Política Titulo A favor da democracia
Com quase 56 anos, Diário
desafiou o regime militar

Publicação condenou censura e garantiu amplo
espaço para movimento sindical no Grande ABC

Ademir Médici
Evaldo Novelini
20/04/2014 | 07:00
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Banco de Dados/DGABC


O Diário, que completa 56 anos no dia 11, nunca se vangloriou. Mas o jornal foi um dos poucos a manter na pauta assuntos incômodos à ditadura militar (1964-1985), instalada no Brasil há 50 anos.

A publicação fez cobertura diferenciada em relação aos chamados jornalões, editados no eixo São Paulo-Rio de Janeiro – que apoiaram o golpe. A grande imprensa só reviu a linha a partir da edição do Ato Institucional nº 5, de 1968, quando adotaram, aí sim, postura crítica aos rumos tomados pelo que, no início, foi chamada de Revolução Redentora.

O jornal se preocupou desde o início com os rumos que poderia tomar o movimento militar. Em 5 de abril de 1964, na primeira edição após a quartelada que depôs o presidente João Goulart (1919-1976), em 31 de março, o editorial do semanário News Seller, precursor do Diário, admoestou: “As Forças Armadas (...) neste exato momento assumem, perante o povo, perante o trabalhador, sérias responsabilidades.”

O tom dos editoriais foi subindo, para atingir grau máximo na edição de 15 de dezembro de 1968, dois dias depois da instituição da censura prévia nas redações: “Diante do Ato Institucional nº 5, temos que acatar os desígnios. Mas, como brasileiros e cidadãos amantes da ordem e da paz, conservemos as esperanças, tantas vezes frustradas, de que uma revolução pode ser feita inutilmente e muito menos contra o País.”

A opinião do jornal era escrita pelo diretor de Redação, Fausto Polesi (1930-2011), um dos fundadores do Diário. Vista pontualmente, pode parecer que a assertiva de que o jornal se manteve imparcial é exagerada. Mas visão geral da linha editorial nos momentos políticos mais exacerbados da vida política nacional e regional demonstra que o veículo se pautou em abrir espaço aos vários lados da questão.

Principalmente para os sindicalistas, considerados inimigos do regime. Mesmo sob intensa pressão, o Diário nunca deixou de noticiar a organização dos trabalhadores, sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, que chegaria à Presidência da República em janeiro de 2003.

“O jornal tinha ótima imagem na área sindical, porque não apoiava a ditadura”, recorda o jornalista e escritor Milton Saldanha, que atuou no Diário. A coluna Sindicatos, assinada por Ruy de Toledo acompanhou, passo a passo, os primeiros dias do regime militar na região. Na semana de 5 a 11 de abril de 1964, o espaço noticiou a intervenção nas entidades trabalhistas mais atuantes nas cidades do Grande ABC.

Do mesmo modo, a coluna Mirante Político foi a primeira a informar sobre a renúncia de três vereadores de Santo André, considerados indesejáveis pelo regime: Acilino Belissomi, colaborador do News Seller; Lincoln Grillo, futuro deputado federal e prefeito; e Alaor Caffé Filho, futuro secretário de Estado.

Lula esteve diversas vezes na sede do Diário, aonde foi entrevistado por Polesi. Metalúrgicos foram fotografados erguendo a primeira página do jornal em suas passeatas e assembleias, inclusive nos momentos preocupantes em que policiais militares apontavam metralhadoras em voos rasantes sobre o Estádio de Vila Euclides, depois 1º de Maio, em São Bernardo.

Polesi definiu foco e manteve a defesa da pluralidade em época de restrições

A linha combativa do Diário no período da ditadura militar foi definida pelo então diretor de Redação, Fausto Polesi (1930-2011). A abertura das páginas do jornal aos vários segmentos deveu-se a um dos quatro fundadores do veículo e que pode ser definido como nacionalista-democrático.

“Tinha convicção da necessidade de um jornal pontificar as suas opiniões. Um jornal sem receio de apontar falhas, principalmente do homem público. Esta minha posição já vinha mesmo antes do lançamento do News Seller (precursor do Diário). Fui tecelão. Em várias oportunidades escrevi para o jornal do Sindicato dos Tecelões de São Paulo. E a minha conduta era sempre a de me posicionar perante determinadas coisas e de fazer críticas”, declarou Polesi, em entrevista por ocasião dos 20 anos do veículo, em 1978.

Jornalista ou colaborador do Diário nunca deixou de ser admitido ou selecionado pela coloração da sua posição política. Profissionais de todas as tendências ocuparam as páginas do jornal. Polesi só não admitia que se fizesse proselitismo político.

“Em nenhum instante quem quer que fosse determinou aquilo que o jornal deveria publicar. Isso foi sempre uma prerrogativa do jornal, dos diretores, da organização em si. Em função disso, o Diário ganhou o respeito do leitor”, relembrou o diretor.

Foi graças a essa visão que o jornal sempre cedeu espaço às reivindicações sindicais, que o governo militar queria silenciadas, especialmente na década de 1970. “O jornal começou a ecoar as reivindicações dos sindicalistas, dentro desta linha de defesa da comunidade. O jornal passou a ser procurado pelas lideranças. Em várias eleições, foi o ponto de aglutinação e até de determinar o resultado. E nunca tomou partido. Sempre se manteve imparcial, dando cobertura às diversas chapas que aparecessem”, explicou Polesi.

Jornal chamava de ‘ditadura’ o golpe que a concorrência dizia ser revolução

Revolução. Redentora. Movimento Militar Democrático. Foram muitas as definições que a mídia em geral, sob censura, utilizou de 1964 até 1985 para se referir ao golpe que, em 31 de março de 1964, tirou do poder João Goulart (1919-1976), presidente legitimamente eleito. O Diário, porém, manchetou na edição de 31 de julho de 1968: “Brasil vive ditadura”.

Naquela quarta-feira, o jornal reproduzia, sem meias palavras e em seu espaço mais nobre, declaração do ex-comandante do 2º Exército, marechal Amaury Kruel (1901-1996), sobre a recente prisão de figura expoente da República: “Infelizmente hoje estamos vivendo numa ditadura, coroada com o confinamento do ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992).”

Kruel, que dera sustentação à sublevação de março, lamentava na reportagem o desvirtuamento de propósitos do movimento – e atacava, embora de maneira dissimulada, o presidente da República. “Jamais posso acreditar que a força conseguiu converter, de uma hora para outra, a personalidade do marechal (Artur da) Costa e Silva (1899-1969)”, afirmava o ex-comandante do 2º Exército.

Na mesma edição, artigo de Nelson Camargo tangenciava assunto que atemorizava o País, a tortura: “O Brasil atravessa atualmente uma difícil fase. Os radicais querem a revolução. As camadas conservadoras são obrigadas a impor a sua lei pela força.”

Para driblar a tesoura dos censores, o Diário recorria a alguns expedientes, como recorda o escritor e jornalista Milton Saldanha, que na época atuava como copidesque, ou seja, o profissional responsável por adequar o texto às normas editoriais. “Não éramos loucos de noticiar tortura no Brasil. Então a gente noticiava tortura na Argentina e no Uruguai, que estavam com ditaduras ferozes. Como quem diz: ‘se lá existe, aqui...’.”




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