Não é empáfia nem arrogância quando Anselmo Duarte, o diretor de O Pagador de Promessas (1962), diz ser “vítima da frustração de muita gente” e que chegou “onde muitos queriam chegar”. Ganhador da única Palma de Ouro concedida a um brasileiro, o cineasta de 86 anos fala com orgulho e um instinto de autodefesa de quem foi alvo da caça às bruxas do cinema novo nos anos 60. E é essa a característica que monopoliza o curta documental Cinema Pagador, exibido no ingrato horário das 7h de hoje, pela TV Cultura.

Obra da dupla Isabel Ribeiro e Henrique Pires, Cinema Pagador está vinculado ao programa Campus, nova atração da emissora que procura encurtar o caminho entre a produção acadêmica brasileira e a TV aberta. O curta de hoje foi realizado em 2003 como trabalho de conclusão de curso dos autores, então estudantes na Faap. Sagrou-se melhor curta em Gramado e outros festivais do país.

Cinema Pagador exuma a indisposição entre Duarte e os cinemanovistas, uma das maiores na história ideológica do cinema brasileiro. Começa com o período em que foi o mais popular galã da Atlântida e da Vera Cruz – posição que lhe valeu admirações femininas e sopapos de namorados enciumados – até chegar aos entreveros com Glauber Rocha, que classificou O Pagador de Promessas como diplomata da narrativa clássica que a revolução do cinema novo combatia.
Fumante inveterado, Duarte fecha o filme dizendo que a Palma é o “fim da carreira” de um cineasta e que este só pode regredir após a consagração em um festival como Cannes. É daqueles que crê que vice-campeão é o primeiro entre os perdedores.