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Incrédulos pedestres
Por Creso Peixoto
16/09/2017 | 07:00
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 O professor Carlos conversava com o professor Citron. Um costumeiro cafezinho. Apesar do longo tempo que já se conheciam, não faltavam novas histórias. Cafezinho quer dizer bate-papo, claro! Pena que, não raro, exige abrupta interrupção. Afinal, trabalhar para pagar contas e impostos...

– E você? Tem medo? Citron perguntara; copinho de plástico quente na mão, dois dedos nas bordas e os outros abertos. Parecia que poderia jogar a qualquer momento para evitar queimaduras.

– De quê? O fato de ela morar no Rio não quer dizer que esteja mesmo mais ou menos segura, não? Respondera Carlos, ao comentar sobre a filha, estudando no Rio. Assoprara o copinho, mais um gole. Parecia até que ar fazia parte da bebida, afinal, estava quente mesmo.

– Concordo. Já te contei? Uma noite o celular toca, enquanto aguardo meu filho chamar para buscar. Estava em cinema na Paulista. Citron recolhia o largo sorriso. Tornara-se circunspecto.

Carlos, percebendo que algo de sério viria, para o copinho no ar e levanta a cabeça. Parecia que os substitutos das clássicas xícaras de louça regiam o diálogo. Batutas de plástico, uma verdadeira orquestra.

– Carlos, meu filho, pedia: “Vem me buscar já!” Ainda perguntei se estava bem e ele: “Não, pai!”. Corri ao seu encontro, uma ansiedade e sofrimento antecipados que não desejo a ninguém.

– E o que aconteceu?

– Estava na rua, caído. Larguei o carro de qualquer jeito. Porta aberta enquanto tentava o levantar para pôr no carro. Contenho vontade imensa de chorar e o abraçar. Naquela hora, o mundo para mim desabava.

– O que aconteceu com você, filho?

– Está bem? Enquanto me achava ridículo ao buscar afixar cinto nele. Afinal, a urgência de atendimento médico tornava este cuidado sem qualquer sentido, contava a história para Carlos. Sua voz, apesar de suave e controlada, transparecia a cena. A descrição fazia lembrar algum jornalista que busca informar de forma profissional, mesmo as piores tragédias.

Caminhar faz bem à saúde, sabemos. Mas a opção do pedestrianismo ainda está distante do ideário popular brasileiro. Poderia reduzir custos de transporte, mas, se andar de ônibus já é mal-visto, imagine-se a pé. Poderia reduzir custos do plano de saúde, mas o comodismo chamado de conforto facilita afastar o tema. Contudo, a vulnerabilidade do pedestre não garante mesmo sua sobrevida nas atuais vias do Brasil.

Ao se andar, conhece-se outra cidade. Detalhes aparecem na baixa velocidade, apesar do olhar de reprovação daquele que acha que você trocou trabalho por vadiagem. O exercício aeróbio, quando músculos e oxigênio se interam em atividade constante em pelo menos 20 a 40 minutos. E é gratuito. Outros o preferem como aeróbico, afinal, com anglicismo é mais chique, e pagam caro em academias, onde há estacionamento. Não há dúvida de que andar é melhor à saúde do que acelerar. Contudo, sair de casa de carro no domingo, para ir buscar pãozinho na padaria a menos de quatro quarteirões é comum. Ruas perigosas exigem, diz o conceito popular.

Em 2014, moradores de uma rua paulistana trocam uma placa de trânsito por outra de advertência sobre o risco de assalto e agressões.

Possíveis soluções? Uma apenas: explicar para a população o que são a LEP (Lei de Execuções Penais) e a audiência de custódia. E um plebiscito nacional para saber se devem ser anuladas. A LEP obriga juízes a dividir a pena por seis e a outra põe em questão a prisão em flagrante. São vários casos dos que foram soltos e arrepiaram transeuntes e motoristas.

O filho do professor Citron vive e estuda atualmente na Estônia, país de origem de povos bárbaros, de índices criminais baixos e alta segurança para se andar em quaisquer de suas ruas. Vale a pena trocar calor por frio. Garante, a nossos amados, a volta à casa.




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