Política Titulo 60 anos em entrevistas
‘Não adianta só falar o que queremos ouvir’
Por Angelo Verotti
Do Diário do Grande ABC
14/04/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Natural de São José do Rio Preto, Luiz Carlos Ferreira, 65 anos, construiu a carreira como treinador de futebol em clubes do Estado de São Paulo. Mas foi no Grande ABC que colheu os principais louros na área técnica, desempenhos que lhe renderam o apelido de ‘Rei dos Acessos’, em alusão às promoções e títulos à frente de Santo André e São Caetano. Trabalhos que deixaram os torcedores mal-acostumados e ainda provocam cobranças pelo retorno do técnico. Saudosista, Ferreira valoriza a ascensão de outras agremiações na região, especificamente São Bernardo FC e Água Santa, em Diadema, mas cobra mais qualidade nas quatro linhas.

Luiz Carlos Ferreira e o Diário
A ascensão de Luiz Carlos Ferreira como técnico de futebol está particularmente ligada ao serviço prestado pelo Diário nas últimas duas décadas. Desde a primeira experiência na região, ainda pelo São Caetano, em 1997, o treinador teve no jornal importante aliado para apresentar seu trabalho, fosse o resultado satisfatório ou não. E a ‘parceria’ se prolongou até 2007, quando encerrou a nona e última passagem pelo Esporte Clube Santo André. Profissionalmente, já são mais de dez anos de distanciamento da região, mas “o respeito pelo Diário continua”.

Recorda-se da primeira reportagem publicada a seu respeito nas páginas do Diário?
Não tenho certeza, mas acredito que meu contato inicial com o jornal foi quando conquistei meu primeiro acesso, ainda pelo São Caetano (da Série A-3 para a Série A-2 do Campeonato Paulista, em 1998. No mesmo ano, o treinador levou a equipe da Série C do Campeonato Brasileiro para a Série B).

E como foi a relação entre as partes?
Sempre foi um relacionamento muito tranquilo. Não tive qualquer problema com o jornal no período em que trabalhei na região. Uma relação muito cordial, franca. Até porque na maioria das vezes os resultados sempre se mostraram favoráveis. E olha que foram nove passagens pelo Santo André, além do período no São Caetano.

E as críticas também foram bem aceitas?
Tive carinho muito grande pelo jornal, que sempre reconheceu as coisas boas que fiz. E também falou daquelas que achou que não estavam certas. Mas volto a dizer: sempre reconheceu as coisas boas que fiz pelo Santo André e pelo São Caetano. E ainda hoje tenho acesso ao Diário pela internet. Leio as notícias de Esportes, Política, Cultura. Procuro estar me informando sobre o que acontece no (Grande) ABC. Até porque durante muito tempo da carreira estive na região. De vez em quando ainda faço uma visita a amigos. Encontro o pessoal.

Pode dizer que, de certa forma, o jornal teve importância na sua carreira?
Vários momentos fundamentais foram relatados pelo Diário. Um deles foi quando descobriu que eu tinha implantado o hábito de os jogadores cantarem o Hino do Santo André antes de cada partida. Foi uma situação muito especial. Havia um comprometimento muito maior dos atletas naquela época. Eles participavam mais das coisas. E o jornal comprou a ideia e divulgou. O resultado foi sensacional. As pessoas ficaram sabendo e o apoio ao trabalho só aumentou. Inesquecível.

Há outras ocasiões em que o senhor pode destacar da participação do Diário?
Quando o Santo André começou a decolar. Quando subiu da Série C do Campeonato Brasileiro para a B (superou o Campinense, na Paraíba, para conquistar a vaga). Tivemos festa muito grande na ocasião. Uma bela confraternização. Teve também aquele acesso para a elite do Campeonato Paulista, em 2001. Jogo com o Ituano no Bruno Daniel. Estádio cheio e o Adãozinho marcou aquele gol de pênalti no fim. A torcida apoiou muito. Foi uma festa sem fim. Um dia que ficou marcado na minha vida e tenho certeza que na de todo mundo que de alguma forma participou. Mesmo que apenas incentivando das arquibancadas. E o Diário relatou tudo direitinho.

Acredita que o jornal fez o papel dele nos bons e maus momentos?
Pode-se dizer que cumpriu sua missão. Não adianta só falar o que queremos ouvir. Lembro de outra ocasião em que o jornal contou que o Sérgio do Prado (ex-diretor de futebol do Santo André e atualmente gerente de futebol do Guarani) ficou comigo até de madrugada no hotel para tentar evitar que eu fosse para o Sport. Isso aconteceu durante a Copa do Brasil de 2004, quando o clube sagrou-se campeão em cima do Flamengo na final. Acabei indo embora, e o Diário contou toda a história.

Ficou satisfeito?
Isso só demonstra que o trabalho realizado pelos jornalistas que cobriam o dia a dia do clube sempre foi benfeito. Teve ainda aquela situação do jornalista (Nelson Cilo) que teve um desentendimento com o (Jair) Picerni (ex-treinador do São Caetano) na época da (Copa) João Havelange. Fiz questão de telefonar para o repórter. Sempre tive carinho com todos os profissionais da empresa. Bom relacionamento com o dono (Ronan Maria Pinto), que também foi presidente do Santo André.

Acredita que o jornal ajudou ou ajuda o Esporte do Grande ABC?
Tenho convicção que sim. Fortalece o esporte, sim. O Diário sempre esteve presente no dia a dia dos clubes da região. O jogo contra o Ituano foi exemplo disso. Contaminação muito grande. Lembro bem das reportagens. Contagiaram o torcedor. Mostraram a força do jornal. Quando passei pelo São Caetano também foi assim. Jogo do acesso contra o Avaí. A movimentação que o Diário fez. Fortalece os clubes. Fortalece o nome dos jogadores. Ficam valorizados no mercado. Sempre teve mentalidade construtiva. Mas não foi apenas com o futebol. O jornal fez e faz a cobertura de outras modalidades, como basquete, vôlei... e isso é importantíssimo para a sobrevivência de todas. Para a valorização...

Pode-se dizer que o jornal tem auxiliado no dia a dia?
Conseguiu marcar. Hoje Santo André e São Caetano vivem momentos difíceis. Futebol cresceu muito. São vários clubes de grande estrutura. E com seu trabalho o jornal ajudou e ajuda todos os clubes da região. Caso do São Bernardo, que lutou... lutou bastante para chegar onde está. E o Água Santa também. Conquistou vários títulos da várzea até o futebol profissional e atraiu torcedores.

O senhor vê o crescimento do futebol da região?
Com certeza. Citei São Bernardo e Água Santa, mas não podemos esquecer de tudo o que o Santo André e o São Caetano já fizeram em campo. O Santo André conquistou a Copa do Brasil, foi vice-campeão paulista, além do título da Copa São Paulo de Juniores. E o São Caetano foi vice-campeão da Libertadores, do Brasileiro em duas ocasiões, mas chegou ao título do Paulista. Muitos momentos marcantes.

E como o senhor analisa a fase do futebol brasileiro?
Vive momento... parece que está estagnado. Você não vê grandes jogadores, conceitos táticos. E mesmo com todas as situações ruins percebe-se que nada está sendo feito para melhorar. Isso é complicado. E, não sei como explicar direito, mas acho que neste caso a imprensa está muito tolerante. Está aceitando demais essa situação. Temos jogos medíocres, sem emoção, como foi o caso da partida do Palmeiras (1 a 1 com o Boca Juniors, na quarta-feira, pela Libertadores). A impressão é que a imprensa está segurando um pouco (as críticas).

E qual a receita para melhorar a qualidade?
É necessário investir mais na base, mas não só nos jogadores. Nos profissionais que nela trabalham. Infelizmente, a categoria está nas mãos de universitários. Hoje o cara faz um curso na CBF, em Harvard e já vira treinador. Mas ele nunca jogou bola, nunca entrou em um campo de futebol, em um vestiário. Não sabe como a coisa funciona. Isso é complicado. Não estou querendo dizer que todo cara que trabalha com futebol precisa ter sido jogador. Mas acho que as agremiações deveriam dar mais oportunidades a ex-atletas. É claro que eles teriam de fazer aperfeiçoamento. Porém, como já estiveram do outro lado teriam muito mais facilidade para desenvolver suas funções do que um cara que nunca trabalhou no meio, mas que é apaixonado pelo futebol. São coisas que precisam ser mais bem pensadas.

E o que mais vê de negativo no futebol nacional?
Fui ver um treinamento numa escolinha e tinha garotos de 14 anos. Enquanto o técnico dava as instruções sobre o que deveria ser feito em campo tinha atleta com celular na mão, sem prestar a menor atenção no que ele falava. Sem contar que a atividade era focada basicamente na parte tática. Isso está errado. Não se ensina mais a fazer cruzamentos, cobrar escanteios, passes... dar a oportunidade de dribles. Aí chega no jogo o cara não consegue levantar uma bola na área. A bola não passa do primeiro homem. Com isso, o cara chega na base de um clube desatualizado, maltrabalhado. Isso precisa ser mudado para garantir boas gerações no futuro. Na minha época de ginásio tínhamos aula de ginástica, fazíamos barra, pulávamos corda. Uma série de atividades. Hoje o garoto fica sentado, escutando música com fone de ouvido. Por isso que o futebol está deprimente. Quem prepara não tem condição e acaba tirando o interesse de quem quer aprender.

E até que ponto considera importante o apoio do poder público aos clubes?
Acho que os prefeitos podem ajudar de alguma maneira. No passado tivemos a participação do Celso Daniel (prefeito de Santo André, morto em 2002) e do (Luiz Olinto) Tortorello (prefeito de São Caetano, morto em 2004) no cotidiano dos dois clubes. O Celso ia a vários jogos. Chegou, inclusive, a viajar a Paraguaçu Paulista para incentivar a equipe (na conquista do acesso à Série A-1 do Paulista). Naquele jogo nossa torcida foi para lá com uns 20, 30 ônibus. Dividimos o estádio com os torcedores da casa.

E o Tortorello?
Cara fantástico. Participava efetivamente da rotina do São Caetano, inclusive na época em que o clube chegou ao auge no Brasil e até na América do Sul, com a Libertadores. Lembro que eu tinha subido com o Corinthians de Presidente Prudente e ele foi me buscar. Um político que sabia falar muito bem. Recordo de um jogo em que ele pediu a palavra aos jogadores ainda no aquecimento. Ele falou e depois me deu a palavra e eu disse que nem precisava complementar. Que tudo já havia sido dito. Um líder, a exemplo do Celso, que brigava e apoiava bastante o clube da cidade dele. Pena que não temos mais isso no futebol atual. Personagens com essas características de líderes fazem muita falta.

O Brasileirão começa neste fim de semana. O que se pode prever? Quais os clubes que considera favoritos ao título?
Acredito que o Palmeiras vai entrar bem na disputa, afinal, tem um elenco grande, mais qualificado; o Grêmio, que vem num embalo muito bom, após títulos seguidos (Libertadores de 2017, Recopa Sul-Americana e o Campeonato Gaúcho, ambos neste ano); o Corinthians, que vem num convencimento total, embora não apresente um futebol tão encantador; e Cruzeiro e Atlético-MG também podem surpreender, a exemplo até do São Paulo.

E na Copa do Mundo da Rússia, dá para apostar em quem?
Boto muita fé na Seleção Brasileira. O Tite (técnico) devolveu a identidade ao time. Mesmo assim, não acredito em grandes jogos. A não ser quando tiver Messi em campo. Aí poderemos esperar algo mais. Não vejo evolução tão grande nos últimos tempos que sirvam de base para esperarmos por belas apresentações na Rússia. Mas vejo o Brasil preparado. E acho que a Argentina também pode se destacar. 




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