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Jorge Ben Jor sabe envelhecer
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
05/08/2004 | 01:43
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Jorge Ben Jor escancarou uma legítima caixa de pandora rítmica, com o lançamento de seu primeiro álbum de inéditas após um hiato de nove anos – o último foi o longínqüo Homo Sapiens (1995). Para gravar o novíssimo Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum) (Universal, R$ 33 em média), o músico alforriou os mais sortidos males musicais, futilidades eletrônicas inclusive. Mas Ben Jor é domador, é alquimista, é prestidigitador; é, enfim, um encantador de sons que fazem questão de lhe obedecer nas 16 faixas inéditas do álbum novo.

Samba esquema novo e samplers igual a água e óleo, inconciliáveis? Não no caso de Ben Jor, carioca de Madureira, 62 anos, que com suas ciências ocultas manipula a genética do samba-rock em que é pioneiro. Coloca para dançar Iemanjá, Mengo, samurais, comanches, tupinambás, cavaleiros medievais, anjos, doces meninas e alienígenas. Nada mudou, e ao mesmo tempo tudo mudou.

O tempo é juiz e Ben Jor não pretende esnobá-lo. Abre o álbum com a faixa Mexe, Mexe, na qual diz que “Quando você pára de mexer/ Você envelhece/ (...)/ A sua barba cresce/ (...)/ Seu coração, ao invés de bater, padece”. O alquimista, na impossibilidade de congelar o tempo, questiona-o com um sorriso ao canto da guitarra cantante, em Turba Philosophorum: “O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem”.

Em vez de tomar direção oposta à da maturidade – pois já vão longe os concertos no Beco das Garrafas, nos anos 1960 –, Ben Jor quer ir de encontro a ela, com a juventude que já sonegou em outras ocasiões. E juventude significa menos autocensura para apostar em enxertos eletrônicos, em samba biônico, em um contrabaixo de sonoridade absoluta, como em Gabriel, Rafael, Miguel, na qual adverte em tom apocalíptico: “Eles chegaram pra bombar”.

Não é vovô querendo se passar por guri, até porque as faixas de Reactivus Amor Est assumem uma sonoridade meio ritual, de meditação. Ben Jor então bandeou para os lados de Enya? Também não, nada de samba new age. O fato é que a dinâmica de atropelos do violão eletrificado de outrora dá passagem para uma outra respiração, uma condução mais vagarosa e sem que, para tal efeito, seja imolado o balanço e o groove que ele redimensionou em sua carreira. Esse andamento ritualístico, de altar, ruma para um tupi-funk, um samba cafuzo em que vícios viram virtudes e o obsoleto torna-se inédito.

A personalidade de Ben Jor não se esconde, mas se exibe com outra fisionomia em Reactivus Amor Est. Por exemplo, seu harém poético, dentro do qual Teresa e Bebete já brigavam pela predileção, admite agora Janaína (Janaína Argentina) e Astrid (Funk Astrid). O futebol, o mesmo do dialeto Umbabaraúma, retorna em O Nome do Rei É Pelé e Tupinambás. Ben Jor manda avisar: 40 anos depois, o mundo ainda cabe na sua guitarra e nas suas paroxítonas.




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