Para o escritor e piloto amador Ivan Sant’Anna, autor do livro Caixa-preta (editora Objetiva), que resgata os momentos dramáticos de três acidentes aéreos brasileiros, a queda do avião da TAM, ontem, nas proximidades de Congonhas, foi uma tragédia anunciada. “Há um problema sério com este aeroporto. Toda vez que chove, acontece um incidente. Ontem (anteontem), o avião da companhia Pantanal já havia derrapado ao pousar”, lembra o especialista, que sugere a interdição da pista em dias de chuva como medida de emergência e o aumento nos preços das passagens para forçar a diminuição do tráfego aéreo nos céus do Brasil até que a aviação nacional tenha infra-estrutura à altura de sua demanda.
DIÁRIO – Qual a sua primeira impressão sobre o acidente?
IVAN SANT’ANNA – Há um problema grave com Congonhas. Toda vez que chove, acontece um incidente. Ontem (anteontem), um avião da empresa Pantanal já havia derrapado. O que me chamou a atenção neste acidente foi que a mureta da Rubem Berta, que divide as duas pistas, ficou intacta. Portanto, é provável que o piloto tenha tentado arremeter e passado voando sobre a avenida antes de se chocar. A impressão é de que ele (o piloto) não conseguiu atingir velocidade para subir e estava rápido demais para parar.
DIÁRIO – Estima-se entre 170 e 200 mortos. Seria o maior acidente da história do Brasil?
SANT’ANNA – Se passar de 154 (número de vítimas fatais na tragédia do vôo 1907, da Gol, em setembro do ano passado), será o maior acidente da história da aviação brasileira.
DIÁRIO – Qual a sua opinião em relação à crise aérea?
SANT’ANNA – A crise é uma conseqüência dos desmandos no setor. Em Congonhas, houve muito desvio de dinheiro com a reforma. Os aviões derrapam. Já faz tempo que pousar lá em dias de chuva não é seguro. Foi uma tragédia anunciada. E não se trata de caso isolado.
DIÁRIO – Quais os pontos cruciais que precisam ser corrigidos nos céus do Brasil e na própria aviação brasileira?
SANT’ANNA – A curto prazo, não há o que se possa fazer além de diminuir o tráfego aéreo e interditar Congonhas em dias de chuva. A longo prazo – o que não poderá ser feito em menos de sete anos –, deve-se construir um aeroporto longe da cidade, com um bom sistema ferroviário que leve os passageiros ao local rapidamente, como em Londres. É um absurdo ter um aeroporto bem no meio dos prédios de São Paulo. Veja o que aconteceu naquele acidente da TAM em 1996. O aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, também fica no meio da cidade, mas tem água dos dois lados, o que dificulta a ocorrência de tragédias como essa. O mesmo acontece com o de Salvador. Mas o de Congonhas não tem o mar como alternativa: é um lugar perigoso.
DIÁRIO – O que se pode fazer para evitar esse caos?
SANT’ANNA – Não houve investimentos na infra-estrutura aérea brasileira. Ficou fácil para as pessoas comprarem um pacote, parcelar em várias vezes e voar. Temos muitos passageiros. O correto seria diminuir o tráfego aéreo, aumentando os preços das passagens, até que se construa novos aeroportos, com bons sistemas de trem. Não adianta ter novos vôos e companhias aéreas, se os aeroportos do País não suportam tamanha demanda.
DIÁRIO – O que o governo e companhias podem fazer?
SANT’ANNA – O que o governo poderia fazer não fez. Houve muito desvio de verbas e superfaturamento nas reformas dos aeroportos de Santos Dumont e Tom Jobim (RJ), além do de Congonhas. Foram muitas irresponsabilidades. A culpa é do governo, sim. A estrutura toda está errada e não existe autoridade aeronáutica.
DIÁRIO – E a questão das áreas negras no céu?
SANT’ANNA – Havia mais buracos negros antes da atuação do Sivam. O acidente da Gol foi causado mais pelas falhas no transponder do Legacy do que pelas áreas cegas nos céus da Amazônia.Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.