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Rachel de Queiroz surpreende e lança livro aos 90 anos
Nelson Albuquerque
Enviado ao Rio de Janeiro
23/09/2000 | 15:09
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No dia 17 de novembro, a escritora Rachel de Queiroz comemora 90 anos e quem pensa que ela nao tinha mais surpresas, engana-se. Autora de romances consagrados e obras premiadas, a primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras - imortal desde 1977 - acaba de lançar um livro de receitas: O Nao Me Deixes - Suas Histórias e Sua Cozinha. "Sou melhor cozinheira do que escritora", revela, ao explicar o que parece inusitado.

Mas nada é de se estranhar na Rachel do ano 2000, uma mulher sem mistérios, lúcida e simpática. Sempre pronta para uma "boa conversa", fala sobre qualquer assunto, mas relembrar o passado nao está entre seus temas preferidos. "Gosto de conversar com jovens, os velhos só sabem falar do que já passou. Estou viva e meu tempo é esse", diz.

Cearense de Fortaleza, a escritora mora no Rio há 61 anos, em um apartamento no Leblon que fica no edifício Rachel de Queiroz. "Os moradores resolveram dar esse nome". A decoraçao de sua sala é simples, mas com peças de bom gosto e históricas, como uma escrivaninha "com mais de 200 anos" que era de seu tataravô, um Santo Antônio de barro e um sofá "bordado ponto a ponto" pelas moradoras do seu sítio no sertao do Ceará, o Nao Me Deixes.

Falar da migraçao nordestina em Sao Paulo tem, ultimamente, ocupado bastante o seu tempo. "O nordestino é muito andejo e, há alguns anos, eles têm preferido ir `pro Sao Paulo`, como dizem por lá. É difícil encontrar algum que nao tenha tido sua aventura pelo Sul. De cada dez que viajam, oito voltam para casa, pois nao se adaptaram ao clima, à comida ou nao arrumaram bom emprego", comenta.

Problemas atuais, como violência e desemprego, segundo Rachel, nao botam medo no povo do Nordeste. "Isso eles tiram de letra, estao acostumados", explica. Mas, ela faz uma ressalva para frisar que nao sao os nordestinos que trazem a violência.

A romancista também morou na capital paulistana, mas no início da década de 30. "Foram os dois anos mais felizes da minha vida. Eu tinha minha filha e meu marido. Sao Paulo é como se fosse a terra prometida para mim". A filha Clotilde (nome de sua mae) morreu com 2 anos acometida por meningite e seu marido foi o médico carioca Oyama de Macedo, morto há 18 anos.

Próxima obra - Até o fim do ano, Rachel de Queiroz deve lançar outro livro. Será uma nova coletânea de suas crônicas mais recentes. Sem constrangimento, ela diz que escreve porque tem de escrever e "cumprir os compromissos profissionais".

"A gente começa a escrever por prazer, depois torna-se uma obrigaçao", confessa. Esse é um dos motivos para, no momento, nao estar elaborando nenhum novo romance. "Nao estou preparando nada por enquanto e também nao guardo nenhuma linha inédita".

Escreveu sua primeira obra, O Quinze (1930), com apenas 19 anos e já estreou ganhando o prêmio da Fundaçao Graça Aranha. Iniciou a carreira literária tratando de temas com fundo social. Com isso, deu o primeiro passo para que, na política, optasse pela esquerda, militando inclusive em partidos comunistas. "Hoje sou uma senhora, mais calma. Acho que os políticos fazem o que podem e eu nao gostaria de estar na pele de nenhum deles", diz, encerrando o assunto.

Além de crônicas e romances, Rachel é autora de duas peças de teatro (Lampiao e A Beata Maria do Egito, ambas da década de 50), de livros infantis e de contos. Os infantis surgiram das estórias que inventava para os netos. A obra que prefere destacar é Memorial de Maria Moura (1992). Há dois anos, publicou um livro "de lembranças", Tantos Anos, em parceria com sua irma mais nova Maria Luíza de Queiroz.

Sua reaçao frente às críticas da imprensa é de uma modéstia que impressiona quem nao a conhece: "Recebo as críticas humildemente, se a pessoa diz que há algo de errado, eu vou lá conferir e digo `é verdade', entao fico triste com o livro, mas nao com o crítico".

Foi assim com Memorial de Maria Moura. Ela lembra que o jornalista de uma revista escreveu que se tratava de "mais uma história do Nordeste e que nao trazia nada de novo". "Fiquei chateada durante um bom tempo". A resposta veio logo em seguida, com a obra se tornando seu livro mais vendido e transformada em uma minissérie de sucesso pela Rede Globo.

Academia - Ter sido a primeira mulher a ocupar uma cadeira (a de número 5) na Academia Brasileira de Letras nao é, para Rachel de Queiroz, um motivo de tanto orgulho. "Alguém tinha de ser a primeira", simplifica a imortal. Mas sem, em nenhum momento, diminuir a importância da entidade.

Um dos poucos segredos que guarda é seu voto nas próximas eleiçoes da Academia. Há duas cadeiras vagas: a de número 6, deixada por Barbosa Lima Sobrinho, e a 33, que era de Afrânio Coutinho. "Seu eu nao puder ir até lá, mandarei meu voto, mas ele é secreto", avisa.




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