Cultura & Lazer Titulo
Tecnologia muda literatura
Por Alessandro Soares
Da Redaçao
20/08/2000 | 18:32
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A Casa da Palavra, em Santo André, e a Livraria Cultura, na capital, recebem nesta segunda e terça, respectivamente, o professor de Literatura Geral e Comparada da Universidade de Artois (França), Alain Vuillemin, que comandará cafés filosóficos nos quais serao discutidos o tema Literatura e Novas Tecnologias. A conferência será em francês, com traduçao consecutiva.

Com o surgimento dos e-books (livros eletrônicos), as novas tecnologias estao trazendo, para a difusao de textos, novos instrumentos de ediçao, eletrônicos e de multimídia. Com isso, a relaçao entre literatura e leitura aparecem profundamente mudada. Essa é uma das questoes que serao discutidas no encontro. Os últimos livros escritos por Vuillemin sao A Literatura Contra Ditadura Dentro e Fora da Romênia (1947-1989), A Europa: Literatura Européia, Literatura Comparada e Novas Tecnologias e Literatura, Informática, Leitura: da Leitura Assistida por Computador à Leitura Interativa, todos publicados em francês. Confira entrevista concedida ao Diário por Vuillemin.

DIARIO - O e-book, a seu ver, veio para ficar, ou o livro tradicional, impresso em papel, ainda deve permanecer por muito tempo?

ALAIN VUILLEMIN - Os e-books, ou seja, os eletronic books, ou livros eletrônicos, só existem hoje enquanto produtos experimentais. Eles começaram a ser apresentados nos EUA a partir de 1998. Uma dezena de livros protótipos foram apresentados na França em abril deste ano, durante o último Salao do Livro de Paris. Esse novos livros eletrônicos devem começar a ser comercializados nos EUA e na Europa a partir de setembro ou outubro. Eles têm a ambiçao, provavelmente, a longo prazo, de substituir um dia o livro impresso. Mas esse processo será bem lento. A história das mídias prova, aliás, que as diferentes técnicas de comunicaçao de massa que apareceram ao longo do século XX tiveram uma tendência a se complementar e nao a se substituir. Os livros impressos e os livros eletrônicos co-existirao, mas só o futuro dirá de que forma.

DIARIO - Quais sao, na sua opiniao, as novas tecnologias que contribuem para a difusao dos textos e as que desempenham um papel negativo?

VUILLEMIN - Um livro eletrônico se apresenta, no momento, como um computador bem reduzido, no formato de um livro de bolso, com uma tela, às vezes com duas, que podem ser fechadas como as duas partes de um livro, e com um teclado que normalmente tem só algumas teclas. Tudo isso pesa em torno de 500 g. Esses pequenos computadores ultraportáteis podem se conectar a terminais de Internet. Mas devo ressaltar que os primeiros protótipos apresentados em público têm características muito diferentes um dos outros. Os especialistas já estao falando de geraçoes de equipamentos diferentes. É provável que esses novos objetos nômades irao se aperfeiçoar e, talvez, se transformar profundamente. De fato esses livros eletrônicos vao concorrer com os microcomputadores portáteis que nao cessam de se aperfeiçoar e de se miniaturizar, e cujo preço é cada vez mais baixo. Duas formas de ediçao eletrônica entrarao em concorrência segundo os vetores e os suportes de informaçao que serao utilizados: os computadores e os livros eletrônicos. Nessa perspectiva, se ler um texto em um desses novos livros eletrônicos significa continuar a perceber e a decifrar esse texto que aparece na tela exatamente da mesma forma que fazemos quando ele se apresenta em uma página impressa, podemos nos questionar sobre a ausência de inovaçao que nos trazem para a leitura esses primeiros livros eletrônicos. Isso no que concerne o ato de ler, de decifrar, de compreender um texto e apreciar sua riqueza e forma. Mudar o suporte material, substituir uma folha de papel por uma tela sem modificar a maneira de ler nao constitui uma inovaçao e menos ainda uma revoluçao tecnológica. Ora, é exatamente aí que reside a ambigüidade desses novos livros protótipos. É muito pouco o acréscimo que trazem para a leitura. Esses livros eletrônicos sao concebidos exatamente para nao chocar os hábitos de leitura. Se, ao contrário, ler um texto sob uma forma eletrônica significa poder aprender as riquezas e os aspectos que a leitura tradicional nao permite, as novas tecnologias nos trarao, sim, alguma coisa suplementar. Mas, para isso, é preciso se dispor de um programa apropriado de leitura interativa ou de leitura assistida por computador. Tudo dependerá da maneira pela qual as editoras aceitarao ou nao encarar a leitura com a ajuda de instrumentos informáticos. Se o farao de uma forma ativa ou passiva, facilitando ou recusando ao leitor - ou ao escrileitor - o direito de mudar, de modificar ou de transformar as funcionalidades dos programas de leitura que serao implantados nos livros eletrônicos. Podemos assim conceber que novas desigualdades de acesso à leitura surgirao... As formas de leitura assistida por computador, cada vez mais elaboradas, correm o risco de serem proibitivas para a maior parte das pessoas... Novas formas de exclusao intelectual ou cultural, novas fraturas numéricas estao sem dúvida em gestaçao...

DIARIO - Quais sao as vantagens e as desvantagens, na sua opiniao, da utilizaçao dos e-books pelas crianças e adolescentes? Como os adultos reagem hoje à substituiçao dos livros impressos pelo e-books?

VUILLEMIN - Os livros eletrônicos nao estao ainda em circulaçao. É difícil responder a essa questao. Tudo vai depender dos conteúdos intelectuais que serao difundidos por esses novos livros eletrônicos e da maneira pela qual esses livros poderao se tornar atraentes. Os CD-Roms para crianças que começaram a surgir em 92 tiveram, em geral, um grande sucesso. As crianças e os adolescentes se atiram com tudo no cyberespaço ou na cybercultura. Serao eles, talvez, amanha os futuros verdadeiros leitores dos novos livros eletrônicos. Os adultos de hoje, os pais, na maior parte, o rejeitam.

DIARIO - Como o senhor imagina o papel da literatura na vida das pessoas diante da presença crescente da Internet e dos CD-Roms? O senhor acha que essas novas tecnologias podem substituir totalmente a leitura tradicional?

VUILLEMIN - Trata-se de uma transformaçao que começou a se produzir a partir de 1997 com o crescimento fulgurante da Internet. Em 1995 nao existia praticamente nada na Internet nesse campo literário. No início deste ano, podíamos contar por milhares os sites literários e editoriais na Internet. A quase totalidade das obras dos grandes autores franceses do século XVI ao XX já estao presentes na Internet, seja sob a forma de imagem ou fac-símile numerizados através do site Gallica da Biblioteca Nacional da França (www.bnf.fr), ou entao sob a forma texto, graças ao Instituto Nacional da Língua Francesa, que fica nesse mesmo site. Por sua vez, a literatura brasileira começa a ser apresentada na Internet. De qualquer forma, as iniciativas estao se multiplicando.

DIARIO - O senhor conhece estatísticas sobre a utilizaçao dos e-books no mundo?

VUILLEMIN - Primeiro é preciso que esses e-books comecem a ser vendidos...

DIARIO - Que tipo de mudanças já acontecem hoje - ou acontecerao no futuro - entre a leitura e a literatura do ponto de vista das novas tecnologias?

VUILLEMIN - Trata-se de outras formas de abordagem de textos literários, de acesso a esses textos, de sua leitura, de sua crítica, de seu aperfeiçoamento que deverao aparecer e que nao dominamos muito bem ainda. Sem dúvida, estamos nos dirigindo para a redescoberta da literatura tradicional, que podemos explorar de uma outra forma, e sem dúvida também estamos caminhando em direçao a novas formas de expressao literária.

DIARIO - Do ponto de vista da produçao literária, a literatura - com essas novas tecnologias - poderia mudar seus próprios paradigmas? Em outras palavras: poderemos estar diante de uma forma diferente de escrita, uma nova forma de expressao? Como seria ela?

VUILLEMIN - Mas isso já está acontecendo. Em 1959, Max Bense e Theo Lutz conseguiram fabricar em Stutgard, na Alemanha, uma primeira coletânea de versos livres eletrônicos em alemao. Os ingleses o fizeram em 1960. Também isso foi feito em francês em 1964 e em português nos anos 70. Desde entao os literoprogramas, os programas de criaçao literária, nao param de se multiplicar em todas as línguas.




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