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Velocidade, Emoção e Perigo
Creso Peixoto
01/07/2017 | 07:29
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Já era noite quando Lili convidou Carlinhos, agora com 10 anos, para dar uma volta no Chrysler Regente, carro que Nindo, seu noivo e tio do menino, acabara de trazer de São Paulo. Dera-lhe um punhado de bolachinhas de sal amoníaco. Saíram para testar o veículo em rodovia da região. Cintos de segurança e radares não faziam parte da vida cotidiana.

Carlinhos não percebera a elevada velocidade naquela deserta pista, a não ser no momento em que Lili, assustada, adverte Nindo, apelido de Florindo, que ele detestava:

– Ni, você não tá correndo muito? Nossa! 160 km/h? Ele quase não responde, fala algo incompreensível enquanto olha novamente para o velocímetro. Era evidente que estava maravilhado com aquela máquina. Sair de um fusca para aquele carro, evidência de sucesso.

Claro, poder também fazia parte da emoção, pois bastava acelerar para que aquela máquina o obedecesse, diferente do outro, que parecia não se importar com o peso do pé no acelerador.

Carlinhos olhava para as escuras árvores passando rápido pela janela, já noite, enquanto pegava o último biscoito torcido que tanto gostava. Aparentemente não entendia o que se sucedia. Ao voltar para seus pais, não fala nada. Afinal, a tia o aconselhara a não os assustar. Arroubos de jovens adultos que uma criança não saberia avaliar.

Há forte traço cultural nos motoristas. O desejo de correr é justificado por distintas afirmações. Prepondera no cenário da condução masculina. O carro como fator de virilidade. Associam-se velocidade e potência, cuja imagem é ainda reforçada pela propaganda, segundo o pesquisador Italiano Francesco Albanese, do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento em Psicologia.

Texto de Emanuella Zerbinati cita o contraponto feminino: segurança e facilidade de estacionar. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes, em 2011 menos de 13% dos motoristas eram mulheres conduzindo veículos envolvidos em acidentes. Ainda segundo Zerbinati, há interessante explicação neurobiológica no desejo de altas velocidades. Reações neurológicas e hormonais elevam níveis de adrenalina e causam hiperatividade. Euforia que acarreta, em determinados motoristas, algum grau de satisfação. Outro fato é o da música alta. Parece criar um cenário de fundo de filme de aventura onde apenas difere no resultado. Não há dublês e o boletim de ocorrência do acidente vai mesmo para o fórum.

Para combater a velocidade excessiva, motoristas e ocupantes devem ter em mente não apenas matérias jornalísticas que chocam e são logo esquecidas. Antes de ousar na velocidade, deve-se ter conhecimento da periculosidade da via, onde o volume de tráfego é fator preponderante e sua geometria pode acobertar curvas de triste memória. Concessionárias de serviço rodoviário utilizam índices que associam os totais de acidentes, vítimas e mortos à extensão da via, ao período de tempo e à quantidade de veículos, para análise de eficiência de suas ações. Concebem metas e aferem resultados.

Deveriam informar estes índices nos painéis de mensagem variável, os conhecidos luminosos ao longo das rodovias. Na falta destes, o bom-senso deve preponderar. Não é questão simplesmente de se citar o respeito à velocidade permitida. Em pesquisa em julho de 2016 na BR-101, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, 100% dos veículos estavam acima da velocidade permitida, que era de 40 km/h. Aos que insistiam na velocidade limite, tal como o nosso, faróis de indignados motoristas quase jogavam para fora da via insuportáveis motoristas.

Carlos, já profissional, recebe uma ligação telefônica. Florindo falecera em acidente automobilístico. Transtornado com a perda do parente e amigo, busca mais informações. Havia falecido na mesma rodovia onde, naquela noite, desfrutara da amizade daquele casal que tanto marcara sua adolescência. 




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