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Mauá negligencia riscos apontados em mapeamento do IPT em 2012

Órgão estadual detalhou desde pontos para remoção de famílias até ações e investimentos necessários

Por Daniel Macário
Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
19/02/2019 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


 As tragédias decorrentes de deslizamentos de terra que deixaram quatro crianças mortas e desalojaram pelo menos 24 famílias na noite de sábado, no Jardim Zaíra, poderiam ter sido evitadas pela Prefeitura de Mauá. Isso porque a administração tem amplo conhecimento acerca do cenário de vulnerabilidade de núcleos habitacionais erguidos em 30 áreas de encosta de seu território e que concentram pelo menos 10.621 moradias desde 2012, quando contratou – ao custo de R$ 300 mil – mapeamento do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) com o objetivo de elaborar plano municipal de redução de riscos para a cidade.

O estudo foi iniciado um ano depois de o município ter chorado as mortes de cinco pessoas devido a escorregamentos de terra, sendo quatro no Chafik/Macuco – ponto mais crítico da cidade – e uma no Jardim Rosina. Embora o mapeamento do IPT tenha apontado com detalhes desde o investimento necessário para as intervenções locais – na época R$ 90 milhões – até as obras recomendadas, como limpeza, drenagem, contenção de encostas, infraestrutura, reparos e até alterações de geometria, a cidade segue com os mesmos problemas registrados há sete anos, agravados, conforme especialistas, pela omissão do poder público.

“Se existe ciência do risco e nada é feito para sanar o problema, a responsabilidade é da Prefeitura. Mesmo se o argumento for de falta de dinheiro houve falha na fiscalização e responsáveis devem ser penalizados”, considera o coordenador do departamento de engenharia civil do Centro Universitário FEI, Kurt Amann.

Professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) e especialista em planejamento territorial, Kátia Canil considera que ao mesmo tempo em que sobra conhecimento sobre os problemas de moradias em áreas de risco falta planejamento. “Às vezes, nem é falta de recurso, é só saber como buscá-lo. É preciso traçar um plano, ter pessoas que façam isso.”

No caso de Mauá, em 2011, a Prefeitura anunciou verba de R$ 2,3 milhões do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo federal, para contratar projeto de urbanização do Macuco, estimado em R$ 300 milhões. Passados oito anos, as obras sequer tiveram início. Em agosto do ano passado, a administração prorrogou, pela oitava vez, o prazo para finalização do projeto executivo – estudo detalhado sobre as intervenções previstas – para, enfim começar as melhorias no assentamento precário. A previsão inicial era a de que o documento estivesse pronto em 2015.

Enquanto projetos não saem do papel, o que se observa, conforme a especialista, são ações emergenciais, com tentativas frustradas por parte da Defesa Civil de convencer moradores das áreas vulneráveis a deixarem seus lares. “É preciso se antecipar. Se você conhece os riscos, precisa estabelecer limites de ocupação. Se não é feita intervenção nestes locais, faz vista grossa, vai desencadear em acidentes”, pontua Kátia.

Em seu retorno à Prefeitura ontem, após ter sido preso na Operação Trato Feito, Atila Jacomussi (PSB) adotou postura mais de lamentar as tragédias e culpar administrações anteriores do que destacar ações para eliminar riscos de novas mortes devido a deslizamentos de terra na cidade. “Vamos fazer obras de drenagem. Buscar recursos necessários.”

 

Polícia Civil investiga responsabilidades

A Polícia Civil investiga as causas e eventuais responsabilidades pelos desabamentos de duas áreas de risco no Jardim Zaíra, em Mauá, no sábado, que deixaram quatro crianças mortas e outras quatro pessoas feridas.

Após vistoria preliminar de peritos nas duas áreas atingidas, investigadores disseram ter solicitado à Prefeitura de Mauá documentos que comprovem a regularidade dos imóveis afetados pelos desabamentos. Vizinhos das vítimas também foram convocados para prestarem depoimentos ao longo desta semana. Os familiares das crianças também serão intimados a depor.

Os dois casos foram registrados como mortes acidentais e serão apuradas pelo 4º DP (Zaira). De acordo com a corporação, no momento, investigadores aguardam a entrega de relatórios da Defesa Civil e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) para dar sequência no inquérito.

 AUXÍLIO-ALUGUEL

De volta ao cargo de prefeito ontem, Atila Jacomussi (PSB) afirmou que o município prestará auxílio às vítimas das tragédias. O chefe do Executivo informou que as 24 famílias que tiveram suas casas interditadas receberão auxílio-aluguel no valor de R$ 400 pelo período de seis meses, prazo que poderá ser estendido por igual período. Além disso, o socialista destacou que a administração presta atendimento a 117 pessoas que, de alguma forma, foram afetadas pelos deslizamentos.

No domingo, 20 pessoas (seis famílias) foram encaminhadas pela Secretaria de Assistência Social da cidade ao Ginásio Poliesportivo Prefeita Berenice Rumiko Endo, na Vila Assis. Ontem, apenas dez pessoas permaneciam no local, após terem optado por abrigo na casa de parentes e amigos.

“Estamos dando todo o apoio psicológico e estrutural para estas famílias. Lamento muito o que aconteceu, mas infelizmente Mauá sofre com este mal crônico. São 36 mil pessoas em áreas de risco e a maioria das invasões é antiga. Os prefeitos anteriores não elaboraram nenhum sistema de mudança e agora a retirada destas famílias é ainda mais complicada”, lamentou o prefeito, que afirma elaborar forma para mudar o cenário juntamente à Defesa Civil do município.

 

Parentes se despedem de Guilherme e José Henrique

BIA MOÇO
biamoço@dgabc.com.br

Cerca de 100 pessoas acompanharam, na manhã de ontem, o enterro dos irmãos Guilherme dos Santos Vitória, 4 anos, e José Henrique Santos da Vitória, 7, no Cemitério Santa Lídia, em Mauá. Os dois foram vítimas de deslizamentos de terra que causaram a morte de quatro crianças, na noite de sábado, no Jardim Zaíra. No domingo, os corpos dos também irmãos Maria Heloísa dos Santos, 1, e Miguel dos Santos, 9, foram sepultados no Cemitério do Curuçá, em Santo André.

Clima de tristeza e comoção tomou conta dos familiares, amigos e vizinhos que acompanharam a cerimônia, finalizada com salva de palmas.

O pai dos meninos, José Santos da Vitória, 41, que teve fratura exposta na perna e precisou passar por cirurgia, segue internado no Hospital Dr.Radamés Nardini e tinha estado de saúde estável até o fechamento desta edição. Conforme familiares, ele soube da morte dos filhos, mas não conseguiu acompanhar o enterro. Já a mãe das duas crianças, Aponina Rosa de Jesus, 36, permanece internada em estado grave na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Mário Covas, em Santo André. Segundo parentes, ela está acordada, mas ainda não sabe da perda.

A tia das crianças, Cláudia dos Santos, 32, disse que a casa da família – localizada na Avenida Cidade de Mauá, no Jardim Zaíra 4, atingida pelo escorregamento de terra – era própria e que “não parecia estar localizada em local tão perigoso”. Segundo ela, a residência ficava afastada do morro. O casal foi socorrido graças à ação dos vizinhos, que colaboraram com o Corpo de Bombeiros.

“Pelo que sei, meu irmão estava chegando do trabalho (como motorista particular) e, em pouco tempo, tudo veio abaixo. Não tenho nem palavras”, disse Cláudia. Ela, inclusive, solicita doações de roupas e mantimentos, já que os familiares perderam tudo na tragédia e precisam “recomeçar a vida”.

COLABORAÇÃO

Isabel Sales, tia de Maria Heloísa e Miguel, também pede para que pessoas colaborem com doações. “Farei um local de recebimento de doações no ponto final de ônibus do Jardim Zaíra 6, na Igreja Assembleia de Deus, da pastora Geni. Peço que doem roupas, comida, cobertores e, se possível, até móveis. Vamos nos unir e ajudar as duas famílias, que perderam tudo. Os filhos não podemos devolver, mas dignidade sim.”

A Secretaria de Promoção Social de Mauá faz campanha para arrecadar itens para as famílias atingidas pelos deslizamentos na cidade. As doações devem ser entregues na Rua Luiz Mariani, 96, Centro de Mauá.

Talita dos Santos Silva, 35, mãe de Maria Heloísa e Miguel, segue internada no Nardini. Ela está grávida de três meses. Conforme o hospital, mãe e bebê passam bem.




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