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A filha do construtor de sonhos
Por Adriana Gomes
Do Diário do Grande ABC
02/04/2006 | 08:20
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Uma das minhas reminiscências de infância, muito longínqua, é da plataforma com as xícaras gigantes rodando com pais e filhos dentro. Na verdade, a única imagem clara que guardo da Cidade da Criança, pois, embora more em São Bernardo desde a primeira infância, fui poucas vezes ao parque. E isso foi há muito tempo. Na semana que passou, conheci Maria Leonilda Gnan, 50 anos, moradora do Baeta Neves cujo pai construiu a tal xícara maluca. A funcionária pública assistiu à montagem do brinquedo quando tinha "cinco ou seis anos". A mesma idade que eu tinha quando fui ao parque pela primeira vez, em 1974. Enquanto conversava com a Léo, pensava o quanto a vida é cheia de coincidências.

A filha de Guilherme Gnam, o torneiro mecânico mágico, morto há 28 anos, mora com a mãe e seis lindos animais de estimação, numa casa antiga repleta de bom astral. Ela conta que Guilherme, filho de italianos, costumava fabricar na oficina dos fundos da casa peças para metalúrgicas, entre outras empresas de diversos ramos, e que o jogo de xícaras enormes foi a única experiência dele na montagem de um brinquedo para parque de diversões. Como era muito criança à epoca, recorre à mãe, Nícia de Azevedo Marques Gnam, 88 anos bem vividos, para responder a outras questões. Por exemplo, se o pai teria se sentido orgulhoso com a encomenda do brinquedo.

"Ele ficou feliz sim. Eu me lembro que construiu o brinquedo com mais dois ou três ajudantes. Acho que um deles está vivo e mora em São Bernardo, mas não consigo me lembrar o nome dele", conta dona Nícia, lúcida e alegre. A felicidade do torneiro Guilherme não era para menos. Na época, a Cidade da Criança era cenário de gravação de cenas de novela famosa e recebia gente do Brasil inteiro. Era nossa minidisneyworld, mas com um charme bem brasileiro – referências à Amazônia, por exemplo.

A família guarda um bilhete do prefeito Hygino de Lima, do tempo em que os prefeitos espalhavam manuscritos de congratulações. De uma era mais romântica, o recado em questão dá boas-vindas aos visitantes na época da inauguração do parque. Guilherme Gnam, convidado ilustre, não pôde comparecer ao lançamento da xícara maluca, brinquedo que passou a funcionar aproximadamente um ano após a abertura da Cidade da Criança. Ele estava doente.

Depois de instalado o brinquedo, o torneiro mecânico era chamado periodicamente para fazer manutenção. Recentemente, por falta de manutenção, o parque foi fechado. Os antigos brinquedos, inclusive as xícaras gigantes, foram retirados. Agora, famílias como a Gnan aguardam a concretização de projeto grandioso da Prefeitura, que promete conservar as características principais do parque – afinal, o espaço é tombado pelo Patrimônio Municipal –, além de melhorar e ampliar a Cidade da Criança.

"Tenho dificuldade em acreditar porque ultimamente promessas não são cumpridas. No passado, a Prefeitura prometeu construir um espaço para jovens na área do mercado municipal do Paço, que foi lacrado e nunca mais reaproveitado. O velho prédio do Fórum da rua Kara está abandonado e, pelo que sei, foi até invadido. As obras da pista de skate andam devagar, e o lugar vive cheio de água empoçada. Agora, temo também pela Cidade da Criança", discursa Maria Leonilda, com a consciência herdada de uma família tradicional pelo amor à cidade. O avô materno de Léo, João Batista de Azevedo Marques, neto de portugueses, foi funcionário da área de Finanças por 35 anos, da São Bernardo que ainda pertencia a Santo André. Já dona Nícia pediu, no passado, o tombamento do antigo prédio da Câmara Municipal, na rua Marechal Deodoro, que hoje – preservado – abriga espaço cultural.

Sem entrar em detalhes sobre a xícara maluca, a Prefeitura informa que "os brinquedos dos permissionários retirados da Cidade da Criança foram encaminhados a um terreno contíguo ao piscinão do bairro Paulicéia". De acordo com a nota da administração municipal, "os brinquedos da Prefeitura serão todos reaproveitados". A Prefeitura garante ainda que todas as características do antigo parque serão mantidas, como a Prefeiturinha.




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