Política Titulo Ditadura
Políticos do Grande ABC sustentaram o AI-5

Há 45 anos, governo militar de Costa e Silva publicava texto que fechou o Congresso

Cynthia Tavares
Do Diário do Grande ABC
13/12/2013 | 07:00
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Também era sexta-feira, 13 de dezembro. A diferença está no ano: 1968, aquele que não terminou. Há exatos 45 anos o presidente do Brasil, general Arthur Costa e Silva, assinava o Ato Institucional 5, texto que mudaria radicalmente o curso do regime militar brasileiro – imperado em nosso território entre 1964 e 1985. O Grande ABC foi responsável por sustentar o ato, apoiado naquela época pelos prefeitos das três maiores cidades da região: São Bernardo, São Caetano e Santo André.

A publicação do documento, feita para conseguir reprimir os opositores, autorizava o governo militar a fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos eletivos e suspender por dez anos os direitos políticos dos cidadãos. O texto, fruto de extensa reunião do presidente com 24 ministros, inaugurou os anos de chumbo horas depois de ser anunciado.

O Congresso foi fechado na mesma noite. O ex-presidente Juscelino Kubitschek foi encaminhado ao quartel de Niterói depois de um compromisso no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e ficou detido por dias. Na época governador do extinto Estado da Guanabara, Carlos Lacerda foi preso um dia depois do decreto. Mas o movimento não parava por aí.

A lista de deputados cassados saiu no dia 30 de dezembro. Foram 11 parlamentares nessa primeira leva. Entre eles estava Márcio Moreira Alves (MDB-Rio de Janeiro), responsável por um discurso inflamado contra o regime três meses antes do AI-5.

O deputado federal pediu para que a população não participasse das comemorações ao feriado da independência, em 7 de setembro, e que as moças não se relacionassem com oficiais. “Foi apenas um pretexto usado para endurecer o regime”, analisou a professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo, Luci Praun.

O Grande ABC não passou imune ao caos instaurado no País. O Diário de 14 de dezembro de 1968 publicou a opinião do então deputado federal por São Caetano, Anacleto Campanella. O político brigava pela volta do regime constitucionalista. “Preferimos, porém, o Congresso fechado a tê-lo aberto da forma que estava, pois temos uma responsabilidade de nos mantermos autênticos e não passivos”, declarou.

Por medo ou ideologia, os prefeitos mais expressivos da região estavam alinhados com os militares e sustentavam as mãos de ferro do regime ao apresentarem uma opinião isenta ao texto e distante da defesa aos movimentos sociais. O chefe do Executivo de São Bernardo, Higino Baptista de Lima, era colaborador da Arena. Fioravante Zampol, comandante do Paço de Santo André, também era próximo aos militares.

Cinco dias depois da edição do AI-5, Walter Braido, prefeito de São Caetano, disse ao Diário que a opinião pública concordava com o ato. Antonio Russo, número dois do Palácio da Cerâmica, foi ainda mais contundente na entrevista e atacou os parlamentares. “A coisa, para o lado dos legisladores nacionais, está tão mal que, para o povo, tanto faz fechar o Congresso Nacional como não fechar. O que se quer é jogar seu futebolzinho domingo de manhã, descer para Santos etc”, disparou.

Enquanto a classe política preferia o silêncio, os movimentos sociais da região tomavam as ruas. A AP (Ação Popular) de Mauá e a luta por moradia da Vila Palmares, em Santo André, encabeçada pelo Padre Rubens Chasseraux, se organizavam contra o regime.

Eles montaram caravana para o comício na Praça da Sé, em 1º de maio de 1968. A manifestação popular tomou proporções que fizeram o então governador Roberto Costa de Abreu Sodré não discursar e assistir seu palanque ser apedrejado e incendiado pelos manifestantes.

Um mês depois ocorreu a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, que reuniu estudantes, trabalhadores e artistas que naquela altura estavam engajados na luta contra a ditadura.

O estopim para os protestos foi a morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, morto com um tiro à queima roupa por um militar durante uma atividade de universitários contra o aumento no custo das refeições.

Os eventos populares indicaram que as coisas não andavam boas para o regime. Entretanto, a professora Luci Praun destacou que a formulação do decreto não levou em conta apenas os fatores nacionais. “Não dá para colocar o AI-5 fora do contexto internacional. Existiam diversas ditaduras militares na América Latina e tínhamos apoio dos Estados Unidos em plena Guerra Fria”, disse.

A especialista reiterou que a classe empresarial no Brasil também teve participação na manutenção do regime. “O governo ditatorial foi bancado pelos grupos de empresários brasileiros. Eles financiavam os militares”.

PERSEGUIÇÃO

Depois do AI-5, ser político era tarefa difícil no Brasil. Os militares cassavam mandatos e os direitos políticos e a polícia fazia varreduras nas casas legislativas. A mesa diretora da Assembleia Legislativa de São Paulo recomendou aos deputados estaduais que evitassem discussões políticas no prédio. Na semana seguinte à publicação do ato, policiais reviraram diversas salas da Assembleia e fotografaram vários documentos.

Foram 333 cassações que duraram até setembro de 1969. O Congresso foi reaberto dez meses depois do AI-5 para realização de eleição no dia 25 de outubro daquele ano – o presidente Costa e Silva estava doente e não tinha mais condições de governar o País.

SANGUE E MORTE

A repressão atingiu seu ápice a partir de 1968. Choques, pau de arara, banhos gelados, tapas, gritos. As ferramentas de tortura começaram a se tornar comuns nas repartições militares como forma de intimidar os ‘subversivos’. As sessões de torturas conhecidas por todos ganharam força naquele momento da história. “Foi depois desse ato que a ditadura dá seu recado de endurecimento. Foi depois disso que começou a maioria das torturas e dos desaparecimentos”, disse a professora de Ciências Sociais.

Apesar dos anos de chumbo, os movimentos populares ganhavam corpo. “As greves que ocorreram anos depois (na década de 1980) têm uma origem. A resistência contra o regime foi se construindo”, ressaltou Luci.

O Acorda ABC, projeto vinculado ao Centro de Memória do Grande ABC, realiza hoje debate sobre o AI-5 e lança o livro Em Busca de Nossos Mártires , obra que trata sobre os regimes militares no Brasil e no Chile. O evento será no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá, às 18h.




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