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Bispos serão ausências de peso em ato no Sindicato
Por Lola Nicolas
Do Diário do Grande ABC
17/04/2005 | 12:28
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Dois personagens importantes do movimento sindical do Grande ABC estarão ausentes na segunda-feira, na festividade de comemoração dos 30 anos da posse de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Um ficou conhecido como “bispo vermelho”. O outro é conhecido até hoje como o “bispo operário”. O primeiro era dom Jorge Marcos de Oliveira, fundador da Diocese de Santo André e primeiro religioso a se manifestar a favor dos trabalhadores da região. Dom Jorge ficou na região de 1954 até 1975. Morreu em 28 de maio de 1989. O “bispo operário” é dom Cláudio Hummes, que dirigiu a diocese de 1975 até 1996. Atual arcebispo de São Paulo, o cardeal está no Vaticano, onde é um dos candidatos a ser o novo papa.

A Igreja teve importância fundamental no movimento sindical no Grande ABC. Mesmo antes da grande greve de 1980, que resultou na intervenção governista nos sindicatos dos metalúrgicos de Santo André e de São Bernardo e na prisão dos principais líderes da época, os trabalhadores da região encontraram na Igreja Católica o respaldo necessário para construir o movimento operário que se tornou o primeiro passo para o fim da ditadura no Brasil. E os dois homens de batina se tornaram inesquecíveis naquela luta.

Fundada em 13 de agosto de 1954, 12 dias antes do suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Diocese de Santo André se transformou em marco histórico do sindicalismo brasileiro. Para comandá-la, o Vaticano escolheu um carioca de 38 anos, bispo-auxiliar no Rio de Janeiro, onde fazia trabalhos sociais em favelas. Dom Jorge Marcos de Oliveira iniciou as atividades no Grande ABC pautado pela idéia de aproximação com o povo, procurando conhecer cada vez mais de perto a realidade da classe trabalhadora.

A dedicação do bispo jovem em atuar junto aos operários atraiu padres de vários cantos do Brasil para o Grande ABC, todos determinados a apoiar a luta pela categoria. O movimento sindical mal caminhava quando, em 1959, o bispo da Diocese de Santo André idealizou a lei que concede prioridade aos operários nas indenizações em caso de falência das empresas onde tenham trabalhado.

Também foi dom Jorge quem convenceu a Frente Nacional do Trabalho, organismo de advogados católicos que atuava em apoio à classe operária, a se instalar no Grande ABC. Na época, o ex-prefeito de São Bernardo Maurício Soares era estagiário de direito na entidade. No início dos anos 70, o bispo teve participação memorável na greve da Rhodia. “Ele era progressista demais e enfrentava tudo sem medo. Sempre ao lado dos trabalhadores. Graças ao apoio dele, aquela greve se transformou em nosso fortificante para a luta operária. Ele era um guerreiro”, elogia Benedito Marcílio, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André.

Cláudio Hummes – Para uns, dom Cláudio foi muito mais aguerrido e corajoso que o antecessor. Contra o contexto da Igreja na época, ele deu início a uma Diocese progressista e chegou a se indispor com parte do clero brasileiro, que o recriminava pela postura em favor do movimento sindical, que no final dos anos 70 fervilhava no Grande ABC. Se para os metalúrgicos da época, dom Cláudio era um “bispo de macacão”, para os militares, empresariado e religiosos conservadores, o atual arcebispo de São Paulo era mais “vermelho” (comunista) que dom Jorge.

Gaúcho de nascimento, Cláudio Hummes chegou ao Grande ABC em meados de 1975, primeiro como adjunto da Diocese e, em dezembro do mesmo ano, como bispo. no lugar de dom Jorge. Desde os primeiros dias Hummes esteve presente junto à Pastoral Operária e participou de todas as reuniões e assembléias comandadas por Luiz Inácio Lula da Silva e seus companheiros de sindicalismo. O religioso, por várias vezes, chegou a colocar a própria vida em risco para proteger os trabalhadores, postando-se à frente das tropas policiais e do Exército, enviadas ao Grande ABC para dispersar uma assembléia, ou ainda escondendo os líderes do movimento em suas igrejas.

Quando Lula e outros líderes sindicais foram enclausurados nos porões da Deops (Delegacia de Ordem e Política Social), temida por torturar e “sumir” com supostos “revolucionários”, foi o cardeal quem fez plantão na porta do cárcere, de vigília, para que nada ocorresse com os “companheiros”. Quando a classe patronal endureceu o jogo de negociações com os grevistas, novamente dom Cláudio surgiu para intermediar a conversa.

O atual arcebispo de São Paulo sempre esteve ao lado dos trabalhadores, dos sem-teto, dos sem-emprego e dos necessitados do Grande ABC. Enfrentou gás lacrimogêneo, ameaças de prisão, pressões do governo, mas não arredou pé. Lutou, venceu e festejou com todos os oprimidos da região as conquistas sindicais e o fim da ditadura no Brasil. Naqueles anos, ele dizia: “O bispo tem estar onde está seu povo, sobretudo no conflito, na decisão. Estar no meio do trabalhador não quer dizer assumir o trabalho do dirigente sindical, do político. A Igreja tem de respeitar a legítima autonomia das organizações temporais”. Esse era dom Cláudio “metalúrgico”, que na segunda-feira, na festa dos sindicalistas do Grande ABC, estará fechado no Vaticano, participando do primeiro dia do conclave para a escolha do substituto do papa João Paulo II. E a luta do “bispo operário” do Grande ABC pode ser coroada com o trono de São Pedro.




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