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Wim Wenders, um especialista em alienígenas existenciais
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
08/05/2006 | 08:29
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Interessante saber que os filmes mais recentes de Wim Wenders e Jim Jarmusch tratem da paternidade como elixir da redescoberta. São, ambos os diretores, detetives da geografia norte-americana e da adoção da mesma como recipiente de processos de interiorização de seus cidadãos. O alemão Wenders, estrangeiro artisticamente radicado na América do Norte, está em cartaz em São Paulo com Estrela Solitária, sobre um pai em busca do filho desconhecido; o nova-iorquino Jarmusch teve recentemente lançado em DVD seu Flores Partidas, sobre um pai em busca do filho (adivinhe!) desconhecido. Obras distintas, com propósitos distintos, mas comuns (e muito) em determinados pontos.

Aproximar Jarmusch e Wenders talvez seja um impulso para tentar sintonizar-se com o estado de coisas (a propósito, expressão que intitula outro filme do alemão); um item de primeira necessidade na lista de Wenders, mesmo quando este parece fora de sintonia com seu tempo.

Estrela Solitária é bastante previsível dentro da filmografia do cineasta alemão. Um ex-astro de faroestes (Sam Shepard, dramaturgo e ator) resolve desatarraxar as esporas da carreira. Larga o emprego, que já não lhe inspira aquela satisfação de outros tempos, objetivo no qual também falham o álcool e a poligamia cultivados nos últimos anos. Decide buscar o filho que desconhece, naquilo que parece com a tal busca de sentido na vida, expressão que talvez seja mais fiel se atribuída ao filme de Jarmusch, no qual o personagem de Bill Murray busca em seu passado (que bem poderiam ser as entranhas de um país desorientado) uma razão que o êxito profissional não foi capaz de lhe oferecer.

Não é exatamente a procura de um sentido na vida que Wenders empreende. Sua busca é mais um questionamento, de saber se aquilo que um dia representaram os Estados Unidos – sobretudo para estrangeiros, aos quais o país pode representar mais um signo, um resumo iconográfico, do que propriamente uma terra, um lar, um espaço físico, um abrigo – não perdeu a validade nos dias de hoje. O faroeste deixado para trás é signo do obsoleto que o personagem de Shepard abandona, embora o chapéu característico ainda lhe enfeite a cabeça (o paradoxo da transformação, de mudar a rotina sem a capacidade de desvencilhar-se dos hábitos). Boa parte da obra de Wenders expõe esse desejo de localização, de pertencimento a uma realidade, a uma geografia, a uma sociedade, ou, mais agudamente, a uma família. O próprio desfecho do documentário Buena Vista Social Club (1999) é testemunho de que apenas o reconhecimento da terra prometida do showbiz é capaz de elevar aos céus os músicos cubanos retratados. Só são visíveis no mapa, mesmo que tenham décadas de carreira e uma história de contribuições contínuas para sua cultura local, se o itinerário incluir o Carnegie Hall, em Nova York. Eis o tal do pertencimento, a idéia de que o globo é cômodo mais digno e confortável para freqüentar que a vizinhança.

O cinema de Wenders, e a relação entre retidão formal e o conteúdo tecido a partir dos excludentes, perdeu força. Esse paradoxo entre forma e conteúdo talvez ajude a entender a mudança de relevância entre Paris, Texas (1984), Meu Amigo Americano (1977) e até o monótono Asas do Desejo (1987) e os recentes O Fim da Violência (1997), O Hotel de um Milhão de Dólares (2000) e Buena Vista. Filmes que, invariavelmente, contam com alienígenas sociais e/ou existenciais.

A busca por um lugar ao sol, com personagens de alguma forma castrados nos ambientes em que se encontram e que submetem-se a um processo de migração que geralmente independe de seus desejos, parece não mais fazer sentido em uma obra (a de Wenders) que consolidou-se, tornou-se marca registrada, acomodou-se e carece de nova direção a seguir. O ex-caubói representado por Shepard talvez seja o próprio Wenders, um homem fora de seu contexto, desiludido com o cinema (e que veicula uma ameaça de que pode largá-lo quando assim lhe der na telha) e procurando pela cria que concebeu anos atrás e que não sabe como amadureceu. Quem precisa de um lugar ao sol agora é o próprio cineasta, com ou sem o “amigo americano” Shepard.






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