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Mauá registrou 14 mortes por soterramento desde 2002

Episódio mais marcante ocorreu em 2011, quando quatro pessoas perderam a vida no morro do Macuco

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
18/02/2019 | 07:00
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Daniel Tossato


 As duas ocorrências de deslizamentos registradas no Jardim Zaíra, em Mauá, na noite de sábado, deixaram quatro crianças mortas. Além dos irmãos Maria Heloísa dos Santos, 1 ano, e Miguel dos Santos, 9, enterrados ontem, em Santo André, José Henrique Santos da Vitoria, 7, e Guilherme dos Santos da Vitoria, 4, também irmãos, foram retirados sem vida dos escombros na madrugada, após terem sido soterrados.

Um dos casos foi observado na Avenida Cidade de Mauá, área do Zaíra 4. Os pais de José Henrique e Guilherme, Aponina Rosa de Jesus, 36, e José Santos da Vitória, 41, foram resgatados com vida pelas equipes do Corpo de Bombeiros e seguem internados. Segundo familiares. o pai, que foi levado para o Hospital Dr. Radamés Nardini, na Vila Bocaina, fraturou a perna. Já Aponina tinha estado grave de saúde até o fechamento desta edição. Ela estava internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André.

De acordo com a tia de José Henrique e Guilherme, Valdite Julia dos Santos Lima, 53, o irmão tinha acabado de chegar do trabalho – ele é motorista – quando aconteceu o desabamento. “Ele contou que em questão de segundos tudo caiu e ele já começou a gritar por ajuda”, disse.

José Henrique e Guilherme teriam corrido para se esconder embaixo da mesa da cozinha, no entanto, os dois foram encontrados separados, conforme a tia. “Eram meninos de ouro. O mais novo era muito inteligente e já sabia escrever o alfabeto todo na parede. Estamos arrasados”, contou Valdite, emocionada. O enterro dos garotos será às 8h de hoje, no Cemitério Santa Lídia, em Mauá.

DESPEDIDA

Os corpos de Maria Heloísa e Miguel foram enterrados no fim da tarde de ontem, no Cemitério do Curuçá, em Santo André. Familiares e amigos acompanharam o cortejo fúnebre, emocionados. Todos permaneceram em silêncio durante o sepultamento e finalizaram a cerimônia com salva de palmas.

Tia de Francisco Geovane Sales Masal, pai das crianças, a líder comunitária Isabel Sales, afirmou que a família havia comprado a casa, na Rua Ane Altomar, no Jardim Zaíra 6, há seis meses. Segundo ela, o sonho da mãe do casal de irmãos, Talita dos Santos Silva, 35, era sair do aluguel. “Essa pessoa que vendeu a casa para a Talita tem de saber que criminoso não é só quem mata, é quem vê a cena acontecer e não faz nada. Ele  certamente vai querer receber o dinheiro dessa mulher, que vai chorar a perda dos filhos pelo resto da vida. Agora, quanto vale uma vida?”, questionou.

Talita foi resgatada por vizinhos com ferimentos na cabeça e no ombro, bem como a filha mais velha, Tainá, 12, segundo o Corpo de Bombeiros. Durante o atendimento médico, ela descobriu que está grávida de três meses e, conforme familiares,  segue internada no Hospital Nardini. O pai das crianças também não foi ao enterro – estava sem condições emocionais. 

Tio de Talita, o químico aposentado Denival Francisco dos Santos, 67, também lamentou a morte dos sobrinhos-netos. “Eu não tinha chorado até ver o caixão das crianças. Os prefeitos e vereadores deixam as pessoas invadir terrenos nessas áreas de risco e deixam elas ao Deus dará. As pessoas vão empilhando as casas e, quando vem a chuva, leva tudo. As crianças, que estavam começando a vida, terem morrido por essa falta de responsabilidade é  revoltante.”

O sentimento de comoção pela pela perda das vidas em tragédia que poderia ter sido evitada era compartilhado por todos os presentes. “Ainda vão acontecer outras tragédias. O cenário é o mesmo, só mudam os personagens. Ou seja, é sempre o Jardim Zaíra”, desabafou Isabel.

Cidade teve 14 mortes desde 2002

Em período de 17 anos, a cidade de Mauá contabilizou 14 mortes em decorrência de deslizamentos de terra em áreas de risco. No ano de 2002, mãe e filha morreram em desabamento que destruiu pelo menos dez barracos no morro do Macuco, Jardim Zaíra, em Mauá – a dona de casa Elizabete Moraes Ramos, 23 anos, e a filha Ana Carolina, 5. Na ocasião, o acidente deixou 30 moradores desabrigados.

Um ano depois, a deslizamento de terra atingiu duas casas em um morro no Jardim Pajussara e a menina Jéssica Martins da Rocha, 3, morreu ao ser atingida pelas paredes da casa onde dormia. Sua mãe, avó e três irmãos sofreram escoriações, mas conseguiram sobreviver. Em 2009, a vítima fatal foi Caíque Rodrigues Alves, 16. Ele estava em imóvel que desabou na altura do número 1.404 da Estrada do Carneiro, Jardim Hélida. Outras duas pessoas também foram soterradas, mas os bombeiros conseguiram resgatá-las ainda com vida.

O episódio mais marcante da cidade ocorreu em 2011, quando quatro pessoas perderam a vida devido aos deslizamentos no morro do Macuco. Deise Trindade dos Santos, 34, e o filho Tauã, 11, morreram no local. Além deles, o estudante Paulo dos Santos, 16 , e o vizinho, o aposentado Marcos Marosticon, 58, não resistiram, após ficarem cobertos com mais de três metros de terra. Na ocupação vizinha, chamada Jardim Rosina, Jairo Garcia, 42, também foi vítima fatal após soterramento. Naquele ano, 500 pessoas ficaram desalojadas na cidade.

Em 1º de janeiro do ano passado, desmoronamento de residência no Jardim Kennedy matou o estudante André Naja Almeida dos Santos, 10.

Por fim, duas ocorrências de escorregamento de terra no Jardim Zaíra, neste fim de semana, deixaram quatro crianças mortas. O casal de irmãos Maria Heloísa dos Santos, 1, e Miguel dos Santos, 9, além de Guilherme dos Santos, 4, e José Henrique Santos, 7, foram as vítimas fatais.


Reportagem do Diário alertou sobre áreas de risco no município

A 11 dias do início do verão, em dezembro, período conhecido pela alta incidência de chuvas, reportagem publicada pelo Diário alertou sobre a existência de pelo menos 33 bairros do Grande ABC em lista de áreas vulneráveis a ocorrências de alagamentos e deslizamentos de terra, conforme mapeamento feito pelas equipes da Defesa Civil de três municípios – Santo André, São Bernardo e Mauá. A maior parte dos trechos que mereceriam atenção redobrada ficava exatamente em Mauá – 13.

Além de bairros como o Jardim Zaíra, onde ocorreram os deslizamentos que vitimaram fatalmente as quatro crianças no fim de semana, constam no mapeamento Cerqueira Leite, Pajussara, Itapark, Oratório, Magini, Jardim Ipê, Jardim Elizabeth, Jardim Eden, além de locais mais sujeitos a alagamentos, como Capuava, Centro e Cecília. O Jardim Kennedy, onde criança de 10 anos morreu no dia 1º de janeiro do ano passado, após escorregamento de terra, também segue na lista.

Os bairros têm em comum histórico de tentativas fracassadas por parte das administrações de retirada de moradores de áreas de risco ou de ações sem efeito para a drenagem da água pluvial, caso dos velhos conhecidos pontos de alagamento espalhados pela região.

No município andreense, levantamento coloca, além do Jardim Santo André, oito pontos como vulneráveis a diversos tipos de riscos, como de inundação, enxurradas, deslizamentos e solapamentos. Segundo o material, essas áreas estão concentradas no Jardim Irene, Vila América, Recreio da Borda do Campo, Cata Preta, Núcleo Espírito Santo, Sítio dos Viana, Vista Alegre e pontos próximos ao Rio Tamanduateí.

Já em São Bernardo, 11 regiões integram a lista de áreas de risco: Ferrazópolis, Vila São Pedro, Parque São Bernardo, Montanhão, Jardim Silvina, Areião, Riacho Grande, Batistini, Vila União, Alvarenga e Jardim Represa. 





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