Cultura & Lazer Titulo
Brasil desesperança
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
28/09/2006 | 21:05
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A Oitava Cor do Arco-Íris é um filme que fala de “nada” para falar de tudo. É um filme que aborda um brasileirinho que habita um grotão geográfico para contemplar o Brasil como depósito de (des)esperanças. Filme que se ocupa de um evento rotineiro para que o espectador se ocupe em observar um país em que o comodismo virou rotina.

É o primeiro longa-metragem de Amauri Tangará. Mas, para fins históricos, é uma outra estréia o fato mais relevante. A Oitava Cor do Arco-Íris é o primeiro longa totalmente produzido e filmado no Estado do Mato Grosso.

E como uma estréia, um marco histórico, é até natural que o filme flerte com uma narrativa fundadora da ficção, a de Homero. É uma verdadeira odisséia, entre rural e urbano, entre o ingênuo e o horror tornado hábito na civilização, a que vive o garoto de 11 anos Joãozinho (Diego Borges). Preocupado com a avó, doente “das pernas e do coração”, o menino, que vive numa cidadezinha do interior matogrossense, embarca clandestino em um caminhão rumo a Cuiabá, a capital, onde acredita que conseguirá vender a cabrita Mocinha. Com o dinheiro de sua breve experiência de pecuarista, Joãozinho pretende comprar medicamentos para ajudar no tratamento da mulher.

O “nada” adotado como guia narrador de A Oitava Cor é justamente a seqüência de tentativas de Joãozinho para vender o animal. Tentativas que sua avó desconhece, por sinal. O filme todo se constitui das ofertas e das negociações do dono da cabrita com transeuntes, açougueiros e outros potenciais compradores.

O pretexto está posto. O objetivo: falar de Brasil, de sua incerteza como projeto democrático quando o dono do armazém constata que não há, em qualquer instância, estatal ou privada, quem ouça uma necessidade popular que seja; de sua desordem ordinária, regularizada por meio da violência serial e da infância deposta; de sua solidariedade perdida em meio à necessidade de sobrevivência.

Tangará promove generosas tomadas de Cuiabá que procuram a identificação de seus motivos ideológicos com um pedaço de chão, a exploração da precariedade como um dado geográfico – e isso é fato relevante em um filme tão comprometido com uma apreensão local do mundo.

É pena que haja preocupação excessiva em caracterizar a jornada de Joãozinho como odisséia, nos sucessivos encontros dele com cuiabanos. Tangará questiona a relação entre homem e sistema, mas prescinde de humanizar personagens e trabalha com arquétipos, com rascunhos de personagens. com estereótipos da miséria ética e da agressividade social. Não dá aos personagens muitas chances de parecerem o que são e o que ele quer que pareçam: gente.

A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS (Brasil, 2005). Dir.: Amauri Tangará. Com Diego Borges, Izabel Serra, Waldir Bertúlio, Renan Dimuriez. Estréia nesta sexta-feira no Unibanco Arteplex 7. Duração: 80 minutos. Classificação etária: livre.




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