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Esclerose une famílias e derruba mitos
Por Maíra Sanches
Do Diário do Grande ABC
25/03/2012 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Você leva uma vida saudável, sem vícios, quase nunca fica doente, no máximo resfriado. De repente, começa a sentir dores inexplicáveis pelo corpo, fadiga e já não consegue se equilibrar como antes, tem dificuldade para andar, procura médicos, e ninguém descobre as causas de tamanho mal estar. Até que vem o diagnóstico: esclerose múltipla, doença incurável e degenerativa. A revelação vem acompanhada de avalanche de medos e dúvidas. Parece sentença de morte. Mas tem significado de recomeço e esperança para milhares de pacientes.

Ao contrário do que se pensa, a esclerose não é doença típica de idosos. A incidência em pessoas da terceira idade é ainda menor do que em crianças. Em geral, a faixa etária mais atingida está entre 20 e 40 anos, especialmente mulheres. Hoje, a proporção é de três casos para cada homem. Estima-se que 30 mil pessoas tenham a doença no Brasil e aproximadamente 2,5 milhões em todo o mundo, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

A família do paciente recém-diagnosticado tem de se adaptar às mudanças repentinas. É preciso se recondicionar. De repente, reaprender a andar, equilibrar-se sem ajuda e fazer atividades básicas do dia a dia tornam-se prioridades. A fase de adaptação é de cerca de um ano e meio. Cônjuges, pais e filhos abraçam a nova rotina. “Minha esposa é 14 anos mais nova do que eu e quando descobri a doença éramos só namorados. Depois, tivemos três filhos. Ela ficava das 9h às 22h comigo no hospital, mesmo sem necessidade. Se você tem o alicerce, não cai nunca. Esse apoio foi a minha vitória”, diz o ex-mecânico Marcelo Gonçalves Coelho, 39 anos, morador da Capital. Ele convive há cinco anos com a doença e atualmente faz acompanhamento médico no Ambulatório de Esclerose Múltipla da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), em Santo André.

As limitações impostas pela esclerose, que tem causas multifatoriais, podem ser controladas com medicação, fisioterapia, fonoaudiologia, exercícios físicos e boa qualidade de vida. Raramente é fatal. Trata-se de processo inflamatório crônico que atinge o sistema nervoso central e sua causa ainda é desconhecida.

Os principais sintomas são transtornos visuais, formigamento nos membros, fraqueza, dores, perda de equilíbrio, entre outros. Cada surto é um processo inflamatório que pode deixar sequelas. Dependendo da intensidade, chega a causar debilidade. Alguns pacientes passam anos sem crises, outros apresentam com maior frequência. Por isso, a importância de manter hábitos saudáveis e viver longe do estresse.

As chances de sucesso no tratamento são maiores quando há estrutura familiar sólida e participativa. Na vida de alguns pacientes a doença significa a redescoberta de valores importantes, como tolerância e companheirismo. E nem a vida sexual fica de fora das novidades. “Melhorou bastante, viu (risos). No dia a dia, se estou mais agitada, ele até sai de perto (o marido). A tolerância aumenta. Ele não me cobra nada e sempre se oferece para ajudar”, diz a dona de casa Paula Karinna Freitas, 33 anos, moradora do bairro Valparaíso, em Santo André. Ela pratica ginástica, caminhada, cuida dos dois filhos pequenos e auxilia o marido na empresa de acessórios de surf administrada pela família.

CONSELHOS - As reações divergem. Enquanto alguns pacientes criam forças e renascem nos momentos de dor, outros brigam com a doença e não aceitam o diagnóstico. “Não bata de frente. O segredo é tratar a doença como uma colega de trabalho não muito agradável. Aprenda a conviver”, aconselha a neurologista e coordenadora do ambulatório de esclerose da FMABC, Margarete Jesus Carvalho.

Na FMABC, trabalho multidisciplinar ajuda a reverter limitações

Ao receber o diagnóstico, alguns pacientes rapidamente associam a esclerose múltipla com invalidez. Pensam que ficarão entrevados em cadeiras de rodas e jamais voltarão às atividades cotidianas.

O mito é desfeito por aqueles pacientes que não permitem que sua condição de vida seja ditada pela doença. É o caso de André Pinto da Silva, 23 anos, morador do bairro Botujuru, em São Bernardo. Ele descobriu a doença em 2007 e hoje tem a rotina mais agitada do que muitos jovens livres de medicações diárias. André participou do processo seletivo de empresa multinacional e no mês que vem irá assumir o cargo de auxiliar administrativo. Há dois anos faz ecoterapia semanalmente (prática terapêutica com cavalos que auxilia a reabilitação motora) e é voluntário da Emeb (Escola Municipal de Ensino Básico) Tereza Delta, no bairro Terra Nova 2. Para distrair, frequenta shows de rock – e não se incomoda de ir sozinho. “Sou esforçado. Sempre estou procurando algo para fazer. Sei que a doença não tem cura, mas não é por isso que deixarei que ela pare a minha vida”, ensina.

Quando recebeu a notícia, uma fonoaudióloga do HMU (Hospital Municipal Universitário), no Rudge Ramos, em São Bernardo, disse que André teria algumas limitações, mas que viveria de forma normal. Quando iniciou o tratamento no ambulatório de Esclerose Múltipla da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), há dois anos, mal parava em pé. Se escorava no pai para não desabar ao chão. “Ele estava na cama e tremia como gelatina”, lembra a neurologista e coordenadora do ambulatório, Margarete Jesus Carvalho.

Graças ao trabalho multidisciplinar que recebeu, hoje André vai sozinho às consultas de rotina e faz todas as suas atividades sem ajuda. Dos surtos, restou apenas leve e quase imperceptível dificuldade para caminhar.

Dificuldade de diagnóstico atrasa tratamento

Alguns sintomas de outras doenças podem esconder a esclerose múltipla. Dormência nos membros, fadiga, desequilíbrio. Ao primeiro momento, praticamente ninguém desconfia de que sejam indícios da doença.

A dona de casa Paula Karinna Freitas, 33, de Santo André, por oito anos pensou que sofria de discopatia na coluna, espécie de desgaste na vértebra. Até que, em princípio de surto, precisou voltar três vezes no mesmo pronto-socorro, até receber a falsa notícia de que tinha vários tumores na cabeça. “Tirou o chão da família”, conta. O exame de retirada do líquor da espinha e a ressonância magnética são os mais precisos para identificação da patologia. Depois que o diagnóstico foi confirmado, Paula ficou 40 dias internada no HMU de São Bernardo. “Parecia um bebê. Precisei reaprender a andar”, conta. Um ano e meio depois, vive com poucas limitações e vibra por poder cuidar dos filhos. Por conta do atraso no diagnóstico, hoje tem dificuldades sensitivas e problemas para identificar sabores.

Em alguns casos, essa demora pode elevar o número de sequelas. O ex-mecânico Marcelo Gonçalves, 39 anos, da Capital, faz tratamento na Faculdade de Medicina do ABC e passou pela mesma burocracia. Foi internado com suspeita de labirintite e recebeu alta com medicações para curar sinusite. “Voltei a trabalhar e um mês depois não conseguia mais andar”, revela. Ele conseguiu o diagnóstico ao consultar médico particular. Entre os primeiros sintomas e o início do tratamento passaram-se seis meses. “Talvez, se tivesse descoberto antes, não sentiria tanta dor no joelho e no tornozelo.”

De acordo com a Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla), das cerca de 30 mil pessoas que têm a doença no Brasil, apenas 5.000 fazem tratamento considerado adequado.




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