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Arte pela verdade
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
01/09/2009 | 07:00
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Divulgação


Diretora de filmes como "Um Céu de Estrelas" e "Antonia" - que depois virou minissérie - Tata Amaral tem como uma das marcas de seu trabalho lançar mão da ficção para fincar os pés na realidade. Desta vez, porém, a cineasta ultrapassa as fronteiras da temática social, universo em que transita com tranquilidade, para lançar nova perspectiva sobre o período da ditadura militar no Brasil, mais precisamente sobre a história daqueles que lutaram contra o regime. O resultado, esse biscoito fino que é espécie de preâmbulo para seu próximo longa, estreia hoje, às 23h10, na TV Cultura, como minissérie em quatro capítulos intitulada "Trago Comigo".

O personagem central é Telmo Marinicov - interpretado de forma magistral por Carlos Alberto Riccelli - , ex-guerrilheiro que foi preso, torturado e exilado e que, ao voltar ao País, torna-se diretor de teatro de relativo sucesso. Um pouco a contragosto, é levado por amigo a dirigir uma peça. Descarta o texto inicial e passa a recontar a própria história, expurgando fantasmas e culpa no espetáculo que dá título à minissérie.

O fio condutor da peça é Lia, ex-companheira de Telmo, sobre a qual ele se recusava a lembrar ou falar, até sua namorada, Mônica (Georgina Castro), o levar a revolver o trauma. Bem mais jovem que ele, Mônica é a quem encarna Lia no palco, tendo companhia outros quatro inexperientes atores (um deles é galã de novela), que pouco sabem do recente passado histórico no Brasil.

O embate entre as duas gerações - e em, ultima instância, o confronto entre passado e presente - é um dos pontos fortes do trabalho de Tata. "Em primeiro lugar, queria informar, porque muita gente não sabe o que o aconteceu", diz a cineasta. A juventude, em especial. "Sei que corria o risco de ser panfletária, mas tinha que falar (sobre isso)", diz Tata. Ela parte da questão política para mostrar uma visão de certo modo poética e pessoal.

Em uma costura sagaz, em que o plano fictício é entremeado por depoimentos de ex-combatentes de verdade, a história ganha força e peso na argumentação, ao mesmo tempo em que reforça o poder transformador da arte. Uma arte que se respalda na verdade, a mesma verdade que cura as chagas de Telmo. E que deve vir à tona para curar a ferida aberta na história do País.

Os depoentes argumentam que até hoje os algozes dos militantes jamais foram punidos, enquanto famílias inteiras foram torturadas - algumas pessoas, até a morte. E que é preciso abrir os arquivos da ditadura.

Tudo é tão tristemente irônico que Tata resolveu suprimir os nomes dos torturadores mencionados pelos depoentes, receosa de ser processada por eles. "Todo mundo sabe quem são, a imprensa noticia, mas não posso mencioná-los, porque não foram julgados e eu posso ser processada. É um absurdo". desabafa. Mas essa foi uma escolha dela, pois diz que a TV Cultura votou a favor de levar os nomes ao ar.

Com "Trago Comigo e Hoje" - filme no qual discutirá a indenização concedida pelo governo a parentes de desaparecidos políticos - Tata Amaral quer lançar luzes sobre a verdade. Sem deixar nenhuma sombra, essa "sombra que assombra", e que ainda garante liberdade e proteção aos torturadores. Uma história de impunidade que deixa como triste legado a cultura do abuso de autoridade e a violação dos direitos humanos.




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