Setecidades Titulo
Medo da polícia força toque de recolher às 19h em favelas do ABC
Por Marco Borba
Do Diário do Grande ABC
21/05/2006 | 08:10
Compartilhar notícia


A onda de terror que tomou as ruas de São Paulo nos últimos dias submeteu ao confinamento moradores de áreas como as favelas do Montanhão e Jardim Farina (São Bernardo), Sítio dos Vianas e Núcleo Tamarutaca (Santo André) e Morro do Samba (Diadema). Não bastassem os rotineiros toques de recolher impostos por líderes do tráfico, agora as famílias se trancam mais cedo em seus lares e o comércio baixa as portas assim que cai a noite pelo medo das investidas policiais em resposta às ações criminosas. Por volta das 19h, os moradores evitam ficar nas ruas e só saem se for estritamente necessário.

Entregues à própria sorte, essas comunidades estão assustadas e falar do conflito parece assunto proibido. Até sexta-feira, o balanço era de 107 suspeitos mortos pela polícia. A Rota e o Choque, grupos de elite da polícia conhecidos pela truculência, estão nas periferias das cidades. A população se esquiva e não se arrisca dizer que a polícia esteja usando força excessiva ou vingando a morte de seus homens nas favelas.

Os que se manifestam, o fazem com a condição do anonimato ou da identificação por meio de nomes fictícios. Temem possíveis represálias, da polícia ou de mesmo de líderes de facções locais.

"Eles (policiais) têm de se defender, fazem o trabalho deles. São pagos para isso. Mas aqui a gente não pode nem falar com a polícia", disse em tom de voz quase inaudível uma manicure da favela Tamarutaca. A frase é a senha indicando que o silêncio é necessário para quem quer ficar em paz com "os dois lados".

A única moradora que aceitou dar as iniciais do nome, a autônoma V.S., 45 anos, mora há 16 no Montanhão. Ela disse que as ruas do bairro estão mais silenciosas. "Não há agressão de uma parte nem de outra (polícia e criminosos)." "A vida da gente já é difícil com a polícia, sem ela é pior", emendou outra senhora, enquanto bordava.

Aos poucos, a conversa ganhou novos contornos com a aproximação de outra moradora. "Está todo mundo errado nessa matança (policias e criminosos). Independente de quem esteja no comando (da polícia ou de facções), o fato é que quem mora em favela é que sofre. É logo visto como suspeito. O problema é político. Esses moleques saem da escola e ficam na rua sem ter o que fazer. Se tivéssemos aqui no bairro um centro esportivo, estariam ocupando o tempo com algo útil", disse a anônima, apontando dois garotos com idades entre 10 e 12 anos que se aproximaram para ouvir a conversa.

No Morro do Samba, local onde em junho do ano passado cinco homens foram mortos em suposto conflito com policiais civis, moradores disseram que no sábado, véspera do Dia das Mães, por volta das 22h, a polícia deixou a população em pânico. "Era festa de aniversário de uma criança e algumas pessoas estavam na rua. Policiais (não diz se PM ou Civil) estavam atrás de um suspeito e entraram na favela atirando", contou Rogério (nome fictício). Com o rosto coberto por uma camiseta, indicou um muro com marcas de tiros supostamente disparados pelos policiais. Na ação, o rapaz que estava sendo perseguido teria sido preso com drogas.

Um pouco mais adiante, em um dos becos apertados da mesma favela, outra moradora, que diz não ter "nome nem vulgo", emendou. "Foi o único dia em que houve certo rigor. A polícia tem de fazer o trabalho dela. O que não pode é prender inocentes." "Tráfico tem em todo lugar. Todos sabem. Não se pode achar que a pessoa é bandido só porque mora em favela", completou outro anônimo que espreitava a conversa de populares com a reportagem.

No Jardim Farina, as poucas pessoas que estavam nos portões de suas casas na tarde da última quinta-feira deram as costas para o assunto, preferiram o silêncio habitual. No Sítio dos Vianas, a frase de uma estudante resumiu o sentimento coletivo: "Na periferia a gente não existe. Temos medo dos dois lados".




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;