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Dura vida de atleta
Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
03/04/2011 | 07:00
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Escola, almoço, treino, treino, treino, lição, jantar, cama. Competição nos intervalos e fins de semana. É assim a vida de quem deseja se profissionalizar no esporte. Há ainda dores provocadas por lesões, saudade e incerteza de que tudo pode dar em nada no final.

Mas, quer saber o que os atletas acham disso? "Quando é sonho, a gente faz o possível e o impossível para realizar", afirma Marcos Corrêa, 16 anos, o zagueiro Marquinhos da Seleção Brasileira Sub-17 de Futebol. Desistir nunca passou por sua cabeça, apesar dos sacrifícios feitos.

Fernanda Ramos, 18, de Pindamonhanga, interior de São Paulo, também acredita nisso. Mora no Parque Estoril, em São Bernardo, com mais 20 meninas, que estão longe de casa para fazer o que mais adoram: remar. Elas representam o Brasil na canoagem.

"Os treinos são desgastantes, dá saudade e falta a privacidade de casa, mas quando estou na água não tenho vontade de sair." Determinação e disciplina fazem parte da vida de quem deseja ser reconhecido. "Sonho é de graça, mas é preciso estabelecer metas, se dedicar, ter talento, competência e até sorte. A cobrança é forte", diz Paulo Barbosa, treinador da categoria de base e atleta.

Nem TPM, chuva e frio impedem o treino. A intensidade aumenta perto das competições. Entre os dias 8 e 10, as meninas participam de prova sul-americana no Rio de Janeiro. A atual campeã brasileira Cinara Camargo, 17, de Caxias do Sul, garante que é preciso amar muito o esporte para não desanimar. "Dou o máximo de mim dentro e fora da água. Quero fazer minha história. Não é fácil, mas tento estar equilibrada. Às vezes, somos psicólogas uma da outra", revela a garota, que pretende cursar Engenharia. "Quero fazer as duas coisas."

Morando no mesmo local, a experiente Ariela Pinto, 29, dá dicas: "Antes de tudo é preciso fazer o que realmente dá prazer. Se o esporte causa encantamento, os obstáculos vão sendo superados aos poucos. No fim, vale a pena", aconselha a atleta, que vai concorrer à vaga para as Olimpíadas de 2012, em Londres.

 

Convivendo com a dor - Aos 15, 16 anos, dependendo do esporte, o atleta atinge o auge de rendimento. Muitos têm lesões e sofrem com a dor, o que não impede de continuar a realizar o sonho. "Quebrei o punho e rompi o ligamento do pé, mas fazemos prepração física e somos atendidos por psicóloga e nutricionista", conta Guilherme Firmino, 13 anos, que treina ginástica artística em São Caetano há seis anos e quer estar nas Olimpíadas de 2016.

Da mesma equipe, Lucas Bitencourt, 17, já se acostumou à fase de fisioterapia após os traumas. "No início era difícil ignorar as dores, mas depois faz parte", diz o atleta. Ele já pensou em parar, mas é viciado na adrenalina que o esporte oferece. "Agora estou me preparando para a seleção adulta."

O fisiologista Turíbio Leite de Barros, professor de Medicina Esportiva da Unifesp, alerta que a intensidade de treinamento pode ameaçar a saúde do atleta, principalmente se for criança e adolescente. "Não é para se acostumar com a dor, é para não sentí-la. Se a lesão atinge articulações não maduras, o dano pode ser irreversível, e o atleta ter de abandonar o esporte." O médico lembra que não adianta extrapolar os limites do corpo, respeitando os sinais que indicam exageros, como dor, desconforto, alterações de humor, apetite e sono. "Tem de ter bom senso. A saúde deve vir antes da medalha."

 

 

É essencial fazer o que ama - "Às vezes, tenho vontade de ter liberdade para fazer o que quero, mas sei que o sacrifício está valendo", declara André Santos, 14 anos, ginasta de São Caetano. O amor pelo esporte é o combustível necessário para que a preguiça e a vontade de desistir não insistam em aparecer. De acordo com Anahy Couto, psicóloga do esporte, é preciso que o atleta fique bem focado nisso, porque os obstáculos são grandes. "Ele deixa de ser adolescente comum para se dedicar a uma vida regrada e disciplinada. Amadurece mais cedo. Precisa mudar os valores, o que interfere na rotina da família também."

É por isso que, segundo a psicóloga, o apoio familiar é essencial. "Tem de incentivar e torcer, não pressionar ou colocar expectativas financeiras sobre as costas do atleta", explica. A pressão por vencer a toda hora, ter de muitas vezes contar com a sorte para ser reconhecido e se especializar no esporte podem ser complicado e trazer frustrações. "Enquanto o adolescente comum de 17 está pensando em escolher o que fazer no vestibular, o atleta está no auge da carreira."

Além disso, quem trabalha com esporte depende das respostas do corpo. Pode ocorrer uma lesão grave ou o corpo apresentar desgastes antes da hora. Muitos, inclusive, se aposentam já com 30, 40 anos. "Esporte é uma coisa incerta e ninguém deve apostar todas as fichas sem ter uma segunda opção de carreira", diz a psicóloga.

 

Estudar para ter plano B - O atleta deve saber combinar o estudo com o esporte. Se não der certo, tem um plano B a seguir. Foi o que fez Caio Fukui, 18 anos, de Ribeirão Pires. Ele decidiu desistir do maior sonho da sua vida, o futebol, e está fazendo faculdade de Engenharia. "Se pudesse escolher entre os dois, seria jogador. Mas com a minha idade, já não tenho mais chances", conta o garoto, que jogou futebol de campo pelo Corinthians e Santo André. "Não dei sorte de me profissionalizar." E não foi por falta de tentativas: fez dezenas de testes. "Precisa ter um empresário forte para orientar."

Para Fernando Vieira, 16, de Santo André, a escola anda de mãos dadas com o basquete. Por causa do esporte, o garoto conseguiu 80% de bolsa no Colégio Singular. "Tento me dedicar ao máximo nas duas coisas." Fernando representa a escola em campeonatos regionais e já vestiu a camisa da Seleção Brasileira Sub-15.

No meio do ano, o garoto vai tentar jogar fora do Brasil. "Quero fazer o possível para me profissionalizar." Muitos atletas fazem Ensino Médio e curso superior fora do País para aproveitar o incentivo ao esporte que existe por lá. Se não der certo, ele vai ser engenheiro. "Vou prestar vestibular e conciliar os treinos com a faculdade."

 

 

Rotina de campeão -  Em geral, quem se profissionaliza toma gosto pela modalidade na infância. É quando a rotina de treinos começa. "Funciona como seleção natural. Os melhores vão ficando. Ser atleta é para poucos", explica Paulo Barbosa, técnico de canoagem. É durante as competições que o talento vai sendo exibido e os convites começam a aparecer. Participar de equipes oficiais é o primeiro passo, depois vem a chance de integrar seleções brasileiras. Nessa fase, começa-se a ganhar dinheiro. Além de talento e muita sorte, a idade pode ser decisiva para algumas modalidades, como o futebol. A partir dos 18 anos, o atleta já precisa ser profissional.




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