Cotidiano Titulo
Áureos tempos
Rodolfo de Souza
04/01/2018 | 07:00
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 Já tem tempo que ouço retumbar, aqui nos meus ouvidos calejados, o canto pungente da juventude contemporânea que em muito difere da garotada que cantou sua meninice nos áureos momentos da minha vida.

Inquieta-me, pois, observar a marcha sonolenta da molecada que caminha irresoluta em busca do nada. Está sim metida até o pescoço na ficção, zona de conforto da qual não abre mão, uma vez que a dura realidade é tocada por papai e mamãe e, por isso, não lhe diz respeito. Toda a chatice dessa vivência tosca deve, pois, ser espantada como se fosse mosca inoportuna. Sim, porque ficção nunca exerceu tanto prestígio no cotidiano da humanidade como nos dias de hoje. Razão mais do que suficiente para que não se aceite a vida tal como é, já que a virtual tem só beleza e fascínio a oferecer e está literalmente na palma das mãos. Por que, então, haveria essa gente de se sujeitar ao lado escuro do planeta, se pode desfrutar indefinidamente do brilho intenso que a outra face oferece? Melhor mesmo fingir que a verdade não existe, uma forma nada original de banir seu espectro para sempre.

Entretanto, há de se considerar que esse universo de facilidades e maravilhas, com o tempo, se torna enfadonho. Fato que eles desconhecem, mas que, um dia, acabam por descobrir a duras penas. Penso que o constante exercício do que é fácil, destituído de tribulações e repleto de almofadas e aconchego, é que conduz o indivíduo ao tédio, à preguiça, à gordura e, consequentemente, ao desânimo. Não há o crescimento promovido pelo esforço físico ou mental, somente um cansativo movimento de dedos e de olhos presos na tela colorida. Não sei ao certo, mas concluo que a juventude do passado não conseguiria imaginar uma vida desprovida de luta e de sacrifício. E como era gratificante obter a vitória por meio do trabalho empreendido!

Mas a garotada que perambula solene por esta vasta planície dos dias atuais não sabe disso. Provavelmente porque cresceu com as benesses que o aconchego familiar lhe oferece de bandeja, aprendeu a não dar o devido valor às conquistas. Até porque, excetuando a vitória no jogo, quase nada tem a conquistar. Tudo é muito fácil. Todos os seus valores giram, pois, em torno da ideia fútil e da conversa banal, mesmo porque pouco aprendem, já que ler, envolver-se de verdade com o estudo, adquirir conhecimento dão um trabalho danado e conspiram contra o bom-senso da pouca vontade. É esse, afinal, o jeito de pensar da mente imatura.

Sem contar que, diante de quadro tão funesto, reina ainda, como não podia deixar de reinar, o desrespeito. Sim, o desrespeito crônico pelas coisas, pelos seres humanos mais velhos, de mesma idade, por tudo que está à sua volta. Isso porque são incapazes, esses meninos, de enxergar a beleza e a riqueza deste mundo que gira, gira sem dar a menor importância à sua indiferença.

E o tempo, todo ele envolvido com o giro do planeta, passa, assim como a alegria que a vidinha mole vinha proporcionando. E começa mesmo a cansar, perder o sentido, viver assim. A falta de perspectiva, oriunda do crescimento nenhum, subitamente mergulha o jovem numa angústia que tenho presenciado aqui e ali e que me leva a refletir constantemente acerca deste fenômeno. Pergunto-me, então, por que os seus iguais de antigamente, que quase nunca podiam contar com os mimos paternos, seguiam alegres na vida? Era uma época de batalha que privilegiava o movimento e, em que se pensava, desde cedo, no amanhã, porque era assim que pai e mãe ensinavam. Lembro-me bem dos velhos jargões: ‘Vá arrumar o quê fazer, menino! Não quero nenhum vagabundo de papo pro ar aqui! Mente vazia, oficina do diabo!’

E essas atitudes, víamos na época, como agressivas e destituídas de amor. De qualquer forma, tirávamos o traseiro do velho sofá e partíamos logo para a tarefa determinada, ensaio para o trabalho que normalmente vinha já a partir dos 14 anos.

Só hoje, no entanto, percebo que estávamos sendo nutridos de fibra, muita fibra, substância essencial para a luta que só começava.




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