganhar.

A empresa está há 50 anos no mercado. Como foi passar por várias crises econômicas no País?
Os primeiros foram bem difíceis, principalmente no Plano Collor. Mas a gente conseguiu sobreviver. Eu ficava no banco até a noite para conseguir sacar o dinheiro para o pagamento do vale dos colaboradores no dia seguinte. Porque ele trancou todo o dinheiro de todo mundo, então a maior dificuldade que tive foi (no período do) no Plano Collor. Essa última crise eu praticamente não senti.

Muitas empresas que fecharam dependiam muito do setor automotivo. A senhora acredita que esse tenha sido o diferencial para a Guaporé?
Isso aprendi desde o começo: precisa diversificar. Não pode ficar só com automobilística ou só com linha branca, por exemplo. Então, consegui fazer isso. O que tive de experiência foram sete anos de secretária na refinaria, que era completamente diferente daqui. Mas me ajudou também, porque aprendi a lidar com o administrativo. Tudo que sei de molas aprendi aqui na empresa. No começo, pegava aqueles desenhos enormes e não sabia de nada, mas meu marido ensinou a calcular o tamanho e o peso das peças. Foi uma escola. Amo isso daqui, acho que a primeira coisa no trabalho é que você precisa gostar do que faz, do contrário não dá certo. É o que falo sempre para os meus filhos.

Esse local onde a empresa está atualmente, na Vila Pires, é a primeira sede própria da empresa?
Era sempre alugado, até 2000, quando nós começamos a construir aqui. Mas aqui dava muita enchente. Então, quando chovia, enchia tudo. Hoje está muito melhor. Também temos uma filial, em Ipeúna, município na região de Rio Claro (Interior), desde 2000.

Há planos de expansão?
Já exportamos para Colômbia, alguns tipos de molas, há dois anos. Gostaríamos de abrir para o mercado europeu em momento oportuno.

A senhora sempre acreditou em Santo André?
Moro aqui há muito tempo. Nasci em Tanabi, no Interior de São Paulo, e vim para cá quando tinha 12 anos. Gosto muito e acredito demais nessa cidade. Meu marido é de São Paulo, mas também ama muito a cidade. Foi aqui que nós nos restabelecemos, tivemos e criamos os nossos cinco filhos. Natural que Santo André também tenha sido a cidade escolhida para montar o nosso próprio negócio. Amo a cidade.

Quantos funcionários a empresa mantém hoje?
São 65. Isso porque no começo as molas eram todas feitas na bancada. Em uma máquina, saía uma mola espiral. Outro funcionário fazia uma operação quando ela ia para a prensa. Hoje, com uma máquina só, a mola já sai prontinha. Uma peça que usava seis pessoas, logo quando comecei a automatizar, hoje é feita apenas com uma. Nosso quadro reduziu bastante. Cheguei a ter 150 empregados, mas com as máquinas automáticas reduziu (o quadro de funcionários).

A senhora é assinante do Diário. A leitura diária faz parte do cotidiano?
Sou assinante desde o News Seller e procuro ler o jornal todos os dias, durante o café. Eu não lembro direito a primeira vez em que saí, mas faz muito tempo. Acho muito importante ter um veículo para que todos os leitores conheçam mais sobre a região. A ideia de fazer um jornal voltado para as informações das sete cidades foi algo muito bom.

Qual a importância do Diário para o Grande ABC?
Eu gosto do Diário porque conseguimos ver as notícias da região. Sempre leio as notícias, entrevistas e a coluna Social. Sempre acabo identificando alguém que conheço. É muito importante para se manter informado sobre a nossa região.

A senhora começou há 50 anos e hoje é a principal responsável pela empresa. Como avalia o mercado de trabalho para as mulheres, hoje? Acredita que ainda aconteça muito preconceito?
A entrada da mulher no mercado de trabalho é um caminho natural. Quando comecei quase não tinha mulheres, mas hoje tem bastante e a mulherada é muito boa. Mulher é diferente para trabalhar. Acredito que somos mais cuidadosas, disciplinadas e focadas. A vida inteira trabalhei com homens, mas hoje isso está mudando. Sobre preconceito, hoje não vejo mais. A mulher foi à luta, precisou trabalhar, muitas vezes para ajudar o orçamento de casa. Ainda bem que as coisas estão mudando e que hoje é diferente. Essa profissional está sendo cada vez mais respeitada no mercado.

A empresa é familiar e seus dois filhos também trabalham na direção. A senhora já começa a pensar em aposentadoria?
Enquanto Deus me der saúde, não vou me aposentar. Vou continuar a dirigir a fábrica e, depois que parar, ela vai continuar. Amo o que faço e, acima de tudo, penso que é uma atividade que gera emprego. Quando vejo todos esses meninos, que entraram aqui com 18 anos e hoje estão casados, com filhos, batalhando para comprar a sua casa própria, não tem preço. Fico muito feliz com tudo isso. São pessoas que crescem aqui dentro, profissionalmente também, e vejo o carinho que eles também têm comigo. A minha prioridade é conseguir manter os empregos, mesmo com todas essas mudanças que acontecem na economia. É muito importante gerar essa atividade.

O que a senhora sente quando lembra do começo da sua carreira?
Que pergunta difícil. Mas penso em como era difícil deixar os filhos para vir trabalhar. Hoje tenho muito orgulho de tudo que criei e amo muito o que faço. O meu marido também, porque, afinal, foi ele quem criou tudo. Ele é um batalhador. 




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