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Procura-se pai para 22 mil órfãos
Rodrigo Cipriano
Do Diário do Grande ABC
13/08/2006 | 08:30
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Uma entre cada 14 crianças não traz o nome do pai na certidão de nascimento. A estimativa é da Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo) e tem como base um levantamento feito junto aos alunos matriculados na rede estadual de ensino da Capital. Trazido para o Grande ABC, esse universo beira 25,2 mil crianças – volume equivalente a um quinto de toda população de São Caetano.

O número é apenas um indicativo dessa realidade na região. O índice é alto e, mesmo assim, desconsidera alunos das redes municipal e privada. Ignora ainda aqueles que não atingiram a idade escolar ou a ultrapassaram.

Em casa, o principal reflexo da ausência paterna é a baixa auto-estima da criança. "O fato de um pai ser falecido é algo concreto. Apesar de difícil, essa ausência é melhor assimilada do que a rejeição. Quando isso acontece, a criança não se sente amada, não se sente querida. Fica como se fosse uma lacuna", acredita Maria Regina Domingues Azevedo, psicóloga do Laboratório de Ebiatria (especilista em adolescentes) da Faculdade de Medicina do ABC.

A única pesquisa que lança um olhar concreto sobre essa realidade no Grande ABC foi feita em São Bernardo pela Secretaria Municipal da Educação. O primeiro levantamento, feito a pedido do Ministério Público em dezembro de 2004, constatou que 3 mil crianças não tinham o registro do pai. "Ficamos assustados com o resultado. Pedimos o estudo porque vez ou outra apareciam casos aqui no Ministério Público de mães que queriam regularizar a situação dos filhos. Em muitos casos, os pais acabavam assumindo as crianças, reconstruindo um lar desestruturado. É um resgate de dignidade importantíssimo para criança. Achamos que com o levantamento, teríamos uns 300 casos", afirmou o promotor de Família e da Corregedoria dos Registros Públicos de São Bernardo, Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer.

O resultado deu origem a uma campanha-piloto em três escolas públicas da cidade. Os bairros escolhidos foram as vilas Gonçalves e Marlene, na região central, e o Taquacetuba, periferia no entorno do Riacho Grande. Os resultados do piloto não foram divulgados pela Prefeitura de São Bernardo.

A Secretaria de Educação fez novo levantamento nas escolas da rede municipal no início do ano. Usou a mesma metodologia da análise anterior e, para o espanto, o número saltou de 3 mil para 6,4 mil crianças – aumento de 113%. Considerando-se que a rede municipal de São Bernardo conta com 90 mil alunos, o percentual de crianças sem registro de paternidade na cidade é de 7% – o mesmo identificado pela Prodesp na pesquisa feita com os alunos da rede estadual na Capital.

Não se sabe a explicação para um crescimento tão significativo num espaço tão curto de tempo. A Prefeitura vai utilizar os dados para uma campanha de reconhecimento de paternidade, que será posta em prática a partir de quinta-feira. Campanha desenvolvida com o Ministério Público, a Secretaria de Estado da Educação, a Fundação Criança Prioridade 1 e a Faculdade de Direito de São Bernardo. A expectativa é de que até dezembro, 30% dos casos de ausência de paternidade no município sejam resolvidos. Ou seja, que os pais assumam seus filhos.

Todas as mães cuja as crianças se encontram nessa situação serão convocadas pela diretoria da escola em que os filhos estão matriculados. "Vamos perguntar se ela tem interesse em colocar o nome do pai da criança no registro do filho. Se tiver, é feita uma declaração e, caso o pai concorde em assumir a criança, o documento é enviado para o cartório onde é refeita a documentação do aluno", afirmou a secretária municipal da Educação, Neide Felicidade.

Caso o pai não assuma a paternidade, a mãe é encaminhada para o serviço de assistência judiciária da Faculdade de Direito de São Bernardo, onde receberá o acompanhamento de um advogado para ingressar em uma ação na Justiça para conseguir o reconhecimento. No processo, pai e filho são obrigados a fazer o exame de DNA. A probabilidade de acerto do teste é de 99,99%. Tudo é feito de forma discreta e, sem que os envolvidos gastem um tostão sequer do bolso.

O único problema é que a fila de espera para o exame é de aproximadamente nove meses. No ano passado, o Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo) – autarquia subordinada à Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania – realizou 8.393 exames gratuitos de DNA em todos os 365 municípios paulistas. O volume representa um terço de toda a demanda estimada no Grande ABC.

O Imesc também é o órgão de referência para realização de exames de DNA nas demais cidades da região – sempre quando há exigência judicial. Na prática, a campanha que será lançada em São Bernardo não altera os processos já aplicados hoje, mas os aproxima da população que deles necessita. "Mas o importante desse processo é que o reconhecimento de paternidade não fique restrita ao campo legal. Ninguém pode ser obrigado a gostar de uma pessoa. Só pagar uma pensão (alimentícia) para não ser preso. Um cheque não diz nada. Agora, o amor, o carinho, isso não tem preço", afirmou a psicóloga Maria Regina Azevedo, da Medicina do ABC.




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