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Violência doméstica dispara em Ribeirão Pires

Registro de denúncias na coordenadoria de mulheres tem alta de 1.235% no período entre 2018 e 2020

Por Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
15/03/2021 | 07:00
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DGABC


O número de denúncias de violência doméstica recebidas somente na coordenadoria de mulheres de Ribeirão Pires, que atende na sede do Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social), cresceu em 1.235% nos últimos três anos.

Segundo levantamento feito pelo serviço, foram registrados 247 casos em 2020, ante 20 atendimentos em 2018. Outro ponto observado foi que, no período, a procura pela coordenadoria de mulheres foi maior nos meses de julho e setembro. Já o tipo de agressão mostrou modificação no perfil, sendo que em 2018 o ranking foi liderado por casos de violência doméstica, com 19 atendimentos, e somente um por orientação de gênero. No entanto, no ano passado, todas as vertentes foram procuradas com mais frequência, com 85 denúncias de violência doméstica, 82 intrafamiliar, 49 sexuais e 31 por orientação de gênero.

Psicóloga da coordenadoria de mulheres, Vanessa Belli destacou que a pandemia influenciou no aumento de casos de agressão em todos os setores. “As pessoas passaram a ficar mais tempo em casa e a convivência causou muita violência, sobretudo intrafamiliar, quando envolve irmãos e filhos com pais”, destacou.

Vanessa também pontua que a idade das vítimas, no entanto, se mantém nos níveis de agressão desde 2018, sendo a maior parte na faixa etária entre 30 e 59 anos. Além disso, o bairro campeão da cidade em casos de violência doméstica é o Centro, seguido de Ouro Fino. “Nosso objetivo para este ano é fortalecer laços com toda a rede municipal e com as polícias para que as mulheres que precisem desse auxílio sejam sempre encaminhadas a nós”, reforçou a psicóloga.

Moradoras de Ribeirão Pires em situação de violência podem procurar atendimento pelo telefone 4828-6434 ou presencialmente (Rua Batista Lion, 108 – Centro), de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h. É possível, também, efetuar a denúncia por Whatsapp (11) 93058-7421 (que também atende ligações a cobrar) e funciona 24 horas, nos sete dias da semana.

“Empoderar essas mulheres, mostrando a elas o caminho correto para efetuar as denúncias, nos auxilia na agilidade de ação e na pronta resposta dos casos”, disse o secretário de Promoção Social, Leonardo Biazzi.

ATENDIMENTO
Nos casos de violação sexual em mulheres e adolescentes a partir dos 12 anos, o primeiro atendimento é feito na rede municipal, sendo que casos de emergência são recebidos pelo Hospital e Maternidade São Lucas, com atendimento 24 horas, onde existe também o Centro de Referência à Saúde da Mulher. Mesmo que as vítimas de violência sexual deem entrada por outros setores – como a GCM (Guarda Civil Municipal) ou Assistência Social –, o atendimento será prioritário.

Mulheres vítimas de violência física serão encaminhadas – e podem dar entrada diretamente – na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Santa Luzia. Além disso, a GCM mantém atendimento 24 horas a toda a população. Munícipes podem acionar o serviço pelos telefones 153 ou 4828-3204/ 4825-2318, ou comparecer à Rua João Domingues de Oliveira, 320, Centro (base central da GCM), ou na unidade 24 horas da corporação, na área entre o terminal rodoviário, estação da CPTM (Companhia de Trens Metropolitanos) e Atende Fácil.

Denúncias também podem ser feitas pelo 190 da Polícia Militar e 180 – Central de Atendimento à Mulher.

‘Não me acho capaz de fazer mais nada’
Acanhada, Luzia (nome fictício), 38 anos, entra na sala de atendimento da sede do Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social) de Ribeirão Pires, onde funciona o serviço voltado ao atendimento de mulheres vítimas de violência e, antes de ser questionada, desabafa: “Não me sinto capaz de fazer mais nada”, diz, referindo-se aos traumas adquiridos em um casamento abusivo de 20 anos.

Embora ainda esteja fragilizada diante das agressões físicas e morais vividas por duas décadas, Luzia se diz determinada a usar sua história para incentivar outras mulheres que estejam passando por situações semelhantes. “Meu ex-marido dava indícios de violência desde que começamos a namorar, ainda adolescentes. Mas a gente não repara, não é? Não tinha consciência do que podia vir”, lembrou.

Todos os tipos de agressões previstas na Lei Maria da Penha (11.340/06) foram sofridas por Luzia. Violências física, psicológica, moral, patrimonial e até mesmo sexual fizeram parte da história que ela pretende deixar no passado. “Tentei me separar dele diversas vezes, mas, infelizmente, sempre acabava voltando. Fosse por medo, pelos filhos ou por falta de dinheiro. Também acreditava que ele iria mudar”, revelou. “Ele não me deixava trabalhar, não permitiu que eu estudasse, tampouco que mantivesse contato com amigos e familiares.”

Ela afirmou ainda que soube de diversas traições e que a própria família desistiu de ajudá-la, já que ela não tomava qualquer atitude diante das agressões. “Fiz boletins de ocorrência, procurei ajuda, mas acabava acreditando que, quieta e em casa, ele iria parar”, disse. E comenta temer que os filhos sigam pelo mesmo caminho do pai.

“Eles viram agressões a vida toda e sofrem muita pressão psicológica por parte do pai e da família paterna”, afirma Luzia. “Depois que tive coragem de largar dele, pedir separação e me cuidar psicologicamente, também não está sendo fácil. É um processo de tapas, doloroso e tudo está sendo bem difícil”, explica, destacando que tem medida protetiva para que ele não se aproxime, mas que ainda tem “muito medo”.

Ainda sem perspectiva de retomar a vida e caminhar com as próprias pernas, ela reforça que “está tentando” superar os traumas. No entanto, Luzia afirma que depois de diversos boletins de ocorrência, só conseguiu, de fato, tomar coragem de seguir em frente quando conheceu o serviço municipal. “Aqui encontrei acolhimento e encontrei forças para encarar a realidade da minha vida e agir. Mas ainda falta muito para evoluir”, confessou Luzia.

SEM JULGAMENTOS
Psicóloga da coordenadoria de mulheres, Vanessa Belli explicou que quando as mulheres procuram o atendimento, nem sempre já estão prontas para abrir mão da vida com a qual estão, de fato, acostumadas. “Nosso papel nunca é julgar a vítima, os motivos que levam essa mulher a aguentar as agressões e o que a leva a voltar para casa e perdoar. Nós acolhemos e orientamos da melhor maneira”, explicou.

Segundo a psicóloga, após sofrer violência, a mulher acaba “naturalizando” , e até mesmo se culpa pela recorrência. “Quando uma vítima chega para nós, não é a primeira vez que foi agredida. Elas vêm, normalmente, de um ciclo de anos. Para que se conscientizem, temos de fazer um trabalho de reflexão sobre os riscos, e empoderar essas mulheres de forma que vejam que elas podem ser mais fortes.”




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