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Bairro Cerâmica mantém viva memória da produção fabril

Rubens Marcandali trabalhou por 45 anos na Cerâmica São Caetano e hoje sente saudades

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
16/08/2014 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 A Cerâmica São Caetano foi fundada em 1923 no bairro são-caetanense que hoje leva seu nome. Na década de 1940, a fábrica tinha 3.500 trabalhadores que produziam telhas, tijolos, ladrilhos, material refratário, litocerâmicas, entre outros itens.

O morador do bairro e aposentado Rubens Marcandali, 74 anos, foi um dos trabalhadores da Cerâmica. Ele ficou na empresa do dia 12 de dezembro de 1949 até o dia 1º de fevereiro de 1995, o que totaliza 45 anos e 45 dias que ele faz questão de contabilizar. Foi sua primeira e única empregadora.

Marcandali, que nasceu em Ribeirão Preto, mudou-se para São Caetano em 1941 por causa da fábrica. “Meu pai veio para cá atrás de emprego e, quando ele arrumou o serviço de operário na Cerâmica, trouxe toda família para viver aqui.”

Segundo o aposentado, a vontade de trabalhar na fábrica veio cedo. “Todos os dias levava marmita para meu pai. Quando olhava aquela fábrica enorme, tinha vontade de entrar. Com 12 anos, falei para a minha mãe e meu pai que queria trabalhar na Cerâmica. Fomos até o Juizado de Menores e consegui uma permissão para trabalhar.” Marcandali começou na fábrica como office boy. Fez cursos de especialização na FGV (Fundação Getulio Vargas) e chegou ao cargo de supervisor geral de manutenção.

FAMÍLIA

Como se não bastasse toda a relação que o aposentado tem com a fábrica, foi por pouco que ele não conheceu a mulher Doralice Benfica Marcandali, 74, no local de trabalho.

“Nos encontramos em um baile de aniversário de uma prima minha. Ele era chefe do meu pai, que também trabalhava na fábrica. Nos conhecemos e começamos a namorar, e depois também cheguei a trabalhar por um ano na Cerâmica”, conta dona Doralice.

Marcandali presenciou de perto a ascensão e a queda da fábrica. “Por causa do meu cargo, andava de lá para cá na empresa e lembro quando havia por volta de 3.500 funcionários. Depois foi acabando, sendo que chegou a ser vendida para outro grupo. Quando foi definitivamente fechada, em 2005, empregava cerca de 60 pessoas”, disse.

No terreno que hoje abriga o Espaço Cerâmica, com o ParkShopping São Caetano e empreendimentos imobiliários, poucas lembranças da fábrica resistiram. Painel que era mantido dentro da empresa foi preservado, assim como um dos fornos utilizados na produção. “Havia 25 desses na Cerâmica. O que restou é o de número 23, e era utilizado para fazer os refratários”, detalha Marcandali.

Até hoje ele nunca entrou no ParkShopping São Caetano, que foi inaugurado há três anos, apesar de admitir que o empreendimento fez bem para a cidade. “Minha mulher e minha filha sempre vêm fazer compras por aqui, mas nunca entrei. Ainda não tive coragem nem vontade. Quem sabe um dia eu vá.”

O amor pela fábrica é o mesmo que ele mantém pelo bairro. “Nada contra as outras cidades, mas já tentei morar em Santo André e São Bernardo e não consegui. Acho que minha vida está aqui mesmo, gosto muito de São Caetano. Não pretendo sair.”

Valderí é o rei da feijoada na cidade

Quem conhece o bairro Cerâmica e gosta de boa comida não tem como esquecer do Restaurante & Pizzaria Valderí. O estabelecimento é famoso pelos pratos nordestinos, mas, principalmente, pela feijoada que faz aos fins de semana.

José Valderí Oliveira, 46 anos, chegou com mais cinco irmãos da Paraíba em 1986. Ele nunca tinha cozinhado, até que a necessidade fez com que aprendesse a função. “Como fui o único que não arrumou emprego logo de cara, tinha que cozinhar para os meus irmãos. Fui me aperfeiçoando e eles começaram a gostar do tempero”, explicou.

Valderí trabalhou por um ano e meio em uma empresa, porém, logo que saiu, montou espaço para vender marmitex. “Era um botequinho no bairro São José. Não tinha nem cozinha, era só um fogão que ficava atrás do balcão em que comecei a servir. Até hoje não parei.”

Atualmente são duas unidades do restaurante em São Caetano, uma no bairro Cerâmica, fundada há 20 anos, e outra no Centro. A unidade Cerâmica tem 50 funcionários e 240 lugares.

“Tenho convênios com várias empresas, algumas que não querem que entre comida dentro do local. Então, temos carros que vão buscar os funcionários para que eles almocem aqui e depois os levamos de volta.”

Valderí já perdeu a conta de quantos marmitex vendeu, mas garante que os deliverys representam 60% do movimento na hora do almoço. Mesmo com o grande número, eles não são o carro-chefe da casa, mas sim a tradicional feijoada, vendida aos sábados. Os ingredientes são feijão-preto, costelinha, carne seca, pé de porco e calabresa, sendo que o prato pode ser personalizada de acordo com o gosto do cliente.

“Nos fins de semana chego a vender uma tonelada e 300 quilos de feijoada. A gente faz ela em caldeiras de 300 litros. Chego a fazer quatro caldeiras cheias, mais umas dez panelas de 40 litros para dar conta da demanda. Isso sem contar a couve e a farofa, sendo que nos dias de frio posso chegar a vender até mais que isso.”

Por causa do sucesso, o estabelecimento também começou a vender a versão congelada. Basta colocar a mistura na panela e esquentar.

Diante do sucesso no negócio, Valderí não pensa em parar para descansar. Ele permanece de domingo a domingo na unidade, sem folgas, sendo que a primeira vez que tirou férias foi após dez anos de fundação da unidade do Cerâmica.

O empreendedor disse que não tem vontade de voltar para a Paraíba. “Tem muitos nordestinos que têm o sonho de fazer dinheiro aqui e retornar, o que não é o meu caso. Vou passar o resto da minha vida em São Caetano, adoro essa cidade.”

Boxes de floriculturas são tradicionais

Em frente ao Cemitério Cerâmica, os boxes ocupados por floriculturas são tradição do bairro. A florista Cecília Gomes da Silva, 85 anos, é tão tradicional quanto o local onde trabalha, já que está na ativa ali há mais de 50 anos.

“Comecei na porta do cemitério, vendendo flores aos fins de semana com uma amiga. Fiz isso por dez anos, até que comprei uma floricultura, onde fiquei por 30 anos”, disse.

Ela vendeu o espaço, mas não conseguiu ficar longe das flores. “Assim que a Prefeitura fez esses boxes, vim até aqui e comprei um. Não consegui deixar o colorido das plantas de lado.”

Dona Cecília não é a unica lojista antiga dos boxes. Leonice Gracelti Brava, 77, foi uma das primeiras a adquirir um espaço no local. “Trabalhei em muitas empresas da região, até mesmo na Cerâmica e na Volkswagen, até surgir a oportunidade de vir para cá, onde estou há 20 anos”, disse.

Ela não sabia lidar com flores, mas teve aulas com um amigo. “Nunca tinha trabalhado com isso, mas você sabe como é a necessidade. Aos poucos, aprendi a fazer coroa de flores e até buquê de noiva, o que foi suficiente para que as vendas dessem conta do orçamento”, afirmou.

Hoje dona Leonice se orgulha de ter criado toda a família com o dinheiro das flores. O filho mais velho também seguiu o ramo da mãe e tem um boxe ao lado do dela.

“Isso aqui é a herança que vou deixar para os meus filhos, minha neta e minha bisneta. As duas pequenas gostam bastante daqui, sendo que vão até na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) comigo buscar as flores”, garantiu dona Leonice.

Dona Cecília não quer nem ouvir falar na possibilidade de ficar em casa descansado ou sair do bairro para vender flores em outro local. “Faço tudo isso com muito gosto, amo trabalhar com plantas. Quero continuar enquanto viver”, prometeu.




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