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Após dez anos, traumas do caso Eloá persistem

Passada uma década do trágico caso, familiares e amigos ainda sofrem e tentam fugir do assunto

Por Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
18/10/2018 | 07:00
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Tiago Silva/Arquivo DGABC


 O mais longo cárcere privado – 100 horas – da história de São Paulo mudou a vida e ainda causa traumas em quem esteve, de alguma forma, ligado ao sequestro. Há exatamente dez anos, a jovem Eloá Cristina Pimentel, 15 anos, teve sua morte cerebral confirmada após ser atingida por um tiro na cabeça disparado pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves, na época com 22 anos, enquanto o motoboy a fazia refém.

Passada uma década, moradores revelam dramas pessoais vividos por eles após o trágico desfecho do caso. Da porta do apartamento número 24, o terceiro de baixo para cima do bloco 24 da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), no Jardim Santo André, onde ela morava, praticamente não houve nenhuma mudança daquela vista por boa parte da população brasileira, que, aflita, acompanhou o caso pela televisão.

A entrada do Diário ao condomínio foi autorizada por um morador do conjunto, que, após expulsar a equipe em um primeiro momento, pediu rapidez durante as entrevistas. “Ninguém quer mais falar disso. Só queremos esquecer esse episódio”, disse.

Dona de casa, Daniela Cristina de Souza, 33, mora desde março de 2009, junto com filho e marido, no apartamento onde tudo aconteceu. Um dia antes de Lindemberg invadir a sala da adolescente, a dona de casa viveu um drama pessoal, a menos de um quilômetro do conjunto habitacional, quando seu barraco desabou. Em 2015, disse ter ali seu “primeiro lar próprio”. Ontem, optou por evitar falar no assunto sob justificativa de que comentar sobre o caso “não era uma situação confortável”.

Apesar de o episódio completar dez anos hoje, familiares dizem manter um ritual. Todos os meses realizam visitas ao Cemitério Memorial Santo André, onde Eloá foi enterrada. “É uma forma de superar essa dor e trauma que ainda não passaram”, desabafa Everaldo Pereira dos Santos, 54, pai da jovem.

Em liberdade desde agosto de 2014, após cumprir cinco anos de prisão por integrar grupo de extermínio em Alagoas, ele conta que, mesmo após dez anos, a família ainda não conseguiu se conformar com o desfecho do caso. “Até hoje não conseguimos passar na frente do apartamento, mesmo sendo perto da nossa nova casa”, revela, ao confessar ainda o drama pessoal enfrentado por sua mulher, Ana Cristina Pimentel, 53. “Ela está muito abalada, mais do que o comum. Essa data não tem sido fácil.”

A imagem desesperada da adolescente Eloá em uma das suas aparições durante o cárcere ainda surge com frequência na memória dos vizinhos. “A energia desse lugar nunca mais foi a mesma”, desabafa vizinha, que não quis se identificar.

Nayara Rodrigues Vieira, outra vítima do crime, ganhou no mês passado na Justiça processo de indenização no valor de R$ 150 mil, contra o governo do Estado, por danos morais, materiais e estéticos. Ela foi baleada no rosto, teve ossos da face fraturados e passou por cirurgias de reconstrução. Desde o episódio, no entanto, tem adotado postura de não comentar mais o caso, assim como Iago Vilera e Victor Lopes, os outros dois jovens que foram feitos reféns na época.

Por meio de nota, a Procuradoria-Geral de São Paulo afirma que o Estado interpôs recurso especial contra o acórdão e aguarda julgamento.

Lindemberg foi condenado em fevereiro de 2012 a 98 anos e dez meses de reclusão pela morte de Eloá e outros 11 crimes. Entretanto, em junho de 2013 sua pena foi reduzida para 39 anos e três meses, em regime fechado, podendo ser beneficiado com o semiaberto dentro de três a cinco anos.

 

POUCO AVANÇO

Embora o País tenha sancionado, em março de 2015, a Lei do Feminicídio, especialistas afirmam ainda ver poucos avanços no que diz respeito à proteção de mulheres expostas a situações como a de Eloá. “A legislação está fortalecida, mas desde então pouco mudou no aspecto social, que é na verdade o que precisa ser mudado”, afirma Vladimir Balico, especialista em Direito Penal da Faculdade de Direito de São Bernardo.

“É necessária uma mudança de comportamento da sociedade, que ainda desvaloriza as mulheres. Os casos de abuso em relacionamento só irão mudar com orientação nas escolas e nas próprias famílias”, enfatiza o professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alexis Couto de Brito.




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