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Nas esquinas da vida

Semáforos da região se tornam oportunidade de garantia de sustento e de superação de limitações físicas

Por Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
22/08/2016 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


 Limitação, palavra que não faz parte do vocabulário de quem tem determinação. Como mostrado em reportagem do Diário na última segunda-feira, a rápida pausa no fechamento dos semáforos é a oportunidade para ambulantes garantirem o sustento. O mesmo sinal vermelho aos motoristas é, para as pessoas com deficiência, sinal verde para a superação.

O jovem Luanderson Alexandrino Rodrigues, 23 anos, morador do Parque São Bernardo, na cidade são-bernardense, nasceu sem a mão esquerda, devido má formação. Certa vez, viu um homem fazendo malabarismo na rua. Ficou encantado e pediu que o ensinasse. “Ele disse que eu não conseguiria fazer, porque não tinha uma mão. Falei: agora que eu vou conseguir mesmo”. Sozinho, conseguiu. Rodrigues não se recorda quanto tempo levou para aprender, mas o fato é que agora domina quatro bolinhas com maestria. “É um dom, são poucos que fazem com uma mão”, orgulha-se.

Nem todo mundo tem ciência de que o “querer é poder” é mais do que uma frase popular. Quando estudava, o rapaz diz ter sido humilhado por quem deveria incentivá-lo. “Uma professora me chamou de aleijado”, lembra. Sem estímulo, ele abandonou a escola na 8ª série do Ensino Fundamental, mas sonha em ser engenheiro civil e “patrão”.

Há cinco anos, Rodrigues faz malabarismo no curto tempo do sinal vermelho, próximo à Prefeitura de Santo André, para angariar alguns trocados. Ele mora com os pais (pedreiro e empregada doméstica) e seis irmãos em um prédio da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo). Com os cerca de R$ 50 por dia que costuma ganhar, de segunda a sexta-feira, ajuda no sustento da família. “Tenho vontade de trabalhar, porque isso que eu faço não é um trabalho que se diga. Faço pela vontade de não ficar parado, de não ser um parasita e não depender dos outros para nada”, frisa.

Próximo dali, no cruzamento da Avenida Dom Pedro II com a Rua Catequese, no bairro Jardim, Gabriel Tenório de Souza, 20, chama a atenção pelo desempenho no malabarismo com laranjas. Também por má-formação, nasceu sem o antebraço esquerdo, o que não o impede de ser um exímio artista – usa variados movimentos com braço direito e com as pernas para impressionar quem aguarda a abertura do sinaleiro. “Aprendi sozinho, aos 7 anos. Fazia com bolinhas, mas parti para as laranjas, pois queria o desafio de algo com mais peso”, conta ele.

A mãe, Sida, cujo nome está marcado na pele por uma tatuagem, morreu em 2011, vítima de câncer. O pai foi assassinado. Souza tentou morar com um dos 11 irmãos, mas devido a brigas constantes, decidiu ir embora. Há três anos, vive embaixo do viaduto próximo ao local onde atua. “Quero juntar dinheiro para alugar uma casa”, diz ele. O rapaz fala que já chegou a trabalhar, por um mês, em concessionária de automóveis mas, ao fim do expediente, ia para o sinaleiro. “O farol é um vício”, declara. O maior sonho, ele lamenta não poder realizar. “Queria que minha mãe voltasse. Mas ela está no céu e sempre me protegendo.”

Em São Bernardo, Laercio Pereira, 54, traz em sua cadeira de rodas, recipiente abastecido com balas e chicletes para adoçar a vida dos motoristas. O ambulante foi acometido por paralisia infantil quando tinha apenas 1 ano de vida.

Aposentado há três anos, o morador do bairro Pauliceia, na mesma cidade, Pereira diz já ter atuado como vigilante de patrimônio público, no ramo de tecelagem e em empresa fabricante de componentes hidráulicos. Para complementar a renda da aposentadoria, de pouco mais de um salário mínimo, decidiu atuar como vendedor de doces no semáforo, onde está há 16 anos. Os produtos vão de R$ 1 a R$ 2 e o possibilita ganhar até R$ 800 mensais. “Venho de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Meu patrão é exigente”, diz, aos risos. Reclamações não fazem parte de sua vida. Ele ressalta só ter a agradecer. “Nem peço nada a Deus.” Recompensa que vem da fé e da vontade de querer, poder e conseguir.




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