Construído na década de 1950, imóvel está em processo de tombamento e não pode ser demolido
Uma casa com muro verde e traços arquitetônicos que lembram um castelo, situada na Rua Porto Feliz, bairro Matriz, em Mauá, e que já foi morada de um dos artistas mais conceituados do Grande ABC, o iugoslavo Hans Grudzinski (1921-1986), vive futuro incerto. Depois de passar temporada com uma placa de venda, foi solicitado por um possível comprador, na Prefeitura, a emissão de Certidão Negativa de
Tombamento do local, o que causou preocupação sobre possível demolição do imóvel, construído na década de 1950.
Segundo Simone Bello Gimenez, presidente do Condephaat-MA (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico, Arqueológico e Turístico de Mauá), a certidão negativa de tombamento não foi emitida. “Foi encaminhado no lugar um documento informando que a edificação estava com processo de estudo de tombamento aberto”, diz.
Ela explica que, enquanto o estudo estiver em andamento, a casa onde viveu o artista iugoslavo não pode ser demolida. “Até para demolir uma edificação é necessária a autorização da Prefeitura”, afirma.
De acordo com o Paço, o processo de tombamento do espaço está em curso e depende apenas da vistoria técnica para se concretizar. Em nota, a Prefeitura explicou que não pretende acelerar o processo e que há interesse em transformar a propriedade em um espaço cultural e sede da Secretaria de Cultura, com espaço permanente para exposição e visitação.
A Prefeitura informou ainda que fez levantamento em 2014 do valor do imóvel – não divulgado – com intenção de adquirir a estrutura, mas, segundo o Paço, as negociações com os herdeiros de Grudzinski não avançaram. O Condephaat-MA e a Secretaria de Cultura pretendem finalizar o tombamento entre este ano e 2021. Procurada pelo Diário, a família do artista não retornou ao contato.
Grudzinski se radicou em Mauá no fim dos anos 1940. Historiador e professor do Colégio da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Renato Alencar Dotta explica que o artista se estabeleceu na cidade por causa da Porcelana Mauá – que foi a primeira indústria de porcelana fina do Brasil, hoje extinta. “Ele já era artista e tinha interesse em trabalhar em fábricas de porcelana”, comenta.
Para Dotta, é importante manter a casa em pé e fazer dela patrimônio histórico. “Hans é uma das muitas personalidades que vieram da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que não conseguiram se adaptar à nova realidade europeia, e acabaram vindo parar nas Américas e no Brasil”, recorda.
Dotta também cita o próprio estilo da casa, incomum na região, que remete à arquitetura europeia, se destacando da paisagem de Mauá. “E o fato de como a sociedade mauaense recebeu aquela casa, como ela vê aquele local todo esse tempo. A casa alimentou o imaginário da população, remete a um universo de fantasia”, finaliza o especialista.
Obras do artista estão expostas na pinacoteca e podem ser vistas na internet
As obras de Hans Grudzinski estão em vários lugares do Brasil e do mundo, como explica Cecília Camargo, curadora da Pinacoteca de Mauá.Formado em arquitetura ainda na Europa, Grudzinski estudou na Associação Paulista de Belas Artes entre 1954 e 1956. Também cursou artes gráficas na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado).
O espaço expositivo do município onde viveu, inclusive, guarda em seu acervo 13 de suas obras. Entre elas estão A Grande Roda Viva, Cidade Velha, Árvore Velha, Tarde no Suburbio e No Banco da Praça. As peças podem ser vistas digitalmente por meio do link www.pinacotecamaua.com.
“(Grudzinski) Participou de várias exposições nacionais e internacionais, ganhando diversos prêmios. Com técnica de gravura peculiar e quase exclusiva, sua obra é muito importante para o cenário da arte”, afirma Cecília.
Curador, museólogo e artista visual de São Bernardo, Nilo de Almeida explica que Grudzinski se dedicou à gravura e constrói sua carreira em cima dessa técnica. “É um artista com formação de domínio técnico muito consolidado. O que é interessante é que, em dado momento da trajetória, ele começa a exercer esse domínio de forma muito particular, então as gravuras passam a ganhar trabalho com luz muito precioso.”
“Você vai observando e sempre há detalhes nas imagens. É trabalho que demanda atenção. Sempre há uma narrativa nas obras dele, cenas de cotidiano, e ao mesmo tempo sofisticação na construção das imagens. É um trabalho único”, diz Almeida.
‘Casapueblo’ é orgulho dos mauaenses
Tudo o que se preservar de Hans Grudzinski será pouco. A classe artística de Mauá, sua cidade por adoção, o tem em primeiro plano: a gravura em metal de Grudzinski, o afresco de Emeric Marcier, os quadros e peças de Yasushi Kojima, apenas para citar três nomes de mauaenses célebres, de um rol que hoje chega a dezenas de artistas, tão bem estudados e divulgados por outra artista da cidade, a agitadora cultural Cecília Camargo.
A casa de Grudzinski é a ‘Casapueblo’ de Mauá. A edificação uruguaia, construída pelo artista Carlos Páez Vilaró e toda pintada de branco, é ponto turístico obrigatório de que vai a Punta del Este, a 15 quilômetros do local. O mesmo se espera da residência na região.
Por parte do Diário, Hans Grudzinski sempre mereceu a maior das atenções, desde os tempos do semanário News Seller, até a Era do Caderno Cultura&Lazer do Diário – temporariamente suspenso em razão da pandemia.
Enock Sacramento, jornalista e crítico de arte, mantinha a coluna semanal Arte Hoje, e a leitura daquele material traria detalhes de cotidiano artístico surpreendente, pela variedade de nomes e obras de região ainda operária e industrial. Falamos de coluna jornalística de 50 anos atrás. Grudzinski sempre presente e que, a exemplo do andreense Luiz Sacilotto, se transformou em nome nacional e internacional.
O escultor João Delijaicov, o João dos Quadros, que foi incansável ao preservar a arte em São Bernardo, recolheu obras de Grudzinski. E organizou, em 1990, no saudoso núcleo Henfil de Ação Cultural, semente da atual Pinacoteca Municipal, a mostra Aprendendo com o artista: a gravura de Grudzinski.
Premiadíssimo, Grudzinski expôs em todo o Grande ABC, em São Paulo, nas principais cidades brasileiras e fora do País, em países da América Latina, em Telaviv, em Roma. E mantendo sempre a simplicidade do operário que foi: da sua biografia consta que entre 1947 e 1967 trabalhou em uma fábrica de porcelanas, na sua Mauá. (Ademir Medici)
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