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Motoristas traumatizados no divã
Por William Novaes
Do Diário do Grande ABC
08/08/2011 | 07:00
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Eles são habilitados, têm carros à disposição, além de vontade gigantesca e necessidade de dirigir. Mas um trauma ou medo fazem inúmeras mulheres e poucos homens procurarem ajuda psicológica para quebrar a barreira invisível do pânico ao volante.

No mercado, as técnicas de ajuda são as mais variadas possíveis, e vão da hipnose às tradicionais aulas complementares em autoescolas. São necessários atenção e cuidado na hora da escolha dos profissionais, além da disposição para arcar com até R$ 425 mensais.

Quem investiu tempo e recursos nesse tipo de terapia diz que valeu a pena. Os motoristas traumatizados sofrem com o simples ato de pensar em dirigir. Os sintomas mais comuns são palpitação, suor excessivo, tremedeira e até diarreia. A maioria desiste e fica anos sem conduzir ou chegar perto do banco do motorista.

Nesses casos, o menos recomendado, no caso das mulheres, é pedir a ajuda dos maridos e companheiros, que podem aumentar ainda mais a angústia de quem tenta dirigir e não consegue. As clínicas oferecem até terapia em grupo, consultas semanais com profissional da área, além de aula prática com um acompanhante terapêutico.

"Essas pessoas precisam passar por tratamento. Não quer dizer que são doentes, mas é indispensável orientação que será muito útil não apenas na hora de dirigir, mas em toda vida", explicou a psicóloga Cintia de Carvalho Tatiyama, proprietária de clínica em São Bernardo.

A autônoma Raquel Aparecida Caldeira, 32 anos, decidiu encarar o tratamento. Sonhava em ter a liberdade de pegar o carro do seu pai e sair para passear sem depender de ninguém após conseguir a habilitação. Aos 29, foi até a autoescola, fez as aulas práticas, mas saiu de lá completamente travada. "Fiquei em pânico ao assistir a vídeos de acidentes exibidos no curso teórico. Só pensava que aquilo poderia acontecer comigo, não sei como consegui passar no exame prático", relembrou. "Já consigo sair e dirigir. Logo, logo vou passar por cima deste problema e seguir minha vida."

Instrutor há seis anos, Clovis Verissimo Matos, 55, se dedica a ajudar mulheres como Raquel a conquistar a independência ao volante. "Elas são ansiosas. Quando percebem que quem controla o carro são elas mesmas, é um passo muito grande. É como se o mistério fosse desvendado. E elas passam a encarar o processo com mais tranquilidade", explicou o profissional.

 

Mulheres buscam liberdade de ir e vir

O máximo que autônoma Raquel Aparecida Caldeira, 32 anos, conseguia fazer era entrar na garagem, abrir o veículo, virar a chave e ficar trocando as marchas com o carro parado. Ela passou os últimos três anos desta maneira, sem conseguir realizar o que mais queria. "Não saía de jeito nenhum", contou. Atualmente, a autônoma tem ajuda de psicólogos e condutor especializado.

O tratamento ainda está no começo, mas ela já quebrou a primeira barreira: mesmo que devagar e acompanhada por um instrutor, consegue dirigir pelas ruas calmas de um condomínio em São Caetano. A fase ainda é a de conhecimento do veículo. Depois, vai passar a pilotar em ruas mais movimentadas, para, em seguida, obter alta.

O acompanhamento especializado dura de três a dez meses. "A maioria chega aqui em pânico, com medo, considera o carro um monstro que só vai causar tragédias. Os motivos são os mais diferentes possíveis. No primeiro momento identificamos e buscamos mostrar um caminho mais tranquilo", explicou a psicóloga Érica Teixeira, que atua em clínica de São Bernardo.

A analista fiscal Flavia Regina, 38, é habilitada há mais de dez anos, mas nunca pegou no volante depois de passar no exame prático. Ela se sentia incapaz e não havia quem pudesse ajudá-la na família e no círculo de amigos. Decidida a mudar de vida e cansada de andar e de sofrer com o transporte público, estabeleceu a meta: comprar um automóvel e colocar ponto final no medo de dirigir. "Não dá mais, coloquei na cabeça que vou superar, estou até pesquisando o valor do seguro e do meu carrinho", contou.

SEPARAÇÃO

Há quem necessite de tratamentos mais breves, em que algumas aulas com acompanhamento especializado são suficientes para driblar o medo de dirigir. São indicados para pessoas que se sentem inseguras com a violência do trânsito e querem orientações práticas de como lidar no dia a dia. É também requisitado por mulheres em busca de independência e autonomia, seja porque o marido está doente, faleceu ou se divorciou. "Quem entra aqui está atrás de mudança de vida. Dirigir é uma dessas saídas", explicou a psicóloga Érica.

"Depois de uma separação, já foi o tempo de ir ao salão de beleza e mudar o visual. Agora é hora de perder o medo de dirigir e não depender de ninguém para sair e se divertir", disse uma empresária de 30 anos, que pediu para não ser identificada.

 

Sem paciência, maridos dificultam aprendizado

Se uma mulher não dirige, normalmente o marido ou companheiro tem alguma relação com o problema. Motoristas com medo de dirigir e os especialistas afirmam que homens têm parcela de responsabilidade neste tipo de trauma.

Falta de paciência, gritos e a insegurança dos próprios parceiros são as causas mais comuns para a motorista não conseguir sair do lugar, mesmo sendo habilitada e capacitada. "Os maridos atrapalham muito, principalmente por causa das críticas. Alguns ficam com ciúmes e chegam a esconder a chave do carro", contou a psicóloga especialista em fobia de trânsito Érica Teixeira.

Esse foi a caso da vendedora Marizete Araujo, 46 anos. Cansada de pedir para o marido ajudá-la, decidiu depois de uma briga aprender a dirigir. Matriculou-se em uma autoescola, fez o curso completo, tirou a habilitação. Ao sair com o carro do marido pela primeira vez, subiu na calcada e foi xingada por ele.

"Parecia o fim da minha curta vida de motorista", contou. Atualmente ela decidiu buscar o treinamento em uma clínica em Santo André. "Quando estiver apta vou pegar o carro e fazer as minhas próprias coisas", disse.




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