Economia Titulo Previdência
Inclusão de militares na reforma depende de decisões políticas

Entrevista com Marcelo Caetano,
secretário da Previdência Social

Por Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
05/02/2017 | 07:11
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Elza Fiuza/Abr


Um dos pontos mais polêmicos da reforma da Previdência Social – que o governo pretende aprovar no Congresso até 30 de junho – é a exclusão dos militares da proposta. Em entrevista exclusiva ao Diário, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, afirmou que a inclusão depende de decisões políticas e pontuou que, por mais técnica que seja a reforma, é preciso juntar elementos técnicos e políticos, o que envolve decisões de natureza superior. No entanto, ele não disse se haverá mudança para a categoria, como colocação de idade mínima.

Caetano ressaltou que o objetivo da reestruturação, além de cobrir o rombo de R$ 150 bilhões, é igualar nosso sistema a práticas globais, em que não se tem a opção de aposentadoria por tempo de contribuição nem reposição integral da pensão.

Em relação a mesma idade para homens e mulheres, ele diz que lá fora também se pratica igualdade de gêneros, e que isso não vai mudar problemas como dupla jornada ou salários menores para elas na mesma função.

Quanto ao desemprego em alta, e à consequente queda nas contribuições, Caetano avaliou que este não pode ser motivo para adiar a reforma.

Confira entrevista abaixo.


1) O governo espera aprovar a reforma previdenciária até 30 de junho?

Vivemos em ambiente democrático, com separação clara dos três poderes. O Executivo encaminhou a proposta ao Congresso em dezembro e, agora, a velocidade da tramitação, o que vai ser aprovado ou não, tem de se respeitar a soberania do Congresso. A democracia se representa no Congresso. Encaramos a reforma como algo necessário para o País, não como algo de governo, mas de Estado. No fundo essa reforma, como foi proposta, gera mais benefícios às administrações futuras do que às presentes, e o custo do embate político é feito neste momento. Mas, naturalmente, nos sentiríamos satisfeitos se fosse aprovada no primeiro semestre. Mas isso não é imposição. Também não quer dizer que se não for neste prazo morreu tudo. Que tem um dia da virada, no dia 1º de julho, como se fosse abóbora da Cinderela, em que a carruagem vira abóbora.



2) Conforme a proposta, as gerações mais novas devem sentir mais o peso das mudanças, pois, diferentemente das anteriores, entram no mercado de trabalho mais tarde. Supondo que uma pessoa comece a contribuir com a Previdência aos 25 anos, para obter 100% do benefício terá que permanecer no mercado de trabalho até os 74 anos.

Temos de separar, nesta questão em particular, a regra de acesso da fórmula de cálculo. Estamos propondo como regra permanente a aposentadoria aos 65 anos com tempo de contribuição de 25 anos de idade. E mesmo essa aposentadoria aos 65 anos não vai acontecer no dia seguinte à promulgação da emenda constitucional. Leva um tempo, até todo mundo passar a se aposentar por essa regra, levará 20 anos. Para se aposentar, ninguém precisa contribuir por 49 anos. O acesso ao benefício se dá com 25 anos de contribuição. Grande parte dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social ganha um salário mínimo, e isso reflete um pouco a realidade do mercado de trabalho brasileiro. A reposição do salário mínimo está mantida, pois o piso da Previdência permanece o piso do mínimo. Então, grande parte dos segurados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) vai manter a reposição de 100% com 25 anos de contribuição. É um valor mais baixo, ninguém está falando que não é. Os demais têm garantia mínima de reposição de 76% com os mesmos 25 anos de contribuição. Naturalmente, temos de criar incentivo para que quem venha a contribuir por mais tempo tenha benefício maior. Mas, quando comparamos com a regra atual, muita gente se aposenta com o fator previdenciário, em que é muito difícil ter reposição de 76%. Em média, e claro que isso varia conforme a idade e o tempo de contribuição, se tem reposição na faixa de 70%. E por meio da reforma temos piso de 76%. Se compararmos internacionalmente, é muito difícil obter essas taxas de reposição. A nossa vai gravitar acima de 80%. O problema é que os salários no País podem não ser altos, mas quando se compara o valor da aposentadoria com aquilo que se contribuiu, vemos que é difícil ter retorno neste patamar.


3) Mas nos Estados Unidos, por exemplo, a idade mínima é de 66 anos e a partir de dez anos de contribuição já é possível se aposentar.

Não tenho os números em mãos, mas lá a reposição varia de acordo com a renda. Se você começa a ganhar mais, a reposição é menor. A taxa é maior para quem ganha menos. Com certeza é bem mais baixa do que aqui.


4) De qualquer maneira, é difícil para o trabalhador se manter no mercado com mais idade, ainda mais quando se fala em seguir na atual profissão.


Você não fica exatamente na mesma profissão, acaba encontrando outra ocupação.


5) Que geralmente remunera menos, então puxa para baixo a média das contribuições, e o valor da aposentadoria.

Mas a idade de aposentadoria urbana no Brasil hoje é de 65 anos. Então, quando a propomos, ela já existe para muita gente. O que se altera é a aposentadoria por tempo de contribuição. De fato, ela está sendo extinta, mas não da noite para o dia. Quando olhamos para o resto do mundo percebemos que nós somos exceção, e não a regra. No continente americano só existem dois países que oferecem aposentadoria por tempo de contribuição: Brasil e Equador. Mesmo no Equador, o tempo mínimo para se aposentar são 40 anos, independentemente de gênero, enquanto que aqui se exige hoje 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem. Dadas essas regras, percebemos idade média de 53 anos para mulher, com expectativa de sobrevida de 30 anos. E quando consideramos o tempo de recebimento de aposentadoria, ele é maior do que isso. Quem tem filho recebe salário maternidade, quem se machuca tem auxílio-doença, falece gera pensão por morte, se invalida recebe aposentadoria por invalidez. Então, o tempo de recebimento do benefício é maior do que o tempo de contribuição. No fundo, o que destoa o Brasil do resto do mundo é a existência da aposentadoria por tempo de contribuição.Quando a gente propõe a reforma, portanto, é para colocar o Brasil dentro dos padrões usuais do que se observa de aposentadoria mundo afora.


6) Existe muita crítica em torno de estipular a mesma idade tanto para o homem quanto para as mulheres, que elas serão prejudicadas porque muitas se afastam do mercado de trabalho para cuidar dos filhos, ou seguem na ativa mas, não raro, recebem menos do que os homens. Como o senhor vê essa questão?

Um dos grandes nortes da proposta de emenda constitucional é ter tratamento uniforme para todo mundo. Se é o sujeito é político ou não, funcionário público ou privado, urbano ou rural, homem ou mulher, terá o mesmo tratamento. Independentemente de gênero ou categoria profissional. Quanto ao fato de ser homem ou mulher, também é prática internacional. As reformas mundo afora têm sido feitas no sentido de equalizar a idade para ambos. Quanto às diferenças no mercado de trabalho, lá fora elas também existem. Mas é como se um médico, para dor de cabeça, mandasse enfaixar o pé. Esses problemas não serão resolvidos por meio da Previdência. Mesmo considerando as regras atuais, em que se tem idade para se aposentar por tempo de contribuição de 53 anos, idade baixa comparada com o resto do mundo, você não vai resolver esses problemas simplesmente fazendo com que as mulheres se aposentem antes. O fato de se aposentar mais cedo vai acabar com a dupla jornada? Não só não resolve esse problema como acentua o problema da Previdência, porque começa a conceder aposentadorias em idades mais baixas que dificultam a sustentabilidade do sistema.


7) Mas os militares ficaram de fora da reforma...


Quando se desenha uma reforma previdenciária, você mexe com aspectos técnicos e políticos. De fato, não está na emenda constitucional a questão dos militares, e se (avalia) lá na frente vai haver ou não projeto de lei específico para se tratar das reservas e reformas militares.


8) Como o senhor vê isso?

Há decisões de natureza superior, que se tomam, e isso faz parte de qualquer projeto político. Porque por mais técnica que seja a reforma, não tem como se fazer reforma puramente técnica, já que se tem de juntar sempre elementos técnicos com políticos. É um conjunto das duas coisas.


9) Quanto às pensões por morte, ponto polêmico é que, por se tratarem de duas contribuições distintas, o beneficiário não teria de escolher entre elas; teria direito a ambas. Outra questão é que, com a negativa do pagamento integral do valor, ela poderá ficar abaixo de um salário mínimo. É certo isso?

Quanto às modificações na pensão por morte, tem a questão da taxa de reposição. Lá fora, essa reposição não é integral. No Brasil também já não era assim, a fórmula de 60% do valor se houver apenas um pensionista, com mais 10% por dependente, até atingir 100%, foi uma proposta que a administração anterior também fez, não é algo específico deste governo. E, com a reforma, o segurado terá de optar pelo mais vantajoso. A aposentadoria entra como reposição de renda do trabalho, já a pensão, como um seguro. Se a gente não fizer nada, socialmente é muito pior. Ficamos numa situação difícil de se sustentar por conta do gasto da Previdência, que tem deficit de R$ 150 bilhões.


10) Por falar em social, a reforma propõe aumento da idade mínima para ter acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) - Loas. Se o objetivo do benefício assistencial é ajudar idosos em situação de miséria, 70 anos não é muito?

Quando houve a criação do BPC, a idade mínima era 70 anos. Caiu para 67 e, depois, para 65. A gente está propondo aumento para 70 anos, mas isso também não ocorre da noite para o dia. Haverá prazo de transição de dez anos entre a proposta e até chegar aos 70 anos. Outro aspecto que é bom observar é que tem de haver compatibilidade entre os benefícios de caráter contributivo e os não contributivos. Como a idade da aposentadoria fica em 65 anos, é usual que os benefícios não contributivos tenham idade mais alta.


11) Por que o 85/95 será descartado, sendo que se trata de boa opção a quem vai se aposentar?

O 85/95 é difícil sustentar porque garante reposição integral da aposentadoria com idade baixa. Permite se aposentar com 50 e poucos anos integralmente. Não dá para manter.


12) Para as novas gerações, então, seria ideal que os pais começassem a contribuir para seus filhos antes que ingressassem no mercado de trabalho?

A figura do contribuinte facultativo já existe há bastante tempo. Sou exemplo disso. Comecei a contribuir como estudante. Recebia bolsa na faculdade e aproveitei para começar a pagar o INSS. Julgo essa contribuição como importante porque, quando falamos em Previdência Social, não consideramos apenas a aposentadoria. É um seguro muito mais amplo, com conjunto de benefícios. É importante que as pessoas contribuam tanto para ter acesso maior a essa rede de proteção, além disso, por quanto mais tempo você contribuir, maior é o valor do benefício.


13) Por conta da crise, muita gente deixa de contribuir, já que perdem o emprego e a rotatividade é intensa. No Grande ABC, há 230 mil desempregados, e taxa de desemprego de 16,3%. Como o senhor vê essa questão?

Há questões estruturais e conjunturais. Claro que a situação de desemprego é extremamente desconfortável, ainda mais no Grande ABC, região eminentemente industrial, que sofre mais com a crise. Mas quando pensamos a reforma da previdência, consideramos questões estruturais e olhamos mais para frente. De repente, pode-se argumentar que se tem situação que, conjunturalmente, é desfavorável, então não é bom fazer a reforma. Mas, depois, se a situação está conjunturalmente favorável, não se faz a reforma porque isso alivia. Sempre vai aparecer algum argumento para tentar empurrar o problema mais para frente. A reforma não foi proposta em razão de problemas conjunturais, mas de questões estruturais que devem ser enfrentadas, até para poder garantir a própria sobrevivência da Previdência. Se a gente não reformar e ficar empurrando, as soluções tomadas lá na frente terão de ser cada vez mais radicais para poder resolver o que não foi enfrentado lá atrás.
 




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