Setecidades Titulo
Vila Euclides é reduto de muçulmanos
Por Henrique Munhos
Especial para o Diário
02/05/2011 | 07:24
Compartilhar notícia
Edmilson Magalhães/DGABC


Quem passeia pela Vila Euclides, em São Bernardo, dificilmente deixa de visualizar algumas famílias de muçulmanos. O bairro tem a maior comunidade desta religião no município. Das 500 famílias de islâmicos que moram na cidade, 70 vivem no bairro.

O ponto de encontro é a mesquita e o Centro de Divulgação do Islã para a América Latina, que ficam na Rua Henrique Alves dos Santos. Diretor geral do Centro há dez anos, Ziad Ahmad Saifi, 36 anos, explicou que a missão de quem trabalha no local é divulgar a religião.

"Tentamos mostrar que, diferentemente do que diz a imprensa, o islamismo não está diretamente ligado a atos violentos", afirmou.

A maior concentração dos muçulmanos na mesquita acontece nas sextas-feiras, quando cerca de 500 pessoas comparecem.

"A mesquita é a mãe da comunidade. Agrega as pessoas em diferentes horários e fortalece o nosso convívio e a adoração a Deus", disse Carlos Soares Correia, 34, conhecido como Amin.

Amin faz parte dos 60% dos muçulmanos que são nascidos no Brasil. Destes, alguns são descendentes de muçulmanos, como Saifi, ou se converteram ao islamismo, como é o caso de Rosangela França, 50.

"Era católica, e me converti ao islamismo. Sempre fui muito questionadora, e só fui encontrar respostas para minhas dúvidas na religião muçulmana," afirma Rosangela, que há 15 anos é secretaria do Centro Islâmico.

Rosangela foi começar a usar as roupas típicas dos muçulmanos somente três anos depois que se converteu ao islamismo. "Sempre fui muito vaidosa, então tinha um pouco de receio."

O diretor geral do Centro Islâmico criticou a chamada ‘sociedade do consumo'. "Vejo que o mundo de hoje impõe um padrão de beleza, impõe que a pessoa consuma o que está na moda. Não pode ser assim. A pessoa tem de ser do jeito que ela é."

CONFLITOS
Cerca de 40% dos muçulmanos de São Bernardo são imigrantes estrangeiros.

Salwa Mohamad, 42, é um destes exemplos. O Brasil foi único país que a iraquiana conseguiu visto. Desde 2001, mora na Vila Euclides. "Adoro ficar aqui, e não troco por nada."

Antes de vir para o País, Salwa morou por três anos em Trípoli, na Libia. Curiosamente, tanto sua cidade natal, que é Bagdá, quanto Trípoli, sofreram com conflitos armados, que provocaram milhares de mortes. "É muito triste ver seu povo sofrer e gente morrendo."

Sobre a Libia, agitada em conflitos entre rebeldes e aliados de Muammar Khadafi, que está há 42 anos no poder, Salwa disse que não entender como isso aconteceu.

"Quando morei lá, vi que as pessoas amavam Khadafi. Muitas famílias eram ricas sem trabalhar, e recebiam um salário do governo", contou a iraquiana.

 

Sapateiro é referência na região há três décadas

É impossível passar pela Rua Senador Flaquer sem não observar a sapataria de Paulo Fernandes da Costa, 61. Há 30 anos, ele conserta bolsas e sapatos dos moradores da Vila Euclides.

Costa disse que o bairro sofreu muitas transformações desde sua chegada. "Era muito calmo aqui. Agora tem muito mais construções, e está bem mais movimentado."

A sapataria de Costa é sempre movimentada. O dono, que trabalha sozinho, disse que tem dias que até 50 clientes vão arrumar bolsas e sapatos. Por este motivo, ficou com certo medo da equipe do Diário.

"Não quero propaganda, pois não dou conta de tudo isso que tenho para trabalhar", disse o idoso, sozinho na sapataria.

Nos finais de semana, é comum ver o estabelecimento aberto até altas horas da noite. Mais trabalho? Não. Nessas horas, entra o momento de lazer de Costa. "Reúno alguns amigos do bairro e a gente joga um baralho", finalizou.

 

Estádio de futebol é palco da história

Mais do que ser o maior estádio da cidade, o Primeiro de Maio foi um dos palcos da luta contra a ditadura no País. No campo, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva fez muitos discursos para os sindicalistas no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980.

Este ano, o estádio recebeu os jogos do São Bernardo no Campeonato Paulista. Apesar do bom comparecimento do público, média de 11 mil pessoas por partida (até a 13ª rodada do Paulistão), o Tigre foi rebaixado para a Segunda Divisão.

Nos dias de jogo, quem sofre são os moradores próximos ao estádio.

"Não dá para sair nem entrar em casa. É impossível", conta um vizinho que, por medo de assaltos, preferiu não se identificar.

A algazarra também é motivo de reclamação de quem vive próximo dos bares e casas noturnas da Rua Senador Flaquer.

"Nos dias de show, não conseguimos dormir. É som alto, pessoas gritando e carros passando a todo o momento em alta velocidade. É muito complicado," relata o aposentado Hamilton Maria da Silva, 66.

 

Uma homenagem à Euclides Rizzaro

A Vila Euclides foi loteada em 1928. O nome homenageia Euclides Rizzaro, neto do loteador, Miguel Gobby. Quando o bairro foi planejado, Euclides nem havia nascido. Ele é de 1929. Morou por décadas na Vila Euclides. Hoje é oficial da reserva da Polícia Militar e traz no currículo o posto de comandante no Grande ABC.

A Vila Euclides não foi o primeiro loteamento da área central de São Bernardo. A primeira divisão foi a do Cemitério Municipal, em 1892. Como loteamento residencial, o primeiro foi a Vila Maria Adelaide, entre 1926 e 1927.

Em 1976 entrevistamos Júlio Rossi, filho de dona Maria Adelaide Rossi. Foi ele quem nos falou da "gôndola do amor", uma casa branca localizada junto a um lago, construída por um barão inglês.

Na década de 1950, com o surgimento da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, a casa, já propriedade de dona Maria Adelaide, passou a ser o restaurante dos artistas. Quando a Vera Cruz fracassou, o uso da casa passou a ser o de encontros amorosos.

A casa de dona Maria Adelaide ficava na área da Vila Euclides, mais precisamente na atual Chácara Inglesa, empreendimento dos descendentes de dona Maria Adelaide, falecida em 1970 e hoje nome de escola no bairro.

Vila Euclides cresceu mantendo as características. Na década de 1970 ouvimos vários dos antigos moradores, como Aristides de Almeida, dono de bar na Senador Flaquer, ao lado do cemitério.

Ali se reunia a velha guarda do bairro, entre os quais Tarzã, um dos remanescentes do ‘cast' da Vera Cruz - foi ele quem desenhou, à época, um imenso do Corinthians numa das paredes do bar.

Ouvimos também Carmem Rizzaro, esposa de Euclides Rizzaro; Antonio Albanese e sua esposa Brasília, que confirmaram a história da "gôndola do amor"; José Magni Filho, Herculano Butrico, um dos fundadores do EC Vila Euclides, clube do bairro que sobreviveu entre 1950 e 1967. Todos eles confirmaram a dificuldade para trazer energia elétrica à Vila Euclides, o que se fez clandestinamente, por dentro de canos subterrâneos, diretamente da Vila Pelosini, localidade vizinha.

Em 1979 eclode a primeira greve dos metalúrgicos, e em 1980 a primeira assembléia no Estádio da Elni, que se tornaria conhecido como Estádio da Vila Euclides, e hoje denominado Primeiro de Maio.

Geograficamente, o estádio fica fora do traçado original da Vila Euclides. Mas a antiguidade de Vila Euclides, seu nome emprestado ao cemitério, serve para denominar toda esta área oficialmente localizada no Centro. (Ademir Medici)




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;