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Projeto leva poesia aos ônibus em Diadema
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
28/09/2004 | 15:17
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Arildo Correia Lima e José Geraldo Neres são poetas. Não de profissão, que o ofício das letras é ramo ingrato. Para sobreviver, Lima, 35 anos, dá expediente como eletricista e sua relação com poesia “não tem nada a ver com papel ou com mercado (editorial); tem a ver com a vida”. Neres, 37 anos, por sua vez, vira-se como pode na literatura, com roteiros para curtas-metragens e a militância no grupo poético-musical Palavreiros. Além disso, Lima e Neres são também usuários freqüentes de ônibus, em cujos assentos foram literariamente apresentados a Thomas Mann, Dostoievski, Hilda Hilst e Joyce (no caso do eletricista) ou a Garcia Lorca, Borges, Murilo Mendes e aos haicais japoneses (no caso do roteirista). De passageiros a versejadores, seus destinos cruzaram-se neste mês graças ao projeto Poesias nos Ônibus, em cartaz na frota da ETCD (Empresa de Transporte Coletivo de Diadema).

Esse programa prevê afixar em 54 ônibus que circulam em Diadema pôsteres com transcrições da obra de poetas da cidade. A seleção dos bardos que terão direito à exposição é, por enquanto, concomitante à classificação dos mesmos na 4ª Mostra de Artes de Diadema, realizada em julho deste ano e na qual Neres, na categoria poesia, foi o primeiro colocado com o texto Bebo a Cidade e Lima, o vice, com Elegia a uma Estrangeira. Portanto, é deles a honra de inaugurar o Poesias nos Ônibus com seus respectivos poemas, exibidos até 22 de outubro nos coletivos. Passado esse primeiro período, haverá trocas mensais dos pôsteres até que se completem 12 poemas neste ano.

Essa iniciativa dos poemas viajantes é efeito de um projeto de lei, de novembro de 2003. “A previsão é que sejam 24 poesias a circularem pelos ônibus, duas por mês, a partir de 2005. Aquelas que venceram ou receberam menções honrosas na Mostra de Artes terão preferência”, diz Beth Brait Alvim, assessora de literatura de Diadema. Na real, Poesias nos Ônibus é o primeiro sintoma do processo de “infestação da cidade pela poesia” previsto por Beth. Outros indícios da pandemia, ainda a se manifestarem: minioutdoors poéticos e saraus mais freqüentes.

Ao falar de suas afinidades literárias, Beth – ela própria escritora, autora do inédito Ciranda dos Tempos: Espaços do Desejo – formula o perfil do que se pretende com a Diadema poética. “A poesia não pode se limitar a uma tendência. Veja, por exemplo, o Zé Geraldo e o Arildo. Um é construtivista (Neres), o outro é neo-barroco (Lima).”

Lima agradece ao “neo-barroco” mas diz que sua formação não é acadêmica e que sua poesia é muito mais instintiva que qualquer outra coisa, na qual convergem “sonhos, impressões, mulheres e amigos”. Sobre estar atualmente ocupando o lugar do Dostoievski e do Joyce que ele cansou de ler nos assentos dos ônibus, mesmo que em seu caso seja uma divulgação efêmera, diz não crer que está “aceitando qualquer coisa.” “Essa forma de divulgação é o contrário do que acontece hoje com a poesia, com a qual não se faz quase nada de positivo, pois está sempre à margem de tudo.”

Neres, cuja poesia seria “um contraponto entre Rimbaud e Manoel de Barros”, concorda. “É bacana não só para divulgar a produção local. A população deve saber que existem poetas em Diadema, sim. As pessoas têm de saber que podem ir além da leitura, que podem se sentir inspiradas a escrever também”. E tudo isso a R$ 1,75 o ingresso, ou melhor, a passagem.




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