Política Titulo 60 anos do Diário
‘Onde há desigualdade há sofrimento’
Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
05/04/2018 | 07:00
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Silmara Conchão, 51 anos, sustenta até hoje papel importante para o movimento feminista do Grande ABC. Foi ainda jovem que ela deu o pontapé inicial, em 1991, à luta pela igualdade de gênero e também pela implantação de políticas públicas direcionadas às mulheres na região. De lá para cá nunca mais parou.

Responsável pela conquista da primeira Casa Abrigo Regional do Grande ABC e da criação de outros projetos voltados às mulheres, atualmente ela diz ainda lutar para o fim das desigualdades de gênero e racial. “Onde há desigualdade há sofrimento mental e violência. Por isso, precisamos lutar”.

A senhora é reconhecida nacionalmente por sua luta pela igualdade de gênero e também pela implantação de políticas públicas direcionadas às mulheres no Grande ABC. Como surgiu o engajamento por esse tema?
Surgiu através do meu ativismo jovem no Fé Minina (Movimento de Mulheres de Santo André), o qual participei, com diversas companheiras, da criação deste movimento em 1991.

Naquela época, o senhora se recorda como era a cobertura do Diário em relação ao assunto?
<EM>Sim, já havia cobertura do Diário quando a assessoria dos Direitos da Mulher, organismo do Executivo andreense, foi criada, em 1989, na administração petista do então prefeito Celso Daniel (PT, morto em 2002). Me recordo da presença do Diário durante a criação da Delegacia de Defesa da Mulher, em 1991. Houve ainda a cobertura da criação do Vem Maria, que neste ano completa 20 anos,

E a primeira reportagem produzida pelo Diário com a senhora. Quando ocorreu?
No período em que eu assumi a assessoria dos Direitos da Mulher, em 2001. Ainda na gestão do Celso Daniel, em Santo André. Assumi, após Ivete Garcia e Matilde Ribeiro, a responsabilidade de tocar essa área no governo andreense. Nesta época tivemos cobertura do jornal quando criamos o primeiro curso de Promotoras Legais Populares do ABC, ação que nunca parou e hoje temos essa formação acontecendo em seis municípios da região para fortalecer lideranças femininas em todos os cantos do (Grande) ABC. Deram cobertura também em 2003, quando estávamos criando a Casa Abrigo Regional do Grande ABC no Consórcio Intermunicipal, dentre outras matérias, que inclusive guardei todas e temos organizadas cronologicamente no Museu de Santo André e são utilizadas com frequência em pesquisas acadêmicas do tema.

Desde então, a senhora vê avanços no que diz respeito à implantação de políticas públicas direcionadas às mulheres na região? 
Vimos avanços concretos, mas também grandes retrocessos. Às vezes desanima quando sinto que a gente dá três passos à frente e dois para trás. E isso é bem difícil para mulheres que estão nesta luta na região desde sempre. O que nos dá força é a resistência das que estiveram antes da gente. Valorizo muito as que nos abriram as portas.

Na sua avaliação, falta engajamento de prefeitos da região na luta pelo combate à discriminação e às desigualdades de gênero?
Sim. Falta a compreensão que esta questão não devia ser partidária. A necessidade é urgente de avançarmos. Por todas as mulheres. Hoje e por todas as gerações que virão. Estamos falando de um sistema social, cultural, histórico e injusto. Perdemos vidas de mulheres que poderiam ser preservadas se houvesse igualdade e respeito. E isso começa por nossa educação sexista, que nos divide em dois mundos: o masculino e o feminino. O rosa e o azul. Essa distância, essas diferenças construídas socialmente nos levam ao abismo da violência doméstica e de gênero. E por ser um problema cultural, de Saúde e de Segurança grave deve ser levado em conta na formulação das políticas públicas. Celso Daniel dizia isso: ‘As desigualdades entre homens e mulheres, as desigualdades raciais também que são estruturantes, devem ser objetos de ação governamental, senão não haverá inclusão social’.

Nos últimos anos, temos visto um maior empenho da sociedade civil em pautar o assunto? A senhora vê a população do Grande ABC nesse mesmo caminho?
Vejo sim. O movimento feminista jovem, favorecido pelas redes sociais, tem disseminado a luta por reconhecimento, e isso é muito importante e surpreendente. Garotas muito jovens têm se identificado com essa luta, que não é contra os homens, mas sim por uma sociedade mais justa e igualitária. É contra, sim, o nosso sistema de dominação e elas estão denunciando implacavelmente essa estrutura naturalizada. No Grande ABC não é diferente. Hoje temos a força do movimento jovem feminista com a gente e isso é renovador das nossas esperanças. Mas não é suficiente. Precisamos retomar nossas bandeiras de luta, clamando por participação na política e também por redistribuição justa dos recursos materiais. Tivemos muitas conquistas, mas, se ainda não está bom para as mulheres pobres e negras, temos que lutar juntas.

A senhora acredita que o empoderamento feminino tem ganhado força na região?
Acho que sempre. As nossas universidades federais têm tido um papel importante neste empoderamento. Tenho feito algumas disciplinas do meu doutorado e tenho percebido o engajamento, o fortalecimento e a participação de nossa camada popular incluída neste espaço acadêmico, um dos melhores do Brasil. Isso não é pouca coisa na vida de pessoas que se não tivessem tido essa oportunidade estariam à margem da sociedade. Lá estão estudando, produzindo informações acadêmicas importantes para o desenvolvimento pessoal, das comunidades e do Brasil como um todo. Isso é transformador. Tenho orgulho das nossas federais da região.

Ainda são recorrentes os casos de feminicídio na região. O que pode ser feito para diminuir esses indicadores?
Avançamos (na diminuição dos casos), mas estamos há anos enxugando gelo. Para reverter esse cenário precisamos continuar fortalecendo e reafirmando o papel das delegacias da mulher e dos centros de apoio às mulheres da região. Da importância da organização dos serviços de Segurança e de Saúde. Tudo isso para proteger e fazer o enfrentamento da violência contra a mulher. Além disso, é muito importante tirar a Lei Maria da Penha do papel, que ainda é um desafio por causa de nossa cultura machista, que está instalada também nos serviços, desde aquele que atende até aquele que julga um crime. Temos que atuar fortemente e incisivamente na origem das desigualdades entre homens e mulheres. Trabalhar gênero na Educação, sim.

Nos últimos anos temos visto a queda de mulheres tanto no alto escalão de prefeituras da região até mesmo na Câmara de Vereadores. Como a senhora justifica esse cenário?
É a cultura machista e patriarcal, que impede de avançarmos na participação política. Mulheres ainda são consideradas menos que os homens. Quando ocupam a política têm que trabalhar triplamente para provar e enfrentam situações relacionadas ao preconceito que colocam muitas em situação de violência institucional. O impeachment da (ex)presidente Dilma Rousseff (PT) foi cruel neste aspecto. Violência pura contra a mulher. Contra nós, mulheres. E a gente precisa falar disso também quando pensamos em mulheres na política.

A vitória de vereadoras nas próximas eleições pode reverter esse cenário?
Sim. Ajudaria muito. Mas mulheres que não reproduzissem a lógica da dominação machista de fazer política. Chega definitivamente de clientelismo, favoritismo, de toma lá dá cá. Assim não muda nada. As mulheres na política com visão sociológica das desigualdades, ou podemos falar as feministas no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, têm feito e fazem história. Fazem jus à Constituição. De qualquer forma, o que eu ainda acho muito difícil de acontecer hoje é aumentar as mulheres no Legislativo. As mulheres corajosas que entram numa disputa política sabem bem das dificuldades que encontram nesse caminho. Dificuldades relacionadas à falta de recursos e ao preconceito violento que nos diz a todo tempo que nosso lugar não é na política.

Na sua avaliação, nos últimos anos houve retrocessos no que diz respeito a políticas públicas voltadas às mulheres?
Hoje não temos mais a Secretaria de Políticas para as Mulheres e na região não temos referência forte de organismos de políticas para este grupo. Perdemos essas referências nos governos. Mas o movimento está firme e de olho. O que temos hoje são os serviços e, se não ficarmos atentas, poderão ser extintos como já vimos em períodos passados. Nem gosto de falar de passados de retrocessos. Mas, ao mesmo tempo, não podemos nos calar. Além disso, é importante lembrar que queremos políticas sociais de volta. Onde já se viu o governo federal congelar verbas de Saúde e Educação por 20 anos e o Congresso compactuar com isso. A nossa região padecerá por isso.

Recentemente tivemos o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), no Rio de Janeiro. A senhora acredita que a repercussão do caso fortaleceu a luta pela igualdade de gênero?
Preferia ela viva. Ela na vereança no Rio, ela no Planalto, ela no Senado. Ela na Presidência da República. E não interditada, executada, enterrada. Estou até hoje muito, mas muito triste com essa execução. Eu a conhecia. Fizemos mesa lá no Rio em 2016. Almoçamos juntas. Ela foi falar do trabalho com as mulheres da Maré e eu, das mulheres de Santo André. Linda e virtuosa, falou com conhecimento de causa, sabedoria, firmeza e paixão. E é exatamente isso que nos estimula a continuar. O sonho nosso, dela, meu, não morreu, não está interditado, e por isso, com nó na garganta, mas com força e resistência, seguiremos firme, como ela fez, e está viva em nós!

Se pudesse realizar qualquer feito no Grande ABC, qual seria?
Um centro de apoio à diversidade LGBTT regional e uma casa de passagem regional às mulheres em situação de violência. Falávamos com os prefeitos em 2015/2016 sobre isso. Aliás, entrou em nosso Plano Plurianual Regional Participativo. Aliás, cadê esse plano? Aproveito então para dizer da importância da continuidade das ações de políticas que estão conectadas com a realidade social. Mudam-se as gestões e querem reinventar a roda. Considero desrespeito com nossa população, principalmente a que mais precisa e a que participou da construção desses processos, como as mulheres e a nossa comunidade LGBTT da região na época, por exemplo.

E que futuro espera para o Grande ABC?
Aqui é o microcosmo do que está acontecendo no mundo e em nosso País. Está tudo muito difícil. Mas não podemos desistir e abrir mão da participação política, de nossa democracia, que ainda precisa avançar em muitos aspectos. Espero que a vida das pessoas melhore sempre. Vejo a camada mais pobre da nossa população sofrer muito hoje com os retrocessos. Mais gente pedindo, mais crianças nos faróis, sem esperança. Penso dia e noite na falta de moradia. Espero casa, escola e comida para todas as pessoas. Espero mais mulheres na política, sim. Espero também que cuidemos melhor das nossas crianças. Que cuidemos também do meio ambiente. Os animais e a natureza harmonizam as cidades. Que nossos governantes cuidem sempre das nossas professoras e professores das escolas públicas. O meu maior respeito a esta categoria. A nossa região merece tudo isso e que, inclusive, ninguém morresse mais por preconceito nem por desigualdades. 




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