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Gente do ABC - Doutor em superação
Por Paula Nunes
Do Diário do Grande ABC
13/08/2006 | 08:29
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Provavelmente, você já ouviu falar dele. Não se trata de um cantor, ator ou outra personalidade artística, mas ganhou as páginas dos jornais mais importantes do país, apareceu na televisão como personagem de reportagens e em programas de entretenimento e culinária. Seu mérito? Ter conseguido, com muito esforço, dedicação e preserverança, mudar o rumo de sua vida. De morador de rua e catador de papelão durante a infância, Airton da Costa hoje é doutor. Ele foi um dos 1.232 bacharéis de Direito aprovados no último exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), realizado em maio, e quer que seu exemplo seja seguido pelas crianças deste país.

"A educação é a única forma de a juventude sair da criminalidade. Tá cheio de Airton por aí, na vida", defende. E não é só nas palavras que fica o empenho desse morador de Diadema em transformar o futuro dos jovens carentes. Eleito conselheiro tutelar do município no mês passado, Airton quer mostrar que os sonhos devem ser perseguidos para se tornarem realidade. Ele, inclusive, saiu da empresa onde trabalhava para ter um salário um pouco menor, cerca de R$ 1,8 mil, mas com a certeza de que será útil nesse novo desafio. "Esses garotos têm de saber que tem jeito sim de melhorar de vida", assegura.

Airton sempre foi um desacreditado. Nascido em Lins, no interior paulista, filho de pais analfabetos, sua vida deveria seguir o rumo da de seus irmãos mais velhos. Iria para a lavoura porque estudo é coisa de criança bem nascida, conforme lhe ensinaram. Só que Airton gostava de estudar, de ler, de aprender as coisas. Não abandonou os livros e a escola mesmo trabalhando. Primeiro recolhendo papelão e se alimentando de sobras encontradas no lixo. O preferido era o da padaria, sempre cheio de doces. A fome intelectual também recebia nutrientes encontrados nas lixeiras. "Tem muito livro bom que é jogado fora, o Cortiço (Aloísio de Azevedo) e Capitães de Areia (Jorge Amado) foram alguns dos que encontrei", relembra.

Com 14 anos, passou a ser aprendiz de eletricista. Tudo que aprendeu utilizou para ajudar a comunidade. Fez as instalações elétricas dos vizinhos no tempo em que morou na favela da União, núcleo habitacional em que se instalou assim que chegou em Diadema, nos anos 1990. "Não tinha coragem de cobrar pelo serviço, pois sabia que ia fazer falta para a família", explica. Aos 16, foi trabalhar como operador de guilhotina. Desta época, guarda uma marca que o acompanhará para o resto da vida. Em um acidente, perdeu a ponta de um dos dedos da mão direita.

Seguiu com a empresa para outra cidade interiorana. Aproveitou a mudança para fazer um curso no Senai e tornou-se torneiro mecânico. Mais de 13 cursos se seguiram ao primeiro. É que Airton buscava ser o melhor mecânico e deslanchar profissionalmente. Não conseguiu. Trabalhava horas a fio, fazia horas extras, não folgava emendando uma semana na outra e nem assim lhe deram chance. Nunca recebeu uma promoção. Continuava um desacreditado.

Com tantos revezes, foi o apoio da mulher Mine – como é carinhosamente chamada por Airton a esposa Maria Minervina – que o levou até os bancos universitários. Foi ela quem o incentivou a ir atrás do seu grande desejo: tonar-se advogado. No imaginário do ainda garoto Airton, esses profissionais eram pessoas respeitadas, que podiam ajudar os outros. "Sempre que acontecia alguma coisa, algum problema, mandavam chamar um advogado", conta. Era isso que o fascinava.

Inscreveu-se no vestibular três dias antes da prova. Saiu-se bem sem fazer cursinho preparatório, devido ao seu gosto por livros e jornais. O desafio seguinte seria encarar a universidade. A vergonha e a sensação de não pertencer ao ambiente quase o fizeram desistir. Novamente, Mine esteve presente e o acompanhou. Os primeiros dias foram duros, mas sua integridade e empenho em ser um bom aluno o ajudaram a enturmar-se. Para conseguir arcar com os custos, fez um financiamento estudantil e hoje esforça-se para pagar os R$ 20 mil devidos ao governo federal.

A obrigatoriedade do terno em sala de aula levou Airton a desdobrar-se em dois. Comprou, em uma promoção, três ternos. Os únicos de seu guarda-roupa até hoje. "Se eu fosse para a firma de paletó, iam tirar o sarro sem dó", revela. Por isso, a estratégia utilizada era ir trabalhar e, um pouco antes de chegar na faculdade, trocar de roupa dentro do carro. Foi assim durante os cinco anos de curso. Agora, o doutor – termo ainda não assimilado por Airton – busca oportunidades para advogar. Sua área preferida? Trabalhista. Mas, nos próximos três anos, somente nas horas vagas. É que sua dedicação agora é voltada para as crianças que o procuram no Conselho Tutelar. Airton, que ainda se emociona ao lembrar das inúmeras vezes em que ouviu comentários do tipo "você não vai conseguir", acreditou em si mesmo. Isso basta.




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