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Documentário ‘Fala Tu’ pergunta e responde
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
06/12/2004 | 20:52
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 A expressão “rap é compromisso”, que povoa nove entre dez letras do cancioneiro hip hop, pode ser aplicada a Fala Tu, documentário de Guilherme Coelho que estréia agora em DVD (sell thru, R$ 42 em média). O filme estabelece um pacto de fidelidade com o rap produzido no Brasil, com mais noção de si como agente de conscientização e menos milionário que seu similar norte-americano. Firma também, a seu modo, um tratado com a realidade do país, que ao mesmo tempo oprime os artistas do hip hop nacional e lhes fornece combustível para as composições de cunho social. Contradição braba.

Em perspectiva, um recorte de nove meses do cotidiano de três cantores e compositores amadores, todos operando em território carioca: Macarrão, funcionário do jogo do bicho, pai de dois filhos e rapper; Toghum, vendedor de artigos esotéricos, filho de um pai omisso que reencontra no hospital e rapper; Combatente, moça ligeira, atendente de telemarketing, praticante do Santo Daime e rapper. Coelho capta entre os três uma concepção comum do sucesso, relativizado. A eles não interessam os casarões do tamanho de um Maracanã, montados pelos ostensivos colegas da terra de Outkast e decorados feito um QG de Pablo Escobar, com torneiras de ouro e banheiras do tamanho de uma piscina semi-olímpica.

Sucesso para os protagonistas de Fala Tu significa o alcance de seus versos junto à comunidade na qual estão inseridos. Basta o morro ouvi-los e compreendê-los para que se lavre um atestado de êxito. O que Coelho, por sua vez, alcança é um retrato do local (a zona Norte do Rio) tornado nacional pela natureza do tema (o gargalo social compreendido pela arte) e não por artifícios de universalização.

Há uma passagem de Fala Tu em que um DJ, personagem secundário, relata ter sofrido um assalto no qual perdeu boa parte dos equipamentos que usava para trabalhar. Mesmo diante de suas súplicas, o assaltante não recuou. O testemunho é uma carta do desespero, em que a sobrevivência transformou-se em batalha inegociável, na qual a miséria se autoconsome e, por força das cirscunstâncias sociais, provoca a própria improdutividade. No Rio é assim, em São Paulo é assim, no Brasil é assim.

E quando Macarrão abandona a cadeira, que é o único patrimônio físico de seu trabalho na banca de bicho, e Coelho a enfoca por longos instantes, está ali representada a desesperança de um Brasil que não suporta as precariedades que cria e as abandona. O documentarista, diante de personagens diferentes para as mesmas situações já caducas, repete na tela a pergunta que Renato Russo enunciava 20 anos atrás: que país é este?




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