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O Deus dos ateus
Dom Pedro Carlos Cipollini*
04/04/2016 | 07:00
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Penso que as pessoas não sejam ateias. O ser humano pode ser ateu em relação a certas imagens de Deus, mas, no fundo diz em segredo: sou ateu, graças a Deus! Com frequência, o que acontece é que, ao se encontrar com o sentimento de finitude, nada, existência para a morte, absurdo da vida, o homem possa tomar o caminho do desespero que leva à loucura (Nietzche) ou o caminho da realização na santidade (Gandhi).


O número dos que se declaram ateus no Brasil aumentou. No último senso passavam um pouco de 7%. E ultimamente alguns autores trouxeram o tema novamente à baila: Daniel Dennet, Sam Harris, Michel Onfray, Hitchens Christopher e Richard Dawkins. Todos eles concordam que o pior na religião é a fé na existência de Deus.


Pode-se duvidar de Deus. Mas com certeza o ser humano busca amar e ser amado. Não experimentando amor, é impossível admitir a existência de Deus. Principalmente em nossa cultura, que esvaziou os símbolos do Pai a tal ponto que a figura do Pai entrou em colapso. O evento que preparou a hominização (o homo sapiens), não foi o assassinato do Pai, mas o nascimento da figura do Pai, afirma Edgar Morin. O movimento hoje parece ser o contrário. Estamos a caminho de uma animalidade sem Pai, pois, da morte do Pai à morte de Deus é um passo.


Deixando para trás o refrão marxista que entende a religião como ‘ópio do povo’, os ataques passam agora, da religião para a própria possibilidade da existência de Deus: uma ilusão maléfica para o ser humano. Assim, o zoólogo R. Dawkins, chegou a afirmar que seu sonho seria a completa destruição de todas as religiões.


Antes os ateus iam para a fogueira da Inquisição. Será que agora serão os crentes que irão para as fogueiras acesas por cientistas e ateus? Ao menos a fogueira das vaidades já foi acesa, com estes discursos prepotentes sobre a fé.


Esta agressividade contra Deus e a religião mostra o desapontamento com a persistência da fé, quando se esperava que Deus estivesse morto e sepultado. Mais do que nunca, hoje o homem deseja colocar-se no lugar de Deus. A tecnociência reivindica pela boca de seus “profetas” o lugar de Deus. Enquanto parte da intelectualidade científica repropõe a morte de Deus, como avanço, a Europa como um todo, se espanta com as contínuas conversões ao islamismo de um lado e, de outro, o niilismo e o crescimento dos cultos satânicos.


Porém, sem Deus o mundo e o ser humano não se explicam. Podemos afirmar, sim, que é possível crer depois de Freud. A própria existência do homem impele a crer na existência de Deus. O físico e matemático B. Pascal, inventor da máquina de calcular escreve: “o momento mais sublime da razão é quando ela aceita que não pode explicar tudo”. Para ele somente a religião e a fé podem ultrapassar o ponto em que a pesquisa científica se choca com o inexplicável.


Nem todos os cientistas concordam com teses ateias. O biólogo Francis Collins, diretor do Projeto Genoma, em livro intitulado A linguagem de Deus, apresenta as evidências de que Deus existe. Afirma que a ciência e a fé devem caminhar juntas e uma não tem nada a temer da outra. Precisa-se da humildade de Collins, um ex-ateu, para crer.


A fé nunca fecha-nos o caminho que conduz à descrença, deixa-nos livres. Crer é apenas arriscar-se a ler a realidade, para além do empírico, do perceptível, em chave de símbolo. Não existe contradição entre fé e ciência, se houver diálogo.

* Dom Pedro Carlos Cipollini é bispo diocesano de Santo André.
 




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