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A engrenagem da máquina

Maior operação de combate à corrupção do País será retratada em série da Netflix

Por Miriam Gimenes
Enviada ao Rio de Janeiro
19/03/2018 | 07:00
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Divulgação


 Como uma novela em que não se sabe o que esperar do fim, e que dura mais do que o espectador pode prever, a Operação Lava Jato – maior em combate à corrupção e à lavagem de dinheiro do País – tem capítulos diários. Quem acompanha os noticiários até se perde nos números, nomes e motivações das investigações feitas pela Polícia Federal em território nacional e até no Exterior.

Sabe-se só o que é oficial, divulgado pela mídia. Mas pouco se tem notícia sobre seus bastidores. E é por esse prisma que a história será contada, a partir de sexta-feira, pela série O Mecanismo, produzida pela Netflix e criada por José Padilha (Tropa de Elite e Narcos) e Elena Soares. Dividida em oito episódios, a produção será lançada aqui e em mais 190 países – é a segunda brasileira da plataforma de streaming. Ela é inspirada no livro Lava Jato – O Juíz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o País, de Vladimir Netto.

É interessante saber, a princípio – pelo menos nos três capítulos aos quais a imprensa teve acesso – de que maneira surgiu a operação e quase tudo que foi feito para que não existisse. A história começa em 2003, quando o delegado Marcos Ruffo (Selton Mello) começa a juntar provas do lixo, literalmente, para prender o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz).

Embora os nomes sejam trocados na história, tudo leva a crer que se tratam de Gerson Machado e Alberto Youssef, respectivamente. Lula e Dilma também são ‘lembrados’, mas como presidente e ‘presidenta’, além da construtora Miller & Bretch. Ruffo consegue prendê-lo, mas em tom de deboche. Ibrahim (um vilão um tanto carismático, diga-se) sai ileso.

Passados dez anos, quem toma à frente da operação, por motivos que serão entendidos no segundo episódio, é a delegada Verena Cardoni (Caroline Abras), que identifica a ligação do doleiro com financiamentos de campanha e outras ações ilícitas. “O ‘universo José Padilha é muito masculino. Sempre narrado por homens (vide Capitão Nascimento, Pablo Escobar) e de repente ele deu voz à uma mulher. Temos de celebrar”, comemora a atriz, que diz ter se distanciado dos fatos reais para compor a personagem. “Uni a minha mulher com a da Verena e construí a história. Ela terá uma curva muito interessante e crescente ao longo dos episódios”, promete.

Ainda não se sabe de que forma essa ‘novela’ terminará, tanto na ficção quanto na vida real, mas uma coisa é certa segundo Padilha: os próximos capítulos da trama ainda estão sendo desenhados. “A gente sabe até certo ponto. Vladimir continua suas pesquisas e, com elas, se houver uma segunda temporada já sabemos para onde ir.” Só o tempo e a história dirão se o público aprovará o fim.

Se houver uma próxima temporada, Selton pode dirigir
O ator Selton Mello, que interpreta um delegado um tanto quanto bipolar, mas com sede de justiça descomunal, diz que o personagem é muito rico e deverá despertar, sim, a simpatia do público. “A gente (atores) sempre vai atrás e gosta de personagens complexos, errados e falhos para trabalhar. Falando do Ruffo, quem adorei fazer, é cidadão instigado, bicho querendo lutar obstinadamente contra um negócio que é maior do que ele. Ao mesmo tempo, é um cidadão, que precisa ir ao INSS, entrar na fila para pegar R$ 1.600. Isso pode criar no público um ‘hum, sou eu’”, analisa.

Para ele, contar essa história ajudou a despertar sua consciência cidadã. “Nunca fui muito ligado em política, faz parte da minha natureza. Achei que este trabalho, além do personagem fantástico, representaria uma possibilidade de crescimento pessoal. Foi muito bom entrar nos lugares em que nunca tinha ido e me interessar por coisas que não havia me interessado.”

Em tempos em que a polarização política está tão latente, inclusive pela proximidade das eleições, Mello sugere que a série seja toda assistida, ou seja, os oito capítulos, para que sua mensagem seja captada de forma correta. E confessa que se houver uma segunda temporada, ele pode ser um dos diretores, já que “gosta do câmbio de funções”.

“É uma coisa (a troca)muito saudável. Às vezes, estou dirigindo tanto e me dá saudade de atuar. Dirigindo aprendo muito com os atores. Então, quando vou atuar de volta carrego eles comigo. Penso sim (em dirigir a série). É uma coisa que está no radar. O grupo já está bem formado de diretores, mas se rolasse a oportunidade seria legal.” Além de Padilha, que assina os dois primeiros episódios, estão na direção Daniel Rezende, Felipe Prado e Marcos Prado.

Padilha: ‘Não dá para analisar o Brasil sem olhar para o mecanismo’
O diretor e idealizador da série O Mecanismo, José Padilha, trata a corrupção como um câncer na estrutura política vigente no País. “No Brasil é impossível fazer filme que não esteja ligado com a corrupção”, sentencia. Segundo ele, o mecanismo retratado na série é interligado por algumas ‘engrenagens’: o financiamento de campanha feito por empresas em razão de troca de favores, a nomeação de partidos a cargos-chave, inclusive de empresas estatais com grandes orçamentos e ministérios, os acordos políticos feitos no Legislativo e Executivo, a lavagem de dinheiro entre eles, com o auxílio dos doleiros, e o famigerado caixa dois.

“Acontece em todos os municípios do País, Estados e governo federal. Isso é o mecanismo, responsável por grande parte das mazelas do País. O fato de a Segurança Pública não funcionar, da Educação não funcionar, é tudo culpa dele. Não dá para analisar o Brasil sem olhar para o mecanismo.” E acrescenta: “Ele (o mecanismo) não tem ideologia. Existe nos governos de esquerda e nos governos de direita.”

Claramente, segundo Padilha, a Lava Jato conseguiu algo. “A próxima grande empresa, ‘a lá Odebrecht’, vai pensar cinco vezes antes de fazer o que a Odebrecht fez. Isso, a punição das empresas, é uma conquista. Alguns políticos foram punidos, não todos.” Resta saber, acrescenta, se a outra parte do mecanismo, a estrutura política, será totalmente responsabilizada, sem ressalvas.

Se tivesse uma lei, destaca, que proibisse qualquer empresa que financiasse campanhas de prestar serviço ao governo, muito mudaria. “Outra coisa que sacudiria o mecanismo seria a desestruturação dos partidos que operaram ele”, acredita. Mas o diretor ressalta que nenhuma movimentação neste sentido foi percebida e o mecanismo que opera em Brasília continua na ativa e nos quatro cantos do País. “É mais complexo do que parece”, finaliza.

A jornalista viajou a convite da Netflix.




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