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Fernando Morais biografa ACM
Rení Tognoni
Da Redaçao
12/06/1999 | 15:20
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O jornalista e escritor Fernando Morais, 52 anos, que atualmente mora em Paris, na França, está iniciando as pesquisas para compor aquela que será sua primeira biografia sobre um personagem vivo: o senador e líder político baiano Antônio Carlos Magalhaes. Morais ainda nao começou a escrever o livro e nem definiu seu título. O trabalho está na fase de coleta de depoimentos e documentos, a qual o escritor realiza, em suas visitas ao Brasil, junto a políticos, amigos e inimigos de ACM.

Em entrevista ao Diário, concedida via e-mail, o escritor falou sobre o motivo que o levou a escrever sobre um personagem de direita, odiado e amado na mesma proporçao na política brasileira. Antes dele, Morais dedicou-se a produzir obras que sao consideradas, até domingo, verdadeiras bíblias esquerdistas.

A primeira, um best-seller, foi A ilha (1976), reportagem sobre o cotidiano da Cuba de Fidel Castro, que ganhou traduçoes na Alemanha, Porto Rico, México e Itália. Em 1985, o escritor lançou Olga, livro sobre a vida da revolucionária alema Olga Benario, que foi casada com o líder comunista Luiz Carlos Prestes. A biografia foi traduzida em 17 países. Em 1994, menos ideológico, publicou Chatô, sobre o jornalista e empresário Assis Chateaubriand.

Nos próximos meses, Morais também estará lançando no Brasil, pela Companhia das Letras, outro livro, cujo título provisório - segundo a editora - é Japoneses. Desta vez, ele retrata uma seita fundamentalista japonesa criada em Sao Paulo no fim da Segunda Guerra.

Em relaçao à biografia de ACM, o escritor afirma que pesquisará desde sua infância até os dias de domingo - e admite que, uma eventual candidatura do senador à Presidência em 2002 "daria uma pimenta toda especial ao livro". Leia trechos da entrevista:

DIARIO - Em 1996 você decidiu que escreveria uma biografia do senador Antônio Carlos Magalhaes. Em quais circunstâncias surgiu o nome de ACM como tema para um livro? FERNANDO MORAIS - Ao dar uma entrevista no programa do Jô Soares, logo que publiquei Chatô, ele me perguntou se nao havia um traço mórbido na personalidade dos biógrafos, pessoas que dedicam a vida a desenterrar defuntos. Respondi que no meu caso nao, até porque gostaria muito de biografar alguns brasileiros vivos, como o ex-guerrilheiro Apolônio de Carvalho, o general Ernesto Geisel (que na época ainda estava vivo) e o senador Antônio Carlos Magalhaes. Amigos comuns (meus e de ACM) ouviram isso e fizeram a aproximaçao entre nós. DIARIO - Depois de escrever A ilha, sobre a Cuba de Fidel Castro, e Olga, sobre a mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes, por que falar de um político identificado com a direita, como ACM? MORAIS - Eu costumo dizer que jornalista que nao se interessa pelo ACM deveria mudar de profissao. Montar uma alfaiataria, por exemplo, ou uma corretora de valores. E às pessoas que, como você, se surpreendem com o fato de eu ter escolhido o senador como personagem, lembro que, depois de ter escrito Olga, cheguei a pensar em fazer a história do delegado Sérgio Fleury - com cuja memória, naturalmente, nao tenho qualquer afinidade. Mas eu entendo a pergunta. É que há autores que preferem escrever sobre personagens com os quais tenham algum tipo de proximidade ou de simpatia. Nao é o meu caso. Me interessam personagens cujas histórias permitam contar um pouco da História que nao nos foi contada nos bancos de escola. E o senador ACM, sem nenhuma dúvida, está nessa categoria. DIARIO - Depois que você anunciou o desejo em escrever sobre ACM, ele mesmo manifestou o interesse no projeto. Vocês se reuniram, depois disso, para discutir o livro? MORAIS - Semanas após nosso primeiro encontro eu comecei a gravar os depoimentos dele. Nao saberia lhe dizer quantas vezes viajei a Salvador ou a Brasília para tomar esses depoimentos. Já devo ter umas 400 laudas só disso. Depois, transportei para Sao Paulo todo o arquivo pessoal dele, copiei tudo e levei os originais de volta a Salvador. Agora estou dando uma primeira organizada nessa montanha de papéis, documentos, fitas, discos. DIARIO - Você já começou a escrever o livro? MORAIS - Ainda nao estou escrevendo. Nas minhas próximas viagens ao Brasil vou começar a gravar depoimentos das pessoas que gravitaram na órbita dele: amigos, inimigos, adversários, parentes, amigos de infância, namoradas, políticos. Só depois disso é que vou pensar em sentar para escrever. DIARIO - Quando será o lançamento? Já há um título definido? MORAIS - Ainda nao sabemos nem quando será o lançamento nem que título terá. O título, em geral, ou nasce de cara ou é a última coisa a ser concebida. E o livro vai ser publicado pela Companhia das Letras. DIARIO - As biografias anteriores, de Assis Chateaubriand e Olga Benario, falavam de pessoas já mortas. O senador ACM, ao contrário, continua muito atuante na vida política do país. Quais as vantagens e desvantagens de escrever sobre alguém ainda vivo e, principalmente, em plena atividade? MORAIS - É, essa é uma experiência nova - com vantagens e desvantagens. A principal desvantagem é que, por estar vivo, o personagem está, de certa forma, construindo a própria biografia, o que costuma deixar o autor meio zonzo, meio perdido. A vantagem é que, se eu tivesse tido a oportunidade de passar uma semana que fosse, com Olga Benario ou com Assis Chateaubriand, suas biografias teriam sido melhores do que foram. DIARIO - Gostaria que você falasse sobre o seu método de trabalho para escrever uma biografia. MORAIS - Se eu tivesse um método, ou uma receita, estaria rico. Aliás, há algum tempo um professor da USP me acusou de "nao ter metodologia". Eu respondi que para o próximo livro vou fazer um curso de metodologia - quem sabe assim eu venda menos livros. Isso varia de personagem para personagem. Com brasileiro você trabalha de um jeito, com estrangeiro já é de outro. Vivo é assim, morto é assado. O que sei dizer é que a informática poupa muito trabalho, ajuda a organizar a maçaroca de documentos e de dados que vai se acumulando no processo de pesquisa. DIARIO - Serao publicados eventuais fatos desfavoráveis à imagem de ACM? MORAIS - Tudo, rigorosamente tudo o que eu apurar sobre o personagem será publicado. Sem a preocupaçao de que algo possa ser favorável ou nao a ele. Biografia, no meu entender, nao é para canonizar nem para crucificar ninguém, mas contar ao leitor como o personagem é, ou foi. DIARIO - O texto passará pelas maos do senador antes de ser publicado? MORAIS - Nao. O primeiro exemplar que sair da gráfica será dele. Foi assim que fiz com a família de Olga Benario e com os filhos de Assis Chateaubriand. Aliás, a biografia do senador Antônio Carlos será tao autorizada quanto foram as de Olga e de Chatô, na medida em que ACM, assim como os familiares de Olga Benario e Chateaubriand, está me ajudando. Mas isso nao implica em que o texto final de meus livros passem pelo imprimatur de quem quer que seja. DIARIO - Além da biografia de ACM, você deve lançar até outubro um livro sobre japoneses. Fale um pouco sobre essa obra. MORAIS - Esse conta a história de uma seita fundamentalista japonesa, a Shindô Remmei, que foi criada em Sao Paulo no fim da Segunda Guerra. Seus seguidores nao acreditavam que o Japao tivesse perdido a guerra, e matavam os membros da colônia que acreditavam. Mataram mais de 100 pessoas, de humildes feirantes até grandes industriais. Terminei há pouco a pesquisa, que custou três anos de trabalho, e estou escrevendo. Espero poder entregar logo os originais à editora. DIARIO - Quais sao seus outros projetos? MORAIS - Uma vez fizeram essa pergunta ao escritor norte-americano Ernest Hemingway. Se nao fosse ousadia demais, gostaria de poder roubar a resposta dele: meu projeto futuro é ir para a Espanha na temporada dos touros, beber os melhores vinhos, dormir com as mais belas mulheres e depois nao ter de escrever uma única linha sobre nada disso... DIARIO - Escrever ficçao parece ser algo de pouco interesse para você... MORAIS - De pouco, nao. De nenhum interesse. Porque nao sei fazer ficçao e, como diria madame Elena Landau, "I`m too old for this shit". Já nao estou mais na idade de aprender nada. DIARIO - No atual cenário literário brasileiro, quais sao os autores que o entusiasmam? MORAIS - Rubem Fonseca, Raduan Nassar, Joao Ubaldo Ribeiro. Na poesia nao vejo nada de novo no horizonte. DIARIO - Por que se mudou para Paris? Há des-crença quanto ao futuro do país? MORAIS - Nao, nao se trata de descrença. Estou com 52 anos. Trabalho todos os dias desde os 13 anos - minha primeira carteira profissional tem 39 anos de vida. Achei que tinha direito a me dar esse prêmio. Juntei um dinheirinho, vendi a moto, o carro e vim para cá com minha mulher. Escrevo para a Playboy, estou terminando o livro dos japoneses, faço um boletim diário para a Rádio Nova FM, de Sao Paulo. Se a grana der, vou ficando. Se acabar, volto para o Brasil, numa boa.




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