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Lisboa de cima para baixo
Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
29/04/2010 | 07:00
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Primeiro, os portugueses aventuraram-se ao mar e descobriram o Brasil. Passados mais de 500 anos, são os brasileiros que agora refazem o trajeto atlântico (desta vez, por ar) para desvendar os encantos da terra do fado, do azeite, das grandes navegações expressas pela pena de Camões, dos doces conventuais, de castelos templários e de um povo que, a despeito das piadas, conhece muito do Brasil. Só o aeroporto da capital, Lisboa, viu o número de visitantes verde-amarelos saltar para 220 mil nos primeiros dois meses do ano - crescimento de 20% em relação ao mesmo período de 2009 e que nos coloca em segundo lugar na lista dos países que mais emitem turistas para a Terrinha, atrás apenas da vizinha Espanha.

E olha que a cidade também tem estado em alta entre os europeus: na última edição do World Travel Awards (espécie de Oscar do turismo internacional), Lisboa foi eleita a melhor cidade turística da Europa por aliar sua tradição histórica à modernidade das grandes metrópoles, além de receber os prêmios de melhor destino para city breaks e para cruzeiros.

Neste mês, novo reconhecimento: a Associação dos Consumidores Europeus elegeu a capital portuguesa, entre dez cidades concorrentes, como o Melhor Destino Europeu 2010. Os critérios de escolha contemplaram itens como qualidade de vida, infraestrutura e oferta cultural.

Mas nenhum europeu se sente tão em casa quanto os brasileiros. E não é para menos: além de não tropeçar tanto no idioma como em outras partes do Velho Continente - embora o acento (sotaque) de alguns portugueses torne o diálogo, vez ou outra, confuso -, com o passar do tempo o turista tupiniquim percebe que, a exemplo de Cabral, está em porto seguro, mesmo mergulhando em mares nunca dantes navegados.

Basta olhar à volta para confirmar a impressão de familiaridade. Enquanto paulistanos fazem compras na Rua Augusta lisboeta, cariocas podem tomar um chope nas mesas espalhadas pela esplanada ou passear por calçadões com traçado de ondinhas em preto e branco idênticas às da praia de Copacabana (sim, foram eles que inspiraram a marca registrada da mais famosa praia da Cidade Maravilhosa).

Nada se compara, entretanto, à semelhança com Salvador. Suas construções históricas e ruas estreitas fazem das caminhadas entre os bairros um sobe e desce sem-fim, praticamente impossível de ser empreendido sobre um par de sapatos altos. Para encarar as ladeiras, assim como na capital baiana, Lisboa conta com um elevador, o da Santa Justa, que liga a parte Alta à Baixa da cidade.

E basta um breve passeio para constatar que, apesar dos quilômetros de oceano que nos distanciam, nós, brasileiros, mesmo os que não possuem uma única gota de sangue lusitano nas veias, temos mais semelhanças com os Joaquins e Marias de nossas anedotas do que supõe a nossa vã filosofia humorística.

Outra característica marcante é o contraste entre o velho e o novo. Não, não me refiro aos reservados senhores portugas com seus netinhos, e sim às construções. No Centro, tudo é muito antigo, desde os edifícios até os chamados elétricos (bondes), que parecem pouco se importar com as injeções de capital que modernizaram o metrô e revitalizaram as velhas docas, hoje transformadas em redutos de música tecno madrugada adentro.

A sensação é de estar no século 18. Até que, num certo dia, você toma o metrô com destino ao Parque das Nações e desembarca em pleno século 21. Projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza para servir de sede à Expo 98, o bairro reúne tudo o que há de mais moderno em Lisboa: prédios de arquitetura despojada, teleférico, cassino e o Oceanário, considerado o maior conjunto de aquários da Europa e o segundo do mundo.

Para lembrar o tema do evento - Água: um banho a preservar -, tudo lá esbanja água e tecnologia, desde o banheiro até o semáforo. Não à toa, o projeto fez do até então decadente Parque das Nações o bairro mais caro da capital.

SÃO JORGE - De volta ao passado, aproveite as vantagens da lei da gravidade e comece a explorar Lisboa de cima, pelo Castelo São Jorge - um bom lugar para traçar o resto do roteiro diante da incrível vista panorâmica da Baixa, com o Tejo ao fundo, que a construção proporciona.

Após reconquistar Lisboa dos mouros em 1147, Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, mandou construir o castelo no topo de uma colina para servir de palácio real. Hoje, seus inúmeros terraços servem de mirante aos turistas e proporcionam fotos dignas de cartão-postal.

A construção pertence ao bairro de Alfama, o mais antigo de Lisboa, onde também se encontra a Catedral da Sé, com claustro, ruínas romanas e, em uma das capelas, a pia onde o casamenteiro Santo Antônio foi batizado. Isso mesmo: embora todos pensem que ele é de Pádua (Itália), foi em Lisboa que o santo nasceu.

Depois, siga para a Baixa, visite a Praça do Rossio - onde repousa a estátua do nosso dom Pedro I (dom Pedro IV para eles) - e, por fim, a do Comércio, de onde partem os bondes, ônibus, metrô e as barcas que atravessam o rio em direção à margem Sul e que, no passado, funcionavam como ponto de desembarque de reis e embaixadores rumo ao Palácio Real.

Também é na Praça do Comércio que se contempla o arco da Rua Augusta, arremate final do projeto de reconstrução da Baixa empreendido pelo Marquês de Pombal após o terremoto de 1º de novembro de 1755, que matou mais de 15 mil pessoas e deixou metade de Lisboa em ruínas. Não só devido aos três abalos sísmicos que se sucederam em um intervalo de minutos, como também por causa do incêndio que se seguiu mantendo a cidade em chamas durante sete dias.

Mais de 20 igrejas desabaram - muitas ainda com fiéis a celebrar o Dia de Todos os Santos -, e quem fugiu para o Tejo a fim de escapar das labaredas foi surpreendido, uma hora mais tarde, por ondas gigantes que arrastaram pessoas, navios e alagaram toda a Baixa.

Pombal, no entanto, se encarregou de deixar tudo novinho em folha. Lisboa, aliás, parece ter vocação de fênix para renascer das cinzas ainda mais bela do que antes das tragédias.

Foi assim, também, com o badalado bairro do Chiado, que ressurgiu após incêndio em 1988 e hoje é considerado um dos pontos mais chiques do comércio lisboeta. Impossível não parar no café A Brasileira para tomar um guaraná importado e tirar uma foto ao lado da estátua de seu mais ilustre frequentador: o poeta Fernando Pessoa, aquele mesmo que tanto dificultou nossas sabatinas em sala de aula com sua infinidade de pseudônimos.




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