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Pacientes sofrem na
luta contra o mieloma

Com parecer negativo da Anvisa, tratamento
com remédio só é possível por via judicial

Por Camila Galvez
03/06/2013 | 07:00
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Maíla Barreto/DGABC


Pacientes diagnosticados com mieloma múltiplo, segundo tipo de câncer de sangue com maior incidência e que não tem cura, enfrentam dificuldades para obter o medicamento lenalidomida no País, até mesmo por vias judiciais. Em dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou o registro do Revlimid, solicitado pela indústria farmacêutica Zodiac. Com isso, torna-se complicado importar o remédio, como é feito nos casos em que o paciente entra na Justiça para garantir o tratamento.

Essa é a situação do advogado de São Bernardo Rogério de Sousa Oliveira, 43 anos, que convive com a doença desde 2010. Em dezembro, Oliveira entrou com ação na Fazenda Pública do Estado para solicitar o remédio, indicado porque seu sangue já começa a apresentar novamente traços do mieloma. O juiz determinou que a Secretaria de Estado da Saúde fornecesse o remédio, mas, seis meses depois, o medicamento ainda não chegou. “Se precisasse com urgência, morria.”

A Pasta informou que o prazo para a chegada da substância era o fim de maio, mas ainda seria necessária vistoria da Anvisa para que fosse disponibilizada.

O advogado passou pela fase inicial do tratamento, que inclui quimioterapia associada à talidomida, amplamente utilizada no SUS (Sistema Único de Saúde) e na rede privada. Para pacientes de até 70 anos e com condições de saúde favoráveis, é indicado o autotransplante de medula óssea, que ele realizou há um ano. Quando a doença retorna, porém, a única opção autorizada no País é o uso do bortezomibe, fornecido apenas por alguns planos de saúde. A lenalidomida, que tem menos efeitos colaterais, não pode ser comercializada aqui.

O paciente acredita que o custo é um dos fatores que impedem a vinda do medicamento. “Uma caixa, que dá para um mês de tratamento, custa R$ 20 mil. Mas quanto custa tratar os pacientes da forma errada?”, questiona.

A IMF (Fundação Internacional do Mieloma, na sigla em inglês) estima que há 20 mil novos casos de mieloma múltiplo no mundo anualmente. A lenalidomida é utilizada em cerca de 80 países, além de outros remédios cujas indústrias sequer cogitaram trazer para o Brasil, diante da negativa da Anvisa para o Revlimid.

INTERRUPÇÕES

Mesmo quem obtém o medicamento na Justiça tem dificuldade para manter o tratamento. É o caso da aposentada Marlene Celestino Gonçalves, 61, que conseguiu em fevereiro o remédio por via judicial com a Secretaria de Saúde de São Bernardo, cidade onde vive. Quando precisou trocar a substância de 10 mg pela de 25 mg, já que a doença não estava regredindo, Marlene foi obrigada a interromper o tratamento por um mês. “Foi muito angustiante. Precisei passar por psiquiatra para me acalmar.”

Marlene convive com o mieloma há seis anos, e já passou por dois autotransplantes. O segundo, realizado em setembro, controlou a doença por pouco tempo. “Entrei em depressão quando descobri que o problema tinha voltado. Não tem coisa melhor que viver, mas a gente só descobre isso quando é diagnosticado com uma doença sem cura.”

Agora, Marlene espera o resultado de exames para verificar se o período em que ficou sem o remédio prejudicou o tratamento.

Sem aprovação, importação é morosa, diz especialista

A importação do Revlimid para pacientes que entram com pedido na Justiça é dificultada pela negativa da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em aprovar a lenalidomida no Brasil.

Para o professor adjunto de Hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, Angelo Maiolino, o processo ficou mais complexo e rigoroso. “Todos saem perdendo. Não aprovar o medicamento é negar a ampliação da sobrevida para pacientes que voltam a apresentar sintomas da doença após o tratamento convencional.”

Para o especialista, o Brasil precisa de agências reguladoras, mas o tempo de aprovação deve ser diminuído. “Nos Estados Unidos, por exemplo, há outros três medicamentos aprovados para reincidências da doença. No Brasil, nem a lenalidomida chegou.”

Maiolino acredita que o paciente acaba recorrendo à Justiça apenas nas últimas recaídas, quando nada mais controla a doença. “Nesse tempo que transcorreu, o Estado pagou valor alto de outras medicações e autotransplantes. É perda de dinheiro e não se tem o efeito desejado, que é ampliar a sobrevida.”

Estudos clínicos mundiais apontam que a lenalidomida triplica os anos de vida do portador de mieloma, segundo o hematologista. A demora na descoberta da doença também é uma das causas da baixa expectativa de vida no Brasil. Hoje, levam-se em média dois anos para o diagnóstico. Os sintomas mais comuns são dor na região lombar e fraqueza associada à presença de anemia.

Agência reguladora rejeita comparação da substância com placebo

A justificativa da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para negar a liberação do Revlimid é o fato de o pedido de registro da Zodiac estar baseado em estudo comparativo do remédio com placebo, e não com outro medicamento de igual efeito.

Além disso, debilidades no plano de minimização de riscos também foram causas apontadas pela agência, já que o remédio pode causar má formação fetal no caso de uso em pacientes grávidas.

Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Angelo Maiolino, a alegação sobre os riscos para fetos é absurda. “O mieloma é uma doença que atinge pessoas idosas e em idade não fértil. Mesmo assim, caso mulheres mais jovens forem diagnosticadas com o problema, basta que o médico indique o uso de dois métodos contraceptivos para garantir que não haverá gravidez no período.”

A Zodiac informa que desde que o registro foi submetido à aprovação, em novembro de 2008, não poupou esforços para cumprir todas as exigências e solicitações feitas pela Anvisa. No entanto, o dossiê utilizado para registrar o Revlimid em mais de 80 países não foi considerado suficiente para o registro no Brasil, conforme a empresa.

A fabricante foi questionada se entraria com outro pedido, já que pode fazer isso a qualquer momento, mas se limitou a informar que fará “todo possível para disponibilizar o Revlimid aos pacientes brasileiros”.




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