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Projeto educacional de Mauá já alfabetizou mais de 500 pessoas

Por falta de local apropriado, aulas são ministradas em garagem; instituição busca doações para construir espaço próprio

Por Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
27/02/2022 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


Maria Anunciada, Lineusa Alaide e Luzinete Maria vão poder ler esta reportagem porque agora são pessoas alfabetizadas. Durante toda vida as três idosas não puderam realizar tarefas básicas do dia a dia, como ler a bula de uma medicação ou até mesmo os ingredientes de uma receita, e dependiam da ajuda de terceiros para escrever o próprio nome. Assim como elas, mais de 500 pessoas, entre 60 e 85 anos, tiveram suas realidades transformadas por meio do projeto independente da Associação Comunitária Cícera Tereza dos Santos, de Mauá.

Vítimas da desigualdade social, as três alunas percorreram longos caminhos até chegar na improvisada sala de aula na cidade do Grande ABC. Entre estudar ou colocar comida no prato, as mulheres foram forçadas, ainda crianças, a trabalhar na roça para ajudar suas famílias. O estudo não era prioridade diante da fome e, sem poder escolher, ao invés de segurar um lápis entre os dedos elas tiveram que dominar a enxada no sertão de Pernambuco. 

“Era meu sonho aprender a ler e escrever. Depois de uma vida dependendo dos outros até para marcar consulta no médico, hoje consigo fazer minhas coisas sozinha”, conta emocionada Maria Anunciada de Lima, 69 anos, enquanto mostra orgulhosa as palavras escritas no seu caderno. 

O processo de alfabetização é longo, dura de três a quatro anos e, por conta da pandemia, as aulas estão suspensas desde 2020. “Senti muita falta das aulas e de aprender durante esses dois anos. Sozinha não consigo, queria estudar com o professor, que tem muita paciência com a gente que já é idoso. Às vezes a cabeça sai do lugar e ele vem e ajuda”, fala Maria sobre Alex Trajano, 27, fundador e professor da instituição, fundada em 2009. Pernambucano e apaixonado por educação, o docente chegou a Mauá com 5 anos e aprendeu a ler e escreve somente aos 9. 

Assim como seus alunos, Alex enfrentou de perto a fome e a extrema pobreza no sertão. “Sou nordestino com orgulho, vim da roça, vim da marginalização e da exclusão social. O dia que tinha o arroz não tinha o feijão. O dia que tinha o açúcar, não tinha o café. Não foi fácil. Encontro nos meus alunos semelhança com a minha história. São pessoas que saíram desbravando a selva de pedra em busca de melhores condições. Quando vejo aluno assinando o seu nome pela primeira vez e fazendo coisas básicas que muitas vezes nós não damos valor porque já somos alfabetizados, é impossível não se emocionar. A alfabetização é um processo de libertação, a educação só faz sentido quando ela é construída coletivamente”, ressalta o docente, formado em pedagogia, pós-graduado em docência do ensino superior e neurociência da aprendizagem. 

A metodologia de ensino da associação alfabetiza os idosos e os prepara para grade curricular do quarto ano do EJA (Educação de Jovens e Adultos). 

SEM ENDEREÇO

Com as aulas paralisadas desde o início da pandemia, o projeto está sem endereço para retomar as atividades. Isso porque o espaço de sete metros quadrados, que ficava na casa do professor, no Jardim Itapark, foi vendido e os 60 alunos estão sem local para estudar. O jeito de não parar foi apertar os alunos entre os produtos de limpeza que são vendidos na garagem da Luzinete Maria De Amorim, 66, também aluna. 

“Se depender de mim as aulas não irão parar, eles podem ficar o tempo que quiserem. É até engraçado estudar aqui, porque agora consigo ler o nome dos meus produtos. Ali está a cândida, o sabonete líquido, e do lado o detergente” explica sorridente a estudante, que ainda ressalta. “Onde o professor for nós vamos atrás”, finaliza. 

A esperança por novo local está nas mãos de terceiros: a associação promove campanha de doações para poder construir sua sede, em um terreno no próprio bairro que foi cedido pela Prefeitura de Mauá, em 2020. 

Além do projeto de alfabetização, a associação também oferece ajuda social as pessoas vulneráveis, com doação de roupas e alimentos. No total são beneficiadas cerca de 70 famílias carentes Os interessados podem ajudar no e-mail do fundador (alextrajano95@gmail.com) ou pela página do instagram da fundação (@Acects2009). 

Região tem 12.434 alunos matriculados na EJA

Recuperar o tempo perdido é o principal desejo de 12.434 pessoas que estão matriculadas gratuitamente na EJA (Educação de Jovens e Adultos) nas cidades do Grande ABC. A modalidade contempla dois níveis, do 2º ao 5º ano, que inclui alfabetização e a pós alfabetização, além do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.

A cidade com o maior número de inscritos é Santo André, com 2.290 matrículas, seguida por São Bernardo (2.009), Diadema (1.838), Mauá (632) e Rio Grande da Serra (33). A Prefeitura de Ribeirão Pires explicou que está estruturando a EJA na cidade e a administração de São Caetano não respondeu à demanda. Existem ainda outras 5.632 pessoas que estão matriculadas na modalidade em escolas estaduais.

Os interessados em participar das aulas deve procurar as escolas municipais. Em Santo André, por exemplo, são 23 unidades escolares que atendem a EJA, sendo 18 Emeiefs (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) – sendo que destas, cinco oferecem o curso profissionalizante – e cinco centros públicos de formação profissional. Em São Bernardo são 27 unidades de ensino que oferecem alfabetização para adultos. No âmbito municipal, a EJA é ofertada a munícipes com idade mínima de 15 anos completos. As aulas são disponibilizadas nos períodos da manhã, tarde e noite.

Diadema conta com 15 escolas oferecendo aulas de alfabetização de adultos, enquanto que em Mauá a modalidade está acessível em dez escolas municipais. Por fim, em Rio Grande da Serra, as aulas são na Emeb (Escola Municipal de Educação Básica) Professora Rachel Silveira Monteiro.




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