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Jardim Zaíra: 60 anos de história

Bairro concentra 100 mil habitantes, o
que representa 22% da população mauaense

Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
22/08/2016 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Se a resposta para a pergunta sobre onde uma pessoa mora for Mauá, é quase que inevitável outra indagação: Em qual Zaíra? O bairro, que completou 60 anos em 23 de julho (um ano a menos do que a cidade), é a referência do município e não à toa. Em seus 5 km², concentra, segundo a Prefeitura, 100 mil habitantes, o que representa 22% da população mauaense e faz do território o mais populoso da cidade. O número de moradores equivale duas vezes a população de Rio Grande da Serra, que tem 48,3 mil munícipes.

A área é dividida em partes chegando até o Jardim Zaíra 6. Embora haja escolas estaduais chamadas Jardim Zaíra 7 e Jardim Zaíra 8, trata-se apenas de nomenclaturas. Foi para separar as linhas de ônibus que surgiu a divisão da área. No entanto, segundo os moradores, no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) vem descrito somente Jardim Zaíra.

O nome do bairro é uma homenagem à mãe de Chafik Mansur Sadek, loteador do local. A matriarca é retratada na pintura a óleo reproduzida abaixo do título desta reportagem. O quadro está exposto no Asilo Lar Santa Terezinha. O Zaira original não possui acento, incluído popularmente pelos moradores.

Ao chegar ao Jardim Zaíra, a sensação é de que ali se inicia outra cidade, diante da variedade de estabelecimentos comerciais, da intensa movimentação, dos muitos problemas estruturais e das tantas pessoas que fazem, a cada dia, novo capítulo para a história do bairro.

Nascido em Simplício Mendes, no Piauí, Martinho Rodrigues da Gama, 88 anos, viu nascer não só o Zaíra, como o município de Mauá. “Estou aqui há 66 anos. Vim por indicação de um primo. Só tinha eucalipto e tanta lama que, para chegar ao trabalho, era preciso amarrar o sapato no pescoço para não sujar”, lembra.

Gama ajudou, literalmente, na construção do bairro. “Sempre trabalhei de pedreiro. De graça, para as pessoas que não podiam pagar, fiz 18 casas”, conta o morador do Zaíra 1.

Da calmaria ao crescimento desenfreado. O que o Jardim Zaíra se tornou muito agrada Gama. “Tudo que se precisa tem aqui: banco, mercado, padaria, farmácia, lojas, igreja...”, lista. Em seguida, desabafa. “Poderia ser uma bairro lindo, mas, infelizmente é abandonado. Precisa de melhorias, de mais áreas de lazer, não só para as crianças e adolescentes, mas também para os idosos, de mais investimento em Educação e Segurança”. As adversidades, no entanto, não tiram o amor pelo bairro. “Sou apaixonado pelo Jardim Zaíra. Só sairia para voltar à minha terra.”

Os amigos Ronaldo Melo, 53, e Maria de Fátima de Lima, 60, moradores do Jardim Zaíra 6, também acompanharam a transformação do bairro e contribuíram para tanto. “Era um buracão, não tinha ruas. Nós que o formamos e lutamos por pavimentação, coleta de lixo, acesso ao ônibus e outras melhorias”, fala a moradora do local há 35 anos.

Conhecido da família Sadek, proprietária de terreno que estava servindo como ponto de drogas, Melo, que vive no bairro há três décadas, pediu a doação da área. Em parceria com a Associação Judô Mauá, foi construído equipamento para a prática de esportes para a comunidade. “De modo geral, apesar das dificuldades, é um bairro bom. Amo o Jardim Zaíra”, declarou o também líder comunitário.

Área de risco concentra 10 mil moradores

“Tem outra cidade dentro do Zaíra, que é a área irregular”, ressalta o líder comunitário Ronaldo Melo, 53 anos. Dados oficiais comprovam a tese. Segundo a Prefeitura de Mauá, aproximadamente 10 mil famílias moram em locais de risco no bairro. O número corresponde a praticamente a quantidade de habitantes de Cajobi, cidade do Interior paulista, que possui 10,3 mil habitantes.

Boa parte das famílias do Jardim Zaíra se concentra no loteamento Chafik/Macuco, área de risco, sem o mínimo de infraestrutura e que já foi cenário de tragédias em razão do deslizamento de terra após forte chuva, que vitimou cinco pessoas em 2011.

Embora perigoso, o local corresponde à única oportunidade de moradia encontrada pelo porteiro Joaquim Carlos Pereira, 61. No humilde casebre de quatro cômodos, onde, por falta de espaço, as roupas lavadas precisam ser penduradas em varal na sala, ele vive com a mulher, os três filhos e, agora, com as duas netas, sendo a mais nova com apenas 6 meses de vida.

“Vim para cá em 1991. Morava de aluguel no bairro Nova Mauá, fiquei desempregado, não consegui mais pagar e o dono pediu a casa. Fiquei sabendo que tinha terreno aqui e me aventurei, com um pouco de medo, pois nunca quis invadir”, recorda Pereira.

Quando chegou, sua casa era solitária no local. “Me consideram o primeiro morador do Macuco”, fala Pereira. Situação que ficou no passado, já que as moradias na área aumentam constantemente. “Todo dia aparece alguém procurando um pedaço de terra.”

Dos vizinhos, dois morreram após o desabamento de um barranco e, a cada vez que o tempo fecha, medo e desespero se fundem. “Já cheguei a jogar meus filhos embaixo do beliche e a pedir para Deus tomar conta”, fala Maria de Lurdes Pereira, 53.

A Prefeitura afirma que aguarda liberação de recursos do governo federal para obras de urbanização e regularização fundiária do Chafik/Macuco. Segundo o Ministério das Cidades, todo o processo está em fase de análise e homologação.

Tendo a área como única opção de teto, Pereira não vê alternativa a não ser encarar a situação. “Vamos levando. Medo é só na hora (da chuva), depois passa e a gente segue a vida.”

Das telhas e tijolos de graça à expansão livre, leve e solta do bairro mauaense

Dos loteamentos originais de Mauá, o Parque das Américas é o mais extenso, seguido pelo Jardim Zaíra. Ocorre que o Zaíra expandiu-se, livre, leve e solto, a ponto de seu loteador, Chafik Mansur Sadek, declarar ao Diário, em 1991: “Hoje o Zaíra está uma verdadeira bagunça” (cf. entrevista concedida à repórter Viviane Raymundi, edição de 13-7-1991).

Hoje, Mauá convive com o Zaíra 1, Zaíra 2, Zaíra 3... 6. Áreas baldias foram ocupadas por favelas, iniciando-se, num primeiro momento, e sem êxito, programas de desfavelização; venceram programas mais lógicos e humanos, agora denominados de regularização e/ou urbanização.

A “bagunça” declarada por Sadek tem várias explicações. Bastava um passar de olhos pelo bairro, observando-se a falta total de planejamento urbano. Outra explicação: o descaso público.

Quando fizemos o livro “De Pilar a Mauá”, recorremos ao Cadastro Fiscal da Prefeitura, e localizamos apenas dois processos relativos ao Zaíra: o da gleba A, do processo 147, de 1955, com alvará e decreto de aprovação com datas de 1956 – daí a celebração dos 60 anos neste ano 2016; e o processo 605, de 1957, aprovado em 1960. E os tais Zaíra 3 e 4 e 5...?

O certo é que o Jardim Zaíra, como um todo, seguiu a rotina de outros espaços públicos de Mauá, Grande ABC e municípios emergentes afora, em especial nas áreas metropolitanas: empreendedores investem em áreas, providenciam projetos e iniciam a venda de lotes, obedecendo ou não a legislação que estabelece regras como a de reservar espaços públicos para praças, escolas e demais equipamentos.

O Zaíra nasceu dentro dos conformes da legislação. O loteador Sadek adquiriu as terras em 1952, junto ao industrial João Jorge Figueiredo, proprietário da primeira indústria ceramista de Mauá, a Fábrica Grande, localizada na entrada do Corumbê, primitivo nome da área. No total, 185 alqueires.

O velho Corumbê, da lenha e do carvão, do plantio de verduras e legumes, que depois recebeu olarias no vale do córrego Corumbê, iniciava seu processo de urbanização. Faltavam moradores. Tanto que os loteadores estimulavam a venda de lotes oferecendo tijolos, telhas, vitrôs, janelas e portas. O preço das prestações dos lotes era fixo, num período estável da economia brasileira. Depois... (Ademir Medici)




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