A vida fora da lei sempre despertou medo e - muita - curiosidade nas pessoas. Figuras que lutaram contra o poder opressor e os mais afortunados vivem hoje como símbolos de uma possibilidade a ser sempre alcançada pelo povo, mesmo que isso ocorra por meios ilícitos. É buscando entender os motivos que os levaram e continuam a fazer com que esses anti-heróis tomem suas ações que chega o livro Bandidos (Editora Paz e Terra, R$ 45, 280 páginas). Lançada originalmente na Inglaterra em 1969 e com sua primeira edição brasileira datada de 1973, a publicação ganha versão ampliada e atualizada.
O respeitado historiador e escritor Eric Hobsbawn acrescenta textos inéditos ao público brasileiro para dar continuidade aos estudos em torno do chamado banditismo social. O campo de pesquisa apresentado segue a linha de pensamento de que há uma relação íntima e direta entre o Estado e a ação desses homens. São em regiões nas quais o poder do Estado se mostra instável ou ausente que as medidas tomadas por bandidos despontam como necessárias.
"(...) O banditismo desafia simultaneamente a ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm ou aspiram ter o poder, a lei e o controle dos recursos. Esse é o significado histórico do banditismo nas sociedades com divisões de classe e Estados", explica Hobsbawn.
O tom didático do livro é deixado de lado quando o autor busca exemplos para dar nome e cara para suas explicações. Famosos ‘vilões' que marcaram época na Europa, África, Ásia e nas Américas nos últimos quatro séculos são analisados de forma a justificar seus assaltos, assassinatos e defesa de seu povo.
É possível identificar histórias envolvendo o mítico Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres; a quadrilha do fora da lei Jesse James, responsável por grandes crimes no Velho Oeste norte-americano; o general Pancho Villa, um dos principais nomes durante a Revolução Mexicana; e o estiloso bandido italiano Salvatore Giuliano.
O Brasil é representado principalmente com o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Segundo relata o escritor, Lampião pertencia a uma família simples do agreste de Pernambuco que vivia da agricultura e da pecuária. Na adolescência, viu seus familiares serem acusados falsamente de roubo e foram expulsos da fazenda onde viviam. O jovem se revoltou e, ao lado dos irmãos e de outras dezenas de combatentes, iniciou sua conhecida saga pelo sertão.
Um bem-vindo caderno central com uma série de fotos, telas e gravuras quebram o ritmo frenético da leitura. As imagens reais são importantes para que o público tenha contato com as verdadeiras facetas de personagens que por muitas vezes já ganharam versões teatrais, televisivas e cinematográficas.
Apesar de Bandidos ser uma obra original da década de 1960, os interessantes novos argumentos do competente Eric Hobsbawn nos trazem ao atual momento da sociedade. Os fenômenos políticos e sociais contemporâneos, com a desintegração do Estado, criam terreno para que o banditismo se estabeleça como forma de protesto. Sendo assim, cabe a nós esperar - ou não - que um novo vingador apareça para confrontar o poder.
Trechos
"Desde o surgimento da agricultura, da metalurgia, das cidades e da escrita (por exemplo, da burocracia), os camponeses viveram, em geral, em sociedades nas quais veem a si próprios como um grupo coletivo separado e inferior ao grupo dos ricos e poderosos, embora seja frequente que, individualmente, seus membros dependam de um ou outro dele. O ressentimento está implícito nessa relação."
(pág. 22)
"Robin Hood, o ladrão nobre, é o tipo de bandido mais famoso e popular em todo o mundo, o herói mais comum das baladas e canções na teoria, ainda que não seja de modo algum na prática. Robin Hood é aquilo que todos os bandidos camponeses deviam ser. Entretanto, sendo as coisas como são, poucos deles possuem o idealismo, a abnegação ou a consciência social para corresponder a seu papel, e talvez poucos possam dar-se a esse luxo."
(pág. 67)
"Lampião foi e ainda é um herói para sua gente, mas um herói ambíguo. Talvez o cuidado normal explique por que o poeta faz sua mesura à moralidade formal e registra ‘a alegria do Norte' ante a morte do famigerado bandido."
(pág. 88)
"Não obstante, tais lendas não atuam meramente entre aquelas pessoas familiarizadas com determinado bandido, ou quaisquer bandidos, mas de maneira muito mais ampla e genérica. O bandido não é só um homem, é também um símbolo."
(pág. 165)
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