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Literatura infantil resiste
Por Ângela Corrêa
Do Diário do Grande ABC
18/04/2010 | 07:43
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Em tempos de games violentos, programas de TV de conteúdo duvidoso e toda sorte de informação a um clique de distância, é mais fácil acreditar que os contos de fadas estão com os dias contados. Ledo engano. Hoje, quando se comemora o Dia Nacional do Livro Infantil (que também homenageia Monteiro Lobato, que completaria 128 anos), a realidade não se mostra pessimista.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2008 pelo Instituto Pró-Livro, aponta ávidos novos leitores. Na faixa etária 5-10 anos, a média anual de leitura é de 6,9 livros. Entre os maiores (11-13 anos), é ainda mais positiva: 8,5. O mesmo levantamento indica 1,3 livro/ano por habitante.

"Nunca a criança esteve tão perto da ficção como hoje, mesmo que a partir dos games. E gosta dos livros porque chegaram até aqui como melhor suporte para literatura", diz a escritora Andréa del Fuego, de São Bernardo, que, depois de dois títulos juvenis, espera chegar às lojas seu primeiro infantil, Irmã de Pelúcia.

O fato de os aparatos tecnológicos não substituírem os livros não facilita o papel dos autores. "Realmente é um desafio escrever para a criança de hoje. Competimos com tantos tipos de mídia e temos de evoluir junto para prender a atenção dela", afirma Eva Furnari, que completa 30 anos de carreira em agosto.

Famosa pela personagem Bruxinha, que nasceu em formato de tira, e também por seus trabalhos como ilustradora, Eva acredita que é preciso acompanhar a inquietação desse momento. "Hoje, a linguagem tem de ser bastante ágil, sem grandes descrições. E isso se modifica sempre: cada geração supera a anterior em diversos aspectos."

Assim como o apetite dos leitores por histórias, o nicho também expandiu. De 2007 para 2008 o mercado editorial registrou aumento de 14% em títulos de literatura infantil. No mesmo período, o adulto despencou 20%. Os números foram medidos na pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, elaborada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP.

NADA DE CLICHÊ!
Alfabetizadas e precocemente digitalizadas, crianças e adolescentes contemporâneos se sentem confortáveis apenas quando mergulham em histórias parecidas com seu cotidiano, certo? Não exatamente.

"Eles estão muito disponíveis a descobertas. Se incentivados, jogam videogame, mas depois sentam-se para ler ou ouvir qualquer tipo de história. Para nós, autores, escrever a partir dessas características é tolher a criatividade", afirma Sérgio Ribeiro Lemos, o Seri, cartunista do Diário que lançou dois títulos infantis neste ano.

Para o editor e escritor Rodrigo Lacerda, o excesso de adereços que levam a essa realidade tecnológica é dos maiores erros encontrados no setor. "O livro é uma porta para que eles conheçam outros aspectos, outras realidades. Em O Fazedor de Velhos (título juvenil lançado há dois anos) incluí até referências a ópera, gênero que não costuma ser muito bem aceito pelos mais jovens, e pintura. Só tive boas respostas com respeito a isso", diz Lacerda.

COMO INCENTIVAR?
A curiosidade natural das crianças é grande aliada, mas os adultos podem evitar que uma futura rejeição. "Gosto de uma frase de Mario de Andrade: ‘Conselho é que nem sol de inverno: ilumina, mas não aquece'", diz Lacerda. Para o escritor, a melhor maneira de formar leitores é dar exemplo. "Tem de ler também, não adianta só falar. Também tem de dar liberdade absoluta para criar um cânone próprio. O filho tem de ter o direito de escolher o que gosta ou vai se desinteressar, vai achar que nesse mundo não há espaço para sua sensibilidade", defende.


Autores se divertem ao criar
Para quem se dedica às histórias adultas, surpreender-se matutando histórias infantis pode ser bastante recompensador - principalmente no que se refere ao prazer de escrevê-las. Essa é a experiência dos escritores Rodrigo Lacerda e Andréa del Fuego.

Em 2008, Lacerda trabalhava em um romance e estava, como ele mesmo diz, "sofrendo" com o pesado processo criativo. "Me veio então a história do feiticeiro que tinha o poder de envelhecer as pessoas. Quando sentei para escrever, saiu muito rápido. Era instintivo. No caminho, o personagem mudou: um sábio que ajudava as pessoas a amadurecer. Dediquei à minha filha, Clara, que na época tinha 12 anos".

O autor diz que manteve a espontaneidade e adequou a linguagem a um formato simples, próprio para o público-alvo. "Quando fui à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) no ano passado, o (dramaturgo) Domingos de Oliveira disse que existe o país dos livros escritos, que parecem estar prontos desde o começo. Para mim foi assim."

Andréa se surpreendeu quando se deu conta de que a trama de A Sociedade da Caveira de Cristal, que vinha pensando, só se adaptaria ao formato juvenil. "Foi delicioso. Como não convivo com crianças, recorri à minha própria infância. Naquela época, não havia problema nenhum, só certezas. Escrevi com essa voz, em primeira pessoa. Eles se identificaram muito". relembra. Além deste livro, lançou no ano passado Quase Caio. No fim do ano passado, A Sociedade teve os direitos vendidos para uma produtora de cinema, que está captando recursos para começar as filmagens.




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