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Comida com cheirinho de boa lembrança

Alunos adultos da Emeief Prof.Antonio Virgilio Zaniboni estimulam memória com receitas

Por Mirela Tavares
Do Diário do Grande ABC
06/12/2011 | 07:00
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A professora Luisa Paula da Silva Camillo gosta de ouvir e tem paciência de perder de vista. Já os seus 15 alunos do curso de Ensino para Jovens e Adultos da Emeief Professor Antonio Virgilio Zaniboni, no Jardim do Estádio, em Santo André, adoram falar. A combinação não poderia ser melhor para o projeto Os Sabores da Memória, desenvolvido por Luisa. "Com média de idade entre 70 e 80 anos, eles têm muita história para contar. Percebendo isso, eu aproveitei para explorar a oralidade deles, as questões da Língua Portuguesa, como eles organizam o pensamento, a coesão e a coerência do que falam e escrevem", explica a professora.

Aproveitando-se de outra coisa que eles gostam muito, receitas de comida, ela procurou estimular a memória deles e fazê-los relembrar dos pratos preferidos que experimentaram ao longo da vida. Ela afirma que tomou como inspiração frase que os alunos mais velhos repetem sempre: "O gosto não é mais o mesmo", diz a professora.

"Elencando as histórias às receitas fizemos um livro virtual com os depoimentos de cada um", conta Luisa. Antes disso, fizeram pesquisas coletivas na internet, discutiram em grupo as escolhas individuais, contextualizaram os pratos no período em que vivíamos e compararam as diferenças do preparo de hoje para o de antigamente.

O resultado foi a apresentação do livro virtual, exibido por meio de projeção para toda a sala e até mesmo para turmas do Ensino Infantil que têm aulas no mesmo horário, em salas ao lado. "É muito importante essa convivência e esse respeito entre adultos e crianças", salienta a diretora Dalva Elisabete Depizol Castilho.

E a convivência é próxima mesmo. Diariamente Bruna e Brenda, 9 e 8 anos respectivamente, vão para a aula acompanhadas da bisavó Olímpia de Souza, 80 anos, que faz parte da turma do EJA. "Eu adoro a minha avó", diz Bruna, que garante ajudá-la nos estudos em casa. A coisa não parece ser bem assim, segundo dona Olímpia, que ouve comentário da bisneta entre risadas, mas certamente o convívio entre elas é muito participativo.

Participação também não falta quando se trata da interação entre os mais velhos e os quatro portadores de deficiência mais jovens que compõem a turma. "Ele se acolhem muito", garante a professora, que acredita que esses relacionamentos contribuam para o melhor aprendizado de todos. O resultado para a professora é visível. Ela afirma que ao longo dos trabalhos eles melhoram muito o discurso, apresentando mais coerência das ideias, menos repetição e demonstrando mais interesse nas atividades.

A aluna Tereza das Dores Soares, 59 anos, é um exemplo. A sua escolha de prato preferido foi o bolo de fubá que ela se deliciava no interior, onde morava. "Na verdade, a gente chamava de roça e toda a receita era diferente de como é feito hoje." A receita nem adianta dar, pois faltaria o forno a lenha, farinha de fubá moída na hora, troca de fermento pelo que ela chama de goma (polvilho) e o uso da banha e não do óleo. "Ninguém consegue mais fazer como era e esses de hoje não têm gosto de nada", garante. Palavra de quem tem experiência.

Crianças se desenvolvem por meio da música

A Emeief Paranapiacaba, em Santo André, fica em local que um dia foi símbolo dos tempos modernos que estavam por vir. A Vila Inglesa de Paranapiacaba nasceu para abrigar as residências dos trabalhadores da SP Railway, no século 19.

A ferrovia era responsável por transportar café e passageiros que iam do Interior de São Paulo para Santos. Em 1982 as máquinas pararam e o patrimônio foi para a União. Em 2002, a Prefeitura de Santo André assumiu a vila e a ferrovia foi parar nas mãos do consórcio MRS para transporte de carga. E é parte dos filhos dos trabalhadores dessa empresa que a única escola de Ensino Fundamental do primeiro período que existe no local atende. A outra parte vem da Vila Campo Grande, distante dez quilômetros.

A professora Michele Vilcinski da Silva é responsável pela turma do 1º ano, com idade entre 6 e 7 anos. Entre eles, quatro alunos com dificuldade intelectual a preocupavam. "Um deles tem síndrome de Asperg. A pessoa com esse problema tem um intelecto que vai além do normal, mas não socializa". Michele percebeu que só havia uma linguagem que considerava universal para lidar com a diversidade de perfis com que estava convivendo: a música. "Toda vez que trazia a música para a sala, as crianças mostravam interesse e os alunos de inclusão reagiam", explica. Da observação nasceu o projeto Roda de Música - Bandinha.

Os trabalhos começavam com roda no pátio da escola para favorecer a acústica e a percepção dos alunos. Antes de soltarem a voz, todos aprenderam que as cordas vocais também são exercitadas com o objetivo de ficarem ‘quentes' e limpas. E inflar a bochecha fortalece a musculatura do rosto. A professora mostrou ainda os diferentes timbres que podem ser emitidos na hora de cantar. A primeira canção ensaiada foi Atirei o pau no gato.

Para que a roda não ficasse à capela, o próximo passo foi o de introduzir no ambiente as quatro famílias dos instrumentos musicais. Flauta - ao contrário do que a maioria pensa -, não tem como parente os metais, mas a madeira; tambor e chocalho são percussivos; violão, violino e até o piano são da família dos instrumentos de corda; na casa dos metais moram as trompas, trompetes, trombones e tuba.

Pela possibilidade de exploração que o instrumento proporciona - timbre ritmo - o chocalho foi o instrumento escolhido para ser produzido pelos alunos. Na primeira apresentação para a comunidade o repertório do show tinha a mesma música com duas versões. Atirei o pau no gato ganhou letras com objetivos sustentáveis: "Não atire o pau no gato-tô / Porque isso-sô /Não se faz, faz, faz / Porque o gato-tô /É nosso amigo-gô /Não devemos maltratar os animais / Miau!". E o chocalho tremeu!

A professora enumera os benefícios obtidos ao aplicar a atividade musical: "O primeiro foi o controle de ansiedade de cada um. A música automatiza certos comportamentos, quando estão em roda ficam em silêncio.

Houve avanços na alfabetização da Matemática e da escrita. Ganhamos um ano de escola porque temos alunos que já estão alfabéticos com 6 anos.", comemora. (Selma Viana)




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