Memória Titulo História
A memória viva de Diadema
Ademir Medici
10/01/2016 | 07:00
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O que você faria se recebesse, de surpresa, a visita de um senhor de 102 anos - que este ano completará 103, em abril - em seu local de trabalho? Pois foi isso o que aconteceu na antevéspera do Natal de 2015, quando o Sr. João Gava, sozinho, bateu às portas do prefeito de Diadema, Lauro Michels Sobrinho.

Sr. Gava veio de ônibus, de Santos. Desceu no terminal São Bernardo. Tomou um táxi rumo a Diadema. Queria prosear por alguns minutos com o prefeito, desejar-lhe feliz Natal e contar lances da história local, já que ele morou com a família 100 anos atrás no território que hoje é Diadema - ele nasceu em Rudge Ramos, então Linha dos Meninos; e a família Gava mudou-se para o sertão da hoje Diadema quando o filho João tinha um ano de idade, 1914, portanto.

Michels mandou o Sr. João Gava entrar. Mas a entrevista durou poucos minutos. Decepcionado, Sr. Gava retornou, de táxi, e nos procurou - mais indignado com a atitude do prefeito do que com os 30 reais que gastou nas duas corridas. Disse que o prefeito não lhe deu muita bola e não quis prolongar a conversa.

Argumentamos com o Sr. Gava que essas coisas acontecem. Provavelmente o prefeito tinha outros afazeres, outros compromissos. Ao que o Sr. Gava respondeu que não acreditava, pois o gabinete estava vazio.

Tudo bem, respondemos. Então fale pra nós o que gostaria de ter contado ao prefeito. E João Gava contou. Gravamos tudo. E como sabemos que os políticos e homens de negócios geralmente têm os dias tomados, resolvemos iniciar esta nova série, com três objetivos principais:

1 – Registrar novas informações sobre a História de Diadema pela sua mais antiga testemunha viva.

2 – Oferecer ao prefeito a oportunidade de conhecer essa história lendo-a nos seus raros momentos de folga – o senhor vai ver, prefeito Michels, que belas histórias o senhor perdeu. Se quiser, podemos te passar uma cópia da gravação – neste caso, sem a edição e ordenamento que pensamos para esta versão escrita. Assim, mais original.

(E atenção, assessoria de imprensa da Prefeitura de Diadema, não deixe de recortar a série e colocar na mesa do prefeito).

3 – O terceiro objetivo é defender que ninguém vire as costas para os velhos. Eles merecem atenção, bem mais que os figurões. Ainda mais que os velhos detém conhecimentos que não estão nos livros. No presente caso, o Sr. João Gava é um ótimo exemplo de vida para se por em prática os ensinamentos de Ecléa Bosi e Paul Thompson, historiadores do Brasil e da Inglaterra que defendem a importância do registro e difusão da história oral.

Dito isso, senhor prefeito Michels, vamos à primeira aula do nosso professor querido, professor João Gava. É de graça. Leia com calma quando sobrar um tempinho, de preferência longe do corre-corre do Paço.

 

Uma lista dos tipos de madeira no sertão que virou cidade

Depoimento: João Gava

 

Cresci no meio da madeira abundante que existia em Diadema. De 1 a 10 anos vivi no meio do mato. E quando vim para São Bernardo, em 1923, lidei com várias qualidades de madeira, por isso sou marceneiro até hoje.

Meu pai ia me contando os nomes das árvores que havia em Diadema. O jacarandá-da-bahia, por exemplo. Os vários tipos de canela. Havia uma canela perfumada, cheirosa. Meu pai tirava a casca e levava para casa.

Toras eram retiradas em Diadema para as primeiras fábricas de móveis de São Bernardo, daí o bairro Serraria.

Meu pai tinha o costume, sempre que uma árvore era derrubada, de me falar sobre ela.

– João, essa madeira é canela parda.

Havia a canela escura (ou parda), outra que era muito fedida, exalava mau-cheiro, cujo nome prefiro não falar.

O marfim. O cedro. A cacheta - esta fornecia madeira para se fabricar tamancos, já que era uma madeira muito leve.

 

Toc-toc na Marechal

O Grande ABC teve fábricas de tamancos, dezenas de anos antes da moda das sandálias havaianas.

Marceneiros e tecelãs iam trabalhar de tamanco nas fábricas de móveis e tecelagens. Ouvia-se um batuque nas calçadas da Rua Marechal Deodoro: toc-toc, toc-toc, toc-toc...

Fica em Ibirama, em Santa Catarina, uma das últimas fábricas de tamanco: quem tem mais idade ou tem um contato mais direto com os antepassados, principalmente alemães e italianos, sabe do que se está falando. Feito de madeira e couro, o tamanco faz parte da infância de muita gente e embalou muitas histórias (cf. Centro de Memória de Ibirama, SC).

O guarantã. A embira. A embuia. O pau-de-leite. Até desconfio que esse pau-de-leite não era nada mais, nada menos, que aquela madeira da qual se extrai o leite para fabricação de pneus, a seringueira.

Meu pai tratava de pau-de-leite e não gostava muito dela para fazer carvão. Era um leite meio grudento, sabe?

A mata de Diadema era virgem, fechada. Meu pai comprava um lote com as mais variadas madeiras. A gente ia pra roça. Levava café. E tudo o que ali acontecia meu pai ia contando.

 

NOTA

Três dias depois da gravação, João Gava telefonou de Santos. Pensou bastante sobre as espécies de árvores que conheceu nos sertões de Diadema. Anotou todas elas. E pediu ao repórter que registrasse, para que nada fosse esquecido.

No total, 24 tipos de madeira contabilizados pelo Sr. João Gava: armelin, cacheta, canela cheirosa, canela merda, canela parda (ou escura), cabreuva, canelão, cedro, caviuna, embira, embuia, gonçalo alves, guamirim, guarantã, ipê, jacarandá, marfim, massaranduba, pau-brasil, pau-de-leite, peroba, pinho, roeira e sapopema.

 

Diário há 30 anos

Sexta-feira, 10 de janeiro de 1986 - ano 28, nº 6028

MANCHETE – Lula diz a Kennedy que nada muda. O presidente nacional do PT encontrou-se com o senador norte-americano Edward Kennedy e afirmou que o Brasil é o mesmo de 1966.

CUT vai a Sarney (José, presidente da República) para apresentar reivindicações.

 

Em 10 de janeiro de...

1916 – Regressaram a São Caetano, de Jacareí, o farmacêutico Décio P. de Mattos, esposa e o tenente Alfredo Moacyr de Godoy.

A guerra. Do noticiário do Estadão: ''atenção de cidadãos dos países aliados em Constantinopla''.

1931 – Inaugurado no Vale do Anhangabaú um monumento em granito e bronze dedicado a Ruy Barbosa. A obra mede 3m30. É de autoria de Jose Cuccé. E foi encomendada pelos acadêmicos de Direito de São Paulo.

1966 – Inaugurado o prédio próprio da Escola Senac Eduardo Saigh, de Santo André, na Avenida Ramiro Colleoni, em terreno doado pela Prefeitura.

 

Hoje

Igreja celebra o batismo do Senhor: “o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma de pomba”

(cf. Folhinha do Sagrado Coração de Jesus, Vozes, 2016).

 

Santos do Dia

Santo Aldo. Viveu no século VIII. Monge na Irlanda. Sua biografia conservou-se graças aos jesuítas belgas, que catalogaram os santos do Norte da Europa em 1600. É o único santo com esse nome, que significa ‘ancião’ ou ‘homem maduro’.

A tradição nos apresenta Aldo como um simples carvoeiro, um monge de mãos calejadas e rosto enegrecido pela fuligem das carvoarias.

Colaboração: Padre Evaldo César de Souza

Nicanor

Guilherme

Gregório X




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