Política Titulo
Regime republicano completa 120 anos
Por Marcelo Camargo
Do Diário do Grande ABC
15/11/2009 | 07:15
Compartilhar notícia


A Gazeta da Tarde circulou em 15 de novembro de 1889 no Rio de Janeiro com manchete enigmática: O futuro do Brasil. Na reportagem, o texto resaltava o clima de paz naquela manhã: "Foi o exército quem operou esta magna transformação... e hoje proclamou, no meio da maior tranquilidade e com solenidade realmente imponente, que queria outra forma de governo".

O relato refere-se à Proclamação da República, que hoje completa 120 anos. A pasmaceira relatada reflete o que de fato aconteceu: um movimento da pequena classe política dominante influenciado por ideais republicanos internacionais. "Não dá para avaliar se a população estava preparada para o novo regime. Mesmo porque, ninguém se informava sobre política", ressalta o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira.

Uma série de mudanças e crises políticas ocorridas durante o reinado de Dom Pedro II davam suporte à agitação republicana. O imperador perdeu prestígio com o Exército, que voltou fortalecido após a vitória na Guerra do Paraguai, mas que não se sentiu valorizado pelo governante. Outro fator que enfraqueceu a coroa foi o conflito com a Igreja Católica, setor de grande influência ideológica à época. De acordo com a constituição vigente, a Igreja era subordinada ao Estado e o imperador nomeava padres, bispos e cardeais. Em 1864, o Vaticano proibiu a existência de párocos ligados à maçonaria. Dom Pedro II, que era maçom, desacatou a ordem papal e repudiou os que seguiram as ordens do papa Pio IX. Resultado: foi declarado autoritário e infiel ao cristianismo.

A essa altura, o governo estava sem apoio do Exército, criticado pela Igreja e pela elite política e intelectual. Os cerca de 600 militares que se reuniram naquela manhã de 15 de novembro no Campo de Santana não tinham muito o que fazer. Antes do meio-dia, o comando militar que se reunia com o ministério imperial deixou a casa em que funcionava a Secretaria do Império e proclamou a República. Os ministros renderam-se e o até então general Deodoro da Fonseca foi declarado presidente no governo provisório.

O que em outros países da América se deu com sangrentas batalhas, no Brasil se consolidou com apenas um tiro. José da Costa Azevedo, o barão de Ladário, ministro da Marinha, resistiu à ordem de prisão durante a reunião com os comandados por Deodoro e foi atingido sem gravidade.

Segundo o especialista Marco Antônio Carvalho Teixeira, o cenário tenso do momento anterior à proclamação deu lugar à transição tranquila, sem perda de controle. "Isso é tipicamente brasileiro". Colaborou Juliana de Sordi Gattone

Para especialista, Getulio, JK, FHC e Lula se sobressaíram

Juliana de Sordi Gattone

Dentre os 35 homens que comandaram o Brasil desde a Proclamação da República, em 1889, quatro merecem lugar de destaque, segundo o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira. Por ordem de posse, Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

"É incontestável o valor de Vargas no processo de desenvolvimento do País, além, é claro da introdução da Consolidação das Leis Trabalhistas. O parque industrial atual só é forte pelo espírito precursor dele", justifica o especialista. Na sequência, JK entra na lista por conta do incentivo às importações, além dos investimentos. "O slogan 50 anos em cinco exemplifica a filosofia do ex-presidente." Já no período de redemocratização, embora quatro homens tenham ocupado cargo, somente dois entraram na lista. "FHC assumiu o papel de rediscutir o Estado, com a questão da privatização. Enquanto Lula, por conta do contexto, conseguiu alçar o Brasil para o mundo."

Para os atuais dirigentes, o especialista deixa um recado: "O grande desafio é incutir o espírito republicano, que zela pela coisa pública e pelo bem comum, na cabeça dos políticos e agentes de vários setores do País".

Para Teixeira, em 120 anos de regime poucos fatos históricos foram realmente transformadores. A Revolução de 1930 é um deles, considerada como o movimento mais importante da História do Brasil do século 20. Isso porque representou o fim da Primeira República e, consequentemente, do poder absoluto dos governadores e da hegemonia da burguesia do café. Até então, o controle político e econômico estava nas mãos de fazendeiros. "O período da democracia, de 1945 a 1964 também deve ser destacado. Mas nada se compara a 1988, quando foi instituída a Constituição Federal. Foi o mais alto grau de democracia alcançado durante a República", analisa Teixeira.

Há 20 anos, o País pôde votar de novo para presidente

Alessandro Soares 

Em 15 de novembro de 1989, os brasileiros voltaram às urnas depois de 29 anos sem liberdade para eleger o presidente da República. Foi a primeira eleição em dois turnos, e solteira, pois o voto não agregava deputados, governadores e senadores como seria nos pleitos seguintes.

O Muro de Berlim havia caído seis dias antes. Segundo o historiador Eric Hobsbawn, no livro A Era dos Extremos, esta queda foi o fim do que chamou de "breve século 20", que começou na Revolução Russa de 1917 e terminou no fim do comunismo no Leste Europeu.

As eleições brasileiras se deram nesse cenário de aparente triunfo capitalista global. Um ano antes, o clima geral era de pessimismo com a política e a cultura do País, provocado pela decepção com a Nova República. Em 1989, 22 candidatos disputaram a eleição cujos motes eram a galopante inflação de dois dígitos ao mês, o papel do Estado (ineficiente e corrupto) e a privatização. Fernando Collor venceu Luiz Inácio Lula da Silva. Collor iniciou a abertura econômica, mas foi do céu da popularidade ao inferno da crítica com o Plano Collor (confisco na poupança). Acusações de tráfico de influência sob seu conhecimento levaram-no ao impeachment e à renúncia.

O vice Itamar Franco assumiu em 1993 e seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, lançou o Plano Real, que levou o País à estabilização econômica. FHC foi eleito presidente em 1994, fez passar a emenda da reeleição, beneficando-se em 1998. Lula disputou mais três eleições até se tornar em 2002 o primeiro ex-sindicalista presidente do Brasil, com discurso menos radical e mais conciliador. Manteve a popularidade para se reeleger em 2006, mesmo diante da crise do esquema de compra de votos de deputados, o Mensalão. Collor reabriu a economia, FHC estabilizou-a e Lula redefiniu o papel do País no mundo.

Recente pesquisa da Globescam/PIPA sob encomenda da BBC, revelou inédita insatisfação com o capitalismo 20 anos após o fim do Muro de Berlim. Em 15 dos 27 países pesquisados - inclusive o Brasil - , os cidadãos defendem governos mais ativos contra a desnacionalização de empresas e intervindo mais na economia. Mas nem Lula escapou da "permanência conservadora", segundo o historiador Carlos Guilherme Mota, que não vê na ação do presidente a desmontagem de um "Estado autocrático burguês". Nada como uma eleição depois da outra. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;