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Silvia Regina critica as ‘Marias do Apito’
Anderson Rodrigues
Do Diário do Grande ABC
10/12/2007 | 07:17
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Na gíria do futebol, ‘Maria Chuteira’ é a mulher que corre enlouquecida atrás de jogadores em busca de sucesso. Dentro desse meio, agora, surge a ‘Maria do Apito’: menina que busca a fama por meio da arbitragem. “Elas querem estrear no Morumbi e, na semana seguinte, sair na Playboy”, revela Silvia Regina, que encerrou, na semana passada, a carreira como árbitra aos 42 anos.

A mauaense rompeu o preconceito na década de 1980 ao se tornar a pioneira do apito. Entrou de cabeça num mundo machista. Seu início foi na várzea, seu maior aprendizado ocorreu nos torneios femininos e sua glória foi atuar em jogos profissionais masculinos – Campeonato Paulista e até Copa Sul-Americana.

Silvia integrou o quadro de arbitragem da FPF (Federação Paulista de Futebol), da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e da Fifa (Federação Internacional de Futebol). Mas chegou a hora de pendurar o apito. “Vou para uma outra fase da minha carreira”, conta.

Com o primeiro tempo encerrado, Silvia quer ensinar as regras. “Vou mostrar aos homens que mulher entende sim de futebol”, diz a primeira instrutora certificada por um programa inédito da Fifa – chamado Futuro 3, criado para profissionalizar (reciclar e formar) a arbitragem pelo mundo.

Silvia abriu as portas de seu apartamento em Santo André para relembrar um pouco de seus 27 anos de carreira e falar sobre o universo feminino da arbitragem, agitado após o caso Ana Paula Oliveira, que posou nua, foi afastada dos gramados e interferiu no dia-a-dia das companheiras de profissão. Abaixo, trechos da entrevista concedida ao Diário.

DIÁRIO – Como foi a reação dos homens ao ver pela primeira vez uma mulher no apito?
SILVIA REGINA – A reação era de espanto. Na década de 1980, a visão era de que uma mulher nem podia entrar para assistir a um jogo. Imagine apitar! Os jogadores viram como uma coisa de momento, que um dia iria passar. Fiquei 27 anos na profissão.

DIÁRIO – Você apitou muitos jogos amadores antes de chegar ao profissional. Teve alguma situação de risco?
SILVIA – Felizmente, nunca passei por estes sufocos que os árbitros homens sofrem. Dizem que para virar árbitro tem de sair de camburão (escoltada pela polícia). Então nunca fui árbitra.

DIÁRIO – Como foi ser a primeira mulher do apito e romper o preconceito?
SILVIA – As pessoas que vêem de fora acham que é uma carreira árdua, cheia de pedras e de desbravamentos. Não tive preocupações com este tipo de coisa (preconceito). Simplesmente fui apitando, conquistando meu espaço.

DIÁRIO – Mas não existe preconceito?
SILVIA – Acho que não. É diferente ver uma mulher apitando. Existem comentários, mas nunca levei isso a sério.

DIÁRIO – Já foi encarada por jogadores?
SILVIA – Percebo que eles são mais dóceis. Claro que reclamam. Mas não chegam a empurrar, xingar como fazem com os árbitros homens. Não é que eles tenham mais respeito. Acho que é medo. Isso era uma vantagem, principalmente para quem apita. Sabem que a árbitra tem poder.

DIÁRIO – E a torcida...já xingou muito sua mãe?
SILVIA – Não. Era direto comigo (risos). Torcedor é assim mesmo, infelizmente é cultural.

DIÁRIO – Você foi uma das pioneiras na arbitragem e hoje caminha para ensinar a profissão. Como você analisa o crescimento e o desenvolvimento das mulheres no apito?
SILVIA – Tem muitas mulheres que procuram o curso de arbitragem. O problema é que existem muitas vislumbradas com isso. Acham que vão estrear no Morumbi e que, na semana seguinte, vão sair na Playboy. Mas basta fazer uma partida em Araçatuba, por exemplo, para saber o que é um jogo de futebol. Talvez as mulheres ainda não perceberam a importância de ser uma árbitra, da responsabilidade, de tudo que você tem de deixar de lado, como a família e a profissão. Elas acabam achando que é fácil e desistem... É difícil encontrar uma mulher que goste tanto de futebol.

DIÁRIO – Você citou a Playboy referindo-se à Ana Paula Oliveira, assistente que posou nua na revista. Qual sua opinião sobre a atitude dela e o que ficou de lição?
SILVIA – A mulher que pensa que pode conciliar sua exposição pública com a arbitragem está muito enganada. São duas linhas impossíveis de serem seguidas juntas. Tanto que prejudicou a carreira dela. Não dá para abraçar tudo. A lição que ficou é essa: ou é árbitra ou modelo de revista.

DIÁRIO – Essa história prejudicou outras meninas?
SILVIA – Sim, principalmente as mulheres que continuaram a atuar. Depois que ela saiu na revista, as outras seguiram em campo, no trabalho. E os comentários cresceram: botaram todas numa mesma panela, dizendo que estávamos apitando com segundas intenções, o que não é verdade.

DIÁRIO – Com sua carreira de árbitra encerrada, agora você deixa o campo e passa a ser instrutora da Fifa. Será um novo choque ensinar homens?
SILVIA – Acho que não. Eles estão acostumados a ver mulher em campo. Também sabem que conheço bem a regra do jogo, fui primeiro lugar nos cursos que fiz e sei passar a técnica (é professora de Educação Física da Prefeitura de Santo André).

DIÁRIO – Mas não existe a mística de que mulher não sabe nada de futebol?
SILVIA – Nenhum árbitro, nenhum homem sabe tudo da regra, já que é muito interpretativa. Mas um instrutor é visto como aquele que sabe tudo. Essa vai ser minha responsabilidade, de estar atenta às mudanças e estudar tudo sobre as regras do futebol.




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